A prefeitura de Recife decidiu cancelar a nomeação do filho de uma procuradora do Tribunal de Contas do Estado para o cargo de procurador do município, com salário de cerca de R$ 30 mil, após repercussão negativa do caso. Como revelou o Estadão, o candidato ficou em 63.º lugar no concurso, mas apresentou posteriormente laudo médico com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e pediu para ser incluído na lista PCD. Outro candidato que havia se classificado para a única vaga de PCD e aguardava nomeação, mas perdeu o lugar, entrou com recurso.
A nova decisão foi publicada em edição extra do Diário Oficial nesta quarta-feira, 31. A portaria é assinada pelo prefeito João Campos (PSB).
No último dia 23, o prefeito havia assinado a nomeação de Lucas Vieira Silva com base no laudo médico apresentado três anos após o concurso, realizado em 2022. Silva participou do certame como concorrente geral, sem declarar a condição de PCD, e ficou em 63.º lugar. A medida, agora revista, preteriu o candidato Marko Venício dos Santos Batista, que havia se classificado para a única vaga PCD.
Além de ser filho da procuradora de contas do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) Maria Nilda Silva, o candidato que havia sido nomeado procurador é filho do juiz Rildo Vieira da Silva, segundo titular da Vara Regional de Crimes Contra a Administração Pública, Ordem Tributária, Lavagem de Dinheiro e de Delitos de Organizações Criminosas do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE) na capital.
Assim como a procuradora do TCE, que tem entre as suas atribuições a análise dos atos praticados pelos gestores públicos, a Vara na qual o juiz Rildo está lotado apura crimes contra a administração pública e investiga denúncias contra prefeitos, inclusive o da capital.
Revisão após análise de recurso
A Procuradoria Geral do Município do Recife (PGM-Recife) diz que decidiu acatar pedido de reconsideração apresentado, na última terça-feira, 29, em procedimento relacionado à lista de Pessoas com Deficiência (PCD) do concurso público para o cargo de Procurador do Município. A medida ocorre após a análise de recurso administrativo acerca da classificação dos candidatos.
O episódio teve início após a solicitação de inclusão do candidato Lucas Vieira Silva na lista de PCD, fundamentada em diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), comprovado posteriormente à inscrição no certame, por laudo emitido no Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região.
Na ocasião, segundo nota divulgada pela prefeitura, a PGM reconheceu a legitimidade do pedido, resultando na republicação do resultado final e na reclassificação dos inscritos, o que afetou a posição do candidato e autor do recurso Marko Venício dos Santos Batista - que possui deficiência física.
A decisão causou forte reação da Associação dos Procuradores do Município do Recife (APMR), que divulgou nota pública manifestando "formal oposição à modificação do resultado final do concurso público para o cargo de Procurador do Município do Recife". Segundo a entidade, o resultado do certame foi regularmente homologado no ano de 2023, mas houve nova publicação em dezembro de 2025, com alteração da lista final de candidatos aprovados.
A associação afirma que o candidato reclassificado somente apresentou pedido administrativo de alteração do resultado no ano de 2025. "A alteração posterior da lista de classificação afronta diretamente os princípios da segurança jurídica, da isonomia entre os candidatos, da proteção da confiança legítima e da vinculação ao edital", diz.
A Associação Nacional das Procuradoras e dos Procuradores Municipais (ANPM) também divulgou nota manifestando "preocupação" com o caso. Disse ainda que "entende imprescindível que seja suspensa a posse e o exercício do candidato recentemente nomeado, até que as circunstâncias da alteração do resultado do concurso sejam esclarecidas com máxima transparência".
'Complexidade jurídica'
A Procuradoria-Geral de Recife afirma que reformulou o ato administrativo anterior diante do pedido de reconsideração apresentado por Marko Benício e da complexidade jurídica que envolve o caso. "A decisão se fundamenta nos artigos 20 a 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que orientam a administração pública a considerar as consequências práticas das decisões e a necessidade de preservar a estabilidade dos atos enquanto houver incerteza jurídica", diz.
Foi deliberado tornar sem efeito a republicação da homologação que alterou a ordem classificatória e restabelecer o resultado originalmente publicado, "até que a controvérsia seja definitivamente solucionada pela via judicial". Segundo a PGM-Recife, a medida não representa negativa de direitos nem prejulgamento do mérito da condição de PCD do candidato, mas sim uma ação cautelar para evitar danos administrativos e assegurar segurança jurídica ao processo.
O TCE-PE informou que não há qualquer demanda em relação à Corte no caso em questão. O Estadão entrou em contato com o TJPE e aguarda retorno. A reportagem também procurou Maria Nilda Silva e o juiz Rildo Vieira, pais do candidato nomeado, que ainda não deram retorno.