Cloroquina tem Bolsonaro como maior influenciador do mundo

Postagens do presidente no Facebook sobre droga sem eficácia para tratar a covid-19 geraram 11 mi de interações e 1,7 mi de compartilhamentos

6 jun 2021 - 13h01
(atualizado às 13h04)

O presidente Jair Bolsonaro é o maior influenciador digital da cloroquina no Facebook. Em todo o mundo, nenhum usuário da plataforma provocou tanto engajamento ao citar o remédio - o resultado foi uma onda de desinformação sobre seu uso no tratamento de covid-19. As postagens que ele publicou sobre o assunto geraram 11 milhões de interações e 1,7 milhão de compartilhamentos na rede social.

Presidente Jair Bolsonaro segura caixa de cloroquina em cerimônia do Palácio do Planalto
16/09/2020 REUTERS/Adriano Machado
Presidente Jair Bolsonaro segura caixa de cloroquina em cerimônia do Palácio do Planalto 16/09/2020 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Do início da pandemia, em março de 2020, até o final de maio de 2021, considerando os 100 textos no Facebook com mais interações sobre cloroquina, em português e outras línguas, o presidente foi o autor de 42 - ou seja, quatro em cada dez.

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O medicamento, cuja bula indica utilização contra malária e doenças autoimunes, se transformou em símbolo da desinformação sobre a pandemia no Brasil por ter sido apresentado por Bolsonaro como elemento principal do que chamou de "tratamento precoce" - suposta cura contra a covid-19. Estudos rigorosos, porém, não demonstraram eficácia contra os efeitos do coronavírus, e alguns indicaram risco de efeitos adversos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda "fortemente" que não seja utilizada contra covid-19. Os alertas da ciência foram ignorados ou contestados por Bolsonaro, que, ao propagandear uma falsa cura, desprezar medidas de isolamento social e apostar na chamada "imunidade de rebanho", criou no país um ambiente propício ao aumento de contágios e de mortes.

No ranking global de engajamento sobre a cloroquina, Bolsonaro ficou à frente do ex-presidente americano Donald Trump (1,1 milhão de interações) e até da OMS (491 mil), segundo análise feita com a ferramenta CrowdTangle, que permite dimensionar o envolvimento dos usuários da plataforma com determinados conteúdos. A análise revela ainda que as mensagens de Bolsonaro que promoveram o chamado tratamento precoce foram bem recebidas por seu público: menos de 1% das reações foram negativas.

Diferentemente do que ocorre na maioria dos demais países, a desinformação sobre a pandemia ganhou no Brasil um caráter institucional. Nos últimos 15 meses, além do presidente, outras autoridades e aliados políticos do governo utilizaram redes sociais e a estrutura oficial de comunicação para boicotar sistematicamente orientações de especialistas sobre distanciamento social, medicamentos, uso de máscaras e até mesmo a importância das vacinas. Nesse contexto, o Brasil acabou entre os dez países do mundo com maior mortalidade per capita por covid-19.

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Corrente. As páginas de parlamentares brasileiros no Facebook publicaram quase 4,5 mil textos com os termos "cloroquina" e "hidroxicloroquina" (um derivado da droga) desde março de 2020, gerando nada menos que 43 milhões de interações. O predomínio dos bolsonaristas nesse debate foi avassalador. Entre os 100 posts mais populares da lista, apenas um era de um integrante da oposição e três de um deputado independente; os outros 96 provinham de governistas. Encabeçam o ranking a deputada federal Carla Zambelli (3,6 milhões de interações) e Eduardo e Flávio Bolsonaro (850 mil e 379 mil), filhos do presidente.

Bolsonaro foi também um dos políticos que geraram mais engajamento ao fazer postagens sobre outros medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19: ivermectina (157 mil interações); azitromicina (750 mil) e nitazoxanida (231 mil).

A primeira postagem que o presidente fez sobre a cloroquina foi em 26 de março de 2020, quando anunciou a eliminação do imposto de importação do medicamento. A mensagem que obteve o maior alcance no Facebook foi publicada quando ele próprio estava com covid-19, em julho de 2020. Na ocasião, ele escreveu: "Aos que torcem contra a hidroxicloroquina, mas não apresentam alternativas, lamento informar que estou muito bem com seu uso e, com a graça de Deus, viverei ainda por muito tempo". Foram 101 mil compartilhamentos. A maioria dos afetados por covid-19 se recupera, tomando ou não medicamentos inócuos. Estima-se que a letalidade seja próxima de 2% do total de infectados.

Promoção. Bolsonaro fez propaganda da droga em diversas ocasiões. Recentemente, disse ter retomado o consumo de cloroquina, "antes mesmo de procurar o médico". "Olha só o exemplo que estou dando: tomei aquele remédio porque estava com sintoma", afirmou, em uma transmissão de vídeo pelo Facebook. "Tomei, fiz exame, não estava (doente). Mas, por precaução, tomei."

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Apesar de ter se referido claramente à cloroquina, o presidente não disse o nome da droga. Isso se deve ao fato de o Facebook, no início de abril, ter apagado um vídeo em que Bolsonaro espalhou falsidades sobre a cloroquina - segundo a rede social, o conteúdo violou as normas da plataforma. "Não vou falar o nome para não cair a live. Aquele negócio que o pessoal usa para combater malária, usei lá atrás e no dia seguinte estava bom."

A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investiga a resposta federal à pandemia está reunindo indícios sobre a existência de um "gabinete paralelo" que assessorou Bolsonaro durante a pandemia, formado por entusiastas da cloroquina e da tese da imunidade de rebanho.

A análise sobre o impacto de Bolsonaro no cenário de desinformação da pandemia foi feita pelo Estadão Verifica em conjunto com a LatamChequea, coalizão de agências de checagens de fatos da América Latina. A íntegra do texto pode ser lida no blog do Estadão Verifica.

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