Depressão atinge 8 milhões de crianças no Brasil

10 out 2017 - 22h07

Ela sempre dormiu como um anjo. No dia seguinte, esbanjava energia para brincar. Corria pelo quintal cheia de alegria e transformava aquele espaço num mundo mágico, divertido, sem medo algum... Aquele era o espaço do lúdico, do "ser criança", o local para viver as benesses dessa época tão importante em nossa existência.

Foto: DINO

Hoje, quase sempre, está pelos cantos. Busca lugares mais quietos, reservados. Já não se vê mais aquele brilho no olhar quando abre um presente no dia das crianças. Já não acha tudo divertido. O ar de aventura, de explorar oportunidades para brincar, também não é mais o mesmo. Quase tudo não está bom.

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A criança que "desbravava" o mundo com ânimo, coragem e muita imaginação está retraída, sem energia e desejo para explorar ambientes. Prefere ficar quieta ou estar abraçada em silêncio com alguém bem próximo, de sua confiança. Esse poderia ser um gesto de carinho, mas não é. É medo. Um sinal claro de que ela não está bem. Saudável, como se sabe, é aquela criança que ri e brinca, que é ativa, que muitas vezes duela com o sono...

SINTOMAS - A criança deprimida fica irritada, chora por qualquer motivo, dorme mal e se torna extremamente insegura. Estes são apenas os primeiros sinais de um quadro mais amplo que pode ser o de depressão infantil.  Um distúrbio que, na infância, aparece de forma "mascarada", já que elas não sabem identificar a doença e não reclamam dos sintomas.

Em The Depressed Child: A Parent's Guide for Rescuing Kids (A Criança Deprimida: um guia para os cuidados dos pais), obra de 2014, o psicólogo americano Douglas Riley definiu a sensação depressiva numa criança: "Um astronauta acaba de se deparar com a imensidão do espaço. Por algum motivo, suas amarras de proteção são desfeitas e ele não vê alternativas para voltar à nave, menos ainda para voltar à Terra. Ele agora está à deriva na imensidão do espaço".

Um outro guia, do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido, alertou: já são mais de 80 mil crianças naquela região diagnosticadas anualmente, 8 mil delas menores de 10 anos.

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No Brasil, não temos estatísticas, mas se estima que a incidência do distúrbio seja de 1% a 3% da população entre 0 a 17 anos, o que significa, mais ou menos, 8 milhões de jovens.

O que pode contribuir para a redução destes números? Por que as crianças enfrentam, tão precocemente, o mal do século? A oportunidade para repensarmos e revertermos essa tendência passa pelas pessoas essenciais na vida de uma criança. Falo com você que é mãe ou pai. Pais, vocês são absolutamente fundamentais para a recuperação de seus filhos e é preciso ter sensibilidade para ler e entender os sinais que a criança emite e não os associar a uma espécie de manha ou capricho.

A complexidade da mente infantil em desenvolvimento amplia os motivos que pode deflagrar um quadro de depressão. Não há fórmula mágica. Geralmente, elas "mascaram" a realidade. Por isso, por mais que vocês - pais - tenham uma vida corrida, fiquem atentos a mudanças de comportamentos de seus filhos.  A depressão não acontece de um dia para o outro; ela é um processo. Quanto mais cedo identificar e tratar, melhor. Não é uma tarefa fácil no mundo corrido em que vivemos, eu sei.

O ideal seria programar um momento de interação, ou seja, de ouvir com atenção o que seu filho tem a dizer. Pergunte como foi o dia na escola, abra uma conversa franca que sinalize atenção verdadeira (mais do que preocupação ou do que sondar a possibilidade de que algo esteja errado). Mostre interesse pelas coisas que o envolve. Não esqueça que ele é o que você tem de mais importante nesta vida. Percebo, nas conversas que tenho no consultório, que existe uma grande dificuldade dos pais em ouvir os filhos. A falta de tempo, a correria do dia a dia, do trabalho, dos muitos afazeres e compromisso é um álibi para justificar o que a criança entende e interpreta como ausência. Os pais muitas vezes não sabem "como" e "o que" conversar com os filhos, têm dificuldades de entender o que as crianças têm a dizer, sentem medo de expor seus sentimentos... Alguns pais reagem de forma mais negativa: desconversam, fazem o que acham certo e pronto. Ou, muito pior ainda, ignoram e acham que o papel de pai e mãe é apenas o de ser provedor.

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O LIMITE DA PERMISSIVIDADE - Educar é preparar para a vida, ensinar, orientar. Educar é amar. E educar é fixar limites. Numa época em que os limites e regras devem ser impostos e compreendidos - sem a ajuda de palmadas - ser pai e mãe também não é simples. Na clínica, observo duas situações: ou a criança não tem rotina nenhuma (algo que é um grande erro e que traz efeitos muito ruins) - sem hora para dormir, para fazer os deveres, para se divertir ou ela segue uma agenda - de adulto -  com atividades extra curriculares-  inglês, natação, judô, teatro, música, entre outras.  São tantas ocupações de ambas as partes - pais e filhos - que falta tempo para algo bem simples: construir e nutrir a relação de pai-filho. Não há tempo para intimidade e este parece um dos maiores paradoxos do nosso tempo. A rotina para um filho é válida; ela oferece estabilidade e capacidade de prever o que vai acontecer, diminui a ansiedade.

Reitero: pai e mãe devem estar presentes no dia a dia do filho. Participar ativamente poderá auxiliá-lo nos momentos de frustrações a que todos estamos sujeitos.

A criança fala o que sente com suas palavras ou, mais usual ainda, demonstra nas entrelinhas, com suas atitudes.  Ao contrário dos adultos - que sentem a necessidade de analisar e querer saber o motivo para cada sentimento -, as crianças apenas sentem o mundo como ele é. 

Assim, os pais precisam ter certos cuidados dentro de casa: reduzir as brigas conjugais e o ambiente de hostilidade com quem quer que seja, ensinar o filho a lidar com o assédio ou bullying, estar mais próximo em momentos de mudanças bruscas da vida familiar. E o mais importante: estar sempre atento aos sinais para saber quando levar a criança para uma avaliação profissional. Não descarte a medicação. Obtenha outras opiniões se ela for sugerida. Tomada corretamente, a medicação pode salvar uma vida. Enquanto isso, não abra mão de educar, que é a principal prova de amor que se pode dar a uma criança.

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*Leonardo Maranhão é psiquiatra e diretor da Clínica Médica Assis

Website: http://www.leonardomaranhao.blog.br/

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