O que estão compartilhando: que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria colocado sob sigilo o valor de R$ 2,5 bilhões pagos em honorários para a Advocacia-Geral da União (AGU).
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A postagem distorce uma notícia publicada em julho deste ano pela coluna da jornalista Andreza Matais, do portal Metrópoles. Segundo a reportagem, o governo federal omitiu por oito meses informações sobre honorários advocatícios pagos aos integrantes da AGU - dentre eles, o ministro Jorge Messias. Os valores só seriam atualizados após questionamentos da reportagem. O órgão responsável pela distribuição dos honorários alegou que a publicação parou de ser feita por "incompatibilidade técnica".
O governo federal não impôs sigilo aos dados de pagamentos. Para classificar uma informação como sigilosa, é preciso publicar um ato administrativo com uma justificativa. De acordo com o portal de informações da Presidência, nenhum documento da AGU foi colocado sob sigilo durante o governo Lula. Segundo um especialista ouvido pelo Verifica, dados de pagamentos de servidores públicos não podem ser colocados sob sigilo.
Saiba mais: de acordo com o Metrópoles, os dados sobre os honorários advocatícios pararam de ser publicados em novembro de 2024. As informações só seriam atualizadas após questionamentos da reportagem, em julho de 2025. Os honorários distribuídos entre dezembro do ano passado e maio deste ano somam R$ 2,5 bilhões.
Como explicou o Estadão, os chamados "honorários de sucumbência" são uma verba paga pela parte perdedora à vencedora após o julgamento. Quando a União é vencedora, defendida pela AGU, os servidores também ganham um bônus.
Segundo a Lei nº 13.327, de 29 de julho de 2016, o advogado da União tem direito ao recebimento dos honorários advocatícios de sucumbência. De acordo com a reportagem do Metrópoles, o pagamento referente ao mês de maio mostra que Messias recebeu R$ 21.096,23 em honorários.
Segundo nota da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), publicada em julho deste ano, "os honorários não são custeados com recursos orçamentários da União". Conforme explicado pela organização, isso se explica por serem valores pagos por partes vencidas em processos judiciais.
Os honorários são distribuídos pelo Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA). A legislação determina que o CCHA é responsável por "editar normas para operacionalizar o crédito e a distribuição dos valores".
Ao Metrópoles, o CCHA afirmou que as informações sobre os honorários pararam de ser publicadas por "incompatibilidades técnicas" entre os sistemas da entidade e da Controladoria-Geral da União (CGU), que mantém o Portal da Transparência.
Ao Verifica, a AGU afirmou que publicou informações sobre honorários sucumbenciais recebidos por seus advogados. "O painel contém informações detalhadas e individualizadas sobre os valores pagos e serão atualizados mensalmente. A determinação faz parte da Portaria Normativa nº 188 de 28 de julho de 2025?, informou, em nota.
Entre janeiro e outubro deste ano, segundo o Estadão, Messias recebeu R$ 660 mil referentes a honorários. O maior valor foi pago em julho, de R$ 307.938,52. Segundo a AGU, o montante inclui "além do rateio ordinário, os valores em atraso referentes a um terço de férias que não haviam sido pagos desde 2017?. Não houve explicação para os benefícios serem pagos com os honorários de forma retroativa.
Portal mostra que AGU não classificou informações em durante governo Lula
A reportagem consultou o painel do Rol de Informações Classificadas e Desclassificadas do Poder Executivo Federal. Lá, foi possível identificar que nenhuma informação foi classificada na AGU durante o governo Lula, em 2023, 2024 e 2025 (veja aqui).
Segundo a Resolução CMRI nº 7, de 20 de fevereiro de 2024, a classificação caracteriza-se pelo "ato de classificar informação em ultrassecreta, secreta ou reservada, para garantir seu sigilo".
O especialista em direito público e eleitoral Rafael Cezar dos Santos, sócio do escritório Callado, Petrin, Paes & Cezar Advogados, explica que podem ser submetidas a sigilo quaisquer informações que se enquadrarem em algum dos incisos do art. 23 da Lei de Acesso à Informação (LAI). Veja abaixo:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ouVIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
Como exemplos clássicos de informações que comportam sigilo, o especialista citou dados militares estratégicos, localização de instalações sensíveis, documentos de negociações diplomáticas, dentre outras situações. Não é o caso, porém, da situação especificada na postagem verificada.
O advogado explica que a imposição formal de sigilo depende de ato administrativo fundamentado, com explicitação dos critérios que foram considerados. "Eventuais falhas de sistemas de dados, falhas em portal da transparência, falta de alimentação das informações nos portais, todas essas são situações que não se equiparam formalmente a sigilo", disse.
Segundo Rafael, pagamentos feitos a servidores públicos não podem, a princípio, ser submetidos a sigilo, pois são informações públicas, sujeitas ao princípio da publicidade (transparência pública). Os tribunais nacionais têm entendimento de que a remuneração individual de agentes públicos deve ser divulgada, por envolver recursos públicos e interesse coletivo, apenas com o resguardo pontual de dados pessoais sensíveis.
Leia outras checagensBolsonaro não teria direito a saída temporária no Natal mesmo antes de mudança em lei
Vídeo em que Lula fala que Estados estão 'quebrados' é de 2016, não de 2025
Vídeo mostra treinamento do Exército em 2024, e não manifestação contra prisão de Bolsonaro
Saiba mais: a postagem faz uma leitura distorcida de uma notícia factual. Para compreender o contexto, a reportagem buscou pela reportagem na íntegra. Dessa forma, foi possível compreender que a omissão de valores não se deu por uma imposição formal de sigilo. Buscar diversificar fontes de uma informação e realizar a leitura completa dos materiais é uma forma de evitar cair em desinformação.