RIO - Dez anos após o início da Lava Jato, a força-tarefa - que chegou a ser considerada o maior cerco à políticos suspeitos de desvios de recursos públicos da história - acumula derrotas nos tribunais superiores do País. Políticos e empresários tiveram condenações anuladas e, aos poucos, já traçam estratégias para retornar à vida pública. É o caso do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PRD-SP) e do ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), atualmente deputado federal.
Mesmo quem cumprem pena ou está oficialmente inelegível se mantém no jogo político articulando candidaturas de aliados, como Cabral e Cunha.
Símbolo do combate à corrupção de políticos e empresários bilionários, a Lava Jato e as investigações abertas no decorrer das fases da operação viabilizaram 120 delações, mais de 500 denunciados, 174 condenados e a devolução de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos.
Sérgio Cabral
"O Judiciário finalmente está reconhecendo e concretizando em decisões aquilo que nós advogados já denunciávamos desde o princípio da Operação Lava Jato, a parcialidade, o conluio entre acusação e juiz, o desrespeito aos mais importantes princípios e garantias da Constituição. Esse desrespeito violou de morte o devido processo legal, a Constituição, e a própria democracia. Agora se está fazendo justiça", disse o advogado Eduardo Sanz, em nota.
A defesa de Odebrecht afirma que, por enquanto, Odebrecht não tem planos de retomar a carreira empresarial.
Odebrecht foi delator do conluio de empreiteiras que pagou propinas a centenas de políticos em troca de contratos com a Petrobras revelado pela Lava Jato. Ele era presidente da construtora que levava o sobrenome da família quando a operação estourou em 2014 e prendeu os principais executivos do grupo.
Odebrecht foi preso em junho de 2015 quando foi deflagrada a Operação Erga Omnes, 14.ª fase da Lava Jato. Depois de uma temporada na prisão, o empresário passou a prestar serviços comunitários como parte do acordo de colaboração assinado com o Ministério Público Federal. No Hospital das Clínicas, trabalhou no setor administrativo, entre 2021 e 2023, e terminou de cumprir a pena.
O acordo de colaboração de Marcelo Odebrecht foi revisto em 2021 pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro Edson Fachin reduziu a pena de dez anos para sete anos e meio. O benefício foi concedido porque o acordo previa uma "cláusula de desempenho", ou seja, se as informações compartilhadas fossem úteis, a pena seria reduzida. Em abril do ano passado, ele terminou de cumprir a sua pena.
Alberto Youssef
O ex-governador do Paraná Beto Richa, atualmente deputado federal, que chegou a ser preso duas vezes em investigações sobre corrupção quando estava no cargo, é pré-candidato à prefeitura de Curitiba. Ele pleiteia um retorno ao Executivo de Curitiba e chegou a conversar com o PL para migrar de sigla e disputar a eleição pela legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ao Estadão, Richa confirmou que houve um convite formal do PL e que o interesse era mútuo. O ex-governador disse que a estrutura da sigla de Bolsonaro era atrativa mas, ainda assim, não sairia de imediato do PSDB, partido do qual é membro histórico.
Os processos contra Richa somam R$ 42,5 milhões em supostas propinas relacionadas a contratos de concessões de rodovias. Reviravoltas nos casos, que não foram julgados, entretanto, favorecem o possível retorno do tucano. Em fevereiro, por exemplo, o ministro Gilmar Mendes, do STF, mandou a investigação para a Vara eleitoral por considerar que há suspeita de caixa dois.
Em dezembro do ano passado, Toffoli determinou a nulidade absoluta de todos os atos praticados em processos da Operação Lava Jato contra o ex-governador do Paraná. A defesa de Richa incluiu, entre os argumentos da defesa, transcrições de conversas de integrantes da Lava Jato reveladas pela Operação Spoofing, "que comprovam uma atuação obsessiva daqueles agentes públicos visando a perseguição ao requerente", dizem os advogados.
André Vargas
Em fevereiro de 2022, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu o ex-senador Gim Argello das acusações da Lava Jato, em mais uma anulação pelo fato de que a competência para os eventuais crimes praticados pelo político seriam da Justiça Eleitoral, e não Federal.
Em março deste ano, o juiz da 1.ª Zona Eleitoral de Brasília, Lizandro Garcia Gomes Filho, arquivou as duas ações penais eleitorais contra o ex-senador oriundas da Lava Jato. Argello havia sido condenado por supostamente receber propina para evitar a convocação de empresários na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) da Petrobras, em 2014.
Em nota, Gim Argello disse que a decisão confirma e enfatiza sua inocência. "Por anos fui alvo de acusações que foram amplamente aprofundadas e discutidas pelos diversos órgãos judiciais que, por fim, confirmaram e enfatizaram a minha inocência."
O ex-senador chegou a ser convidado pelo influenciador Pablo Marçal para disputar o Senado pelo Pros, em 2022. A decisão de voltar à cena política foi adiada. O ex-parlamentar pretende retornar como candidato em 2026.
Delúbio Soares
Em março de 2023, STJ anulou outra condenação da Lava Jato pelo critério da competência. O favorecido com a decisão foi Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. O tribunal concluiu que a 13.ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para processar e julgar as acusações e mandou o caso para a Justiça Eleitoral. Com isso, todas as decisões, inclusive a que condenou Delúbio a seis anos de prisão em regime fechado, se tonaram nulas.
A força-tarefa da Lava Jato acusou o ex-tesoureiro do PT de orientar o empresário Natalino Bertin, dono do frigorífico Bertin, a lavar R$ 12 milhões obtidos pelo pecuarista José Carlos Bumlai junto ao banco Schahin em 2004. O dinheiro teria sido usado, segundo a denúncia, para financiar campanhas eleitorais de políticos do PT e do PDT. Delúbio passou dois anos preso no caso.
O político tem participado de uma série de encontros do PT pelo País em preparação às eleições deste ano. Delúbio participa do lançamento de pré-candidaturas, reuniões partidárias e mesas de debate, onde aproveita para discursar contra o processo impetrado pela Lava Jato.
João Vaccari Neto
Em janeiro deste ano, o ministro Edson Fachin, do STF, anulou condenações do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura na Lava Jato. Eles foram denunciados pelo suposto recebimento de caixa dois para o PT nas eleições de 2010.
Relator das ações remanescentes da Lava Jato no STF, Fachin entendeu que a 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, responsável pela condenação, não tinha competência para processar e julgar o caso. Na avaliação do ministro, o processo deveria ter tramitado na Justiça Eleitoral do Distrito Federal.
Com a decisão, todas as decisões tomadas na ação penal, desde o recebimento da denúncia até a sentença, foram anuladas. O processo deverá ser retomado do início na esfera eleitoral.
Assim como Delúbio Soares, Vaccari tem atuado nos bastidores do partido com vistas às eleições deste ano.