DNA gaúcho revela variantes ligadas a doenças graves e diversidade ancestral invisível

Estudo ainda identificou mutações no DNA dos gaúchos associadas a covid, câncer e doenças renais

13 jul 2025 - 21h47

Um levantamento genético inédito revelou a complexidade do DNA da população brasileira e derrubou o mito de que o Rio Grande do Sul tem origem puramente europeia. Publicado na revista Science, o estudo faz parte do projeto DNA do Brasil, coordenado por pesquisadores da UFRGS, USP e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Trata-se do maior mapeamento genético populacional já feito no país, com 2.723 genomas analisados — mais de 800 de pessoas residentes no RS.

Foto: Alex Rocha/PMPA / Porto Alegre 24 horas

O estudo identificou mais de 8 milhões de variantes genéticas inéditas, sendo 36 mil ligadas a riscos de saúde, como doenças cardiovasculares, obesidade e infertilidade. Além disso, traços genéticos de povos indígenas extintos, como os Charrua, e variantes de origem africana foram detectados, inclusive em regiões com baixa autodeclaração de negros.

Publicidade

Segundo a pesquisadora Fernanda Vianna, coordenadora do projeto no RS, os dados mudam a forma como se compreende a formação genética dos gaúchos. "A presença africana e indígena é relevante, mesmo quando não aparece visualmente. Isso tem impacto direto na saúde pública", destaca.

Diversidade genética e impacto na saúde

No Estado, as coletas se dividiram em dois grupos: pacientes com covid-19 e pessoas negras com ou sem doença renal crônica. A comparação entre os genomas mostrou variantes associadas a maior risco de insuficiência renal e a respostas mais graves à infecção por covid-19.

O estudo também aponta que o RS, embora tenha apenas 21% da população negra, apresenta marcadores genéticos relevantes dessa ancestralidade, o que reforça a necessidade de ações específicas de saúde pública para esse grupo.

A pesquisadora Célia de Souza chama a atenção para o fato de que a população negra gaúcha nunca havia sido incluída com peso em um estudo genômico nacional. "É também uma ação afirmativa, que inclui quem historicamente foi excluído da ciência", afirma.

Publicidade

Avanços para a medicina de precisão

Com base nos resultados, o grupo desenvolveu ações de aconselhamento genético voltadas a doenças renais, cardiovasculares, câncer hereditário e infecções graves. A proposta é usar a frequência de mutações por ancestralidade para direcionar exames preventivos e, futuramente, desenvolver medicamentos mais eficazes.

Segundo a geneticista Maria Cátira Bortolini, a maior parte dos testes genéticos realizados no Brasil ainda usa bancos de dados estrangeiros, compostos majoritariamente por pessoas brancas europeias ou norte-americanas. "Isso gera diagnósticos imprecisos e omite riscos reais da nossa população", explica.

Antes do DNA do Brasil, não havia uma base genômica ampla com dados de pessoas negras, indígenas e mestiças. Agora, com o novo banco de dados, é possível personalizar diagnósticos, identificar variantes de risco por região e ampliar o acesso à medicina de precisão.

Genética como política pública

Entre os pontos destacados pela equipe está a possibilidade de usar os dados para explicar a alta incidência de câncer de mama em mulheres jovens no RS, um dos estados com maior número de casos precoces da doença.

Publicidade

Além disso, um gene mitocondrial de origem nativo-americana foi associado a desfechos graves da covid-19, reforçando que vulnerabilidades genéticas específicas precisam ser consideradas no planejamento de políticas públicas.

"Sem dados, não há política pública eficaz. E sem reconhecimento da ancestralidade, os dados são incompletos", resume Bortolini.

Os pesquisadores reforçam que a genética é uma ferramenta de equidade, e que reconhecer a diversidade biológica da população é essencial para combater desigualdades históricas e salvar vidas.

Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações