Projeto tem método inédito no Brasil para socorrer pessoas com deficiência em eventos climáticos extremos

Em entrevista ao blog Vencer Limites (Estadão) e à coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado (episódio 209), a socióloga Marta Almeida Gil, idealizadora e coordenadora da iniciativa, explica detalhes da ação direcionada a organizações de assistência humanitária e da sociedade, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, brigadistas, conselhos de direitos da população com deficiência e voluntários. "No Brasil e no exterior, são eventos cada vez mais intensos e frequentes, secas, enchentes, incêndios, desmor

23 set 2025 - 07h31
Foto: Divulgação. / Estadão

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Foto: Divulgação. / Estadão

Eventos climáticos mais intensos no Brasil, como as recentes enchentes na costa do Rio Grande do Sul, os deslizamentos no litoral norte de São Paulo e os incêndios no Cerrado e no Pantanal, ampliam o perigo para pessoas com deficiência, mas o atendimento a essa população exige conhecimento direcionado e equipamentos específicos que, habitualmente, não fazem parte da estrutura oferecida por autoridades responsáveis pelo socorro nessas catástrofes. Segundo um estudo de 2023 da Organização Pan-Americana de Saúde, pessoas com deficiência têm quatro vezes mais chances de morrer no caso de um evento climático extremo.

Esse cenário cada vez mais frequente e preocupante motivou a criação do projeto 'Resgate Inclusivo: Pessoas com Deficiência e Eventos Climáticos Extremos', lançado oficialmente na última quinta-feira, 18, em transmissão online (assista a íntegra).

"Estudos feitos no Brasil e no exterior mostram que esses eventos estão se tornando cada vez mais intensos e mais frequentes. Secas, enchentes, incêndios, desmoronamentos de encostas e barrancos, por exemplo, que atingem todas as pessoas, porém, há grupos que são atingidos mais fortemente, porque são mais vulnerabilizados pela sociedade. Estamos falando de pessoas com deficiência, quilombolas, populações ribeirinhas, populações do campo e da floresta, ciganos, enfim, gente marginalizada pela sociedade", diz a socióloga Marta Almeida Gil, coordenadora executiva do Amankay - Instituto de Estudos e Pesquisas, idealizadora e organizadora do 'Resgate Inclusivo'.

Fazem parte da equipe Rita Mendonça (coordenadora adjunta), presidenta do IGI - Instituto Guerreiros da Inclusão; Joelson Dias (consultor de legislação), do IDECON - Instituto de Estudos Jurídicos e Diálogos Constitucionais; Ciça Cordeiro (coordenadora de comunicação) e Giulia Jesus (comunicação); Êmilly Oliveira (legislação), advogada do escritório Barbosa & Dias; Tuca Munhoz (articulação institucional), coordenador geral da UP Brasil, e Carolina Domingos (administração financeira), do Instituto Rumo Inclusão.

Em entrevista ao blog Vencer Limites (Estadão) e à coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado (Rádio Eldorado FM 107,3 FM), a socióloga detalha a proposta.

blog Vencer Limites - Qual é a estrutura do projeto e como vai funcionar?

Marta Almeida Gil - São duas vertentes. A principal é sobre os desastres ou os eventos climáticos, com várias etapas.

Comunicação, para alertar a população e criar uma atitude de prevenção, divulgar informações. Uma comunicação acessível para pessoas com vários tipos de deficiência e que também esteja em linguagem simples, que é um direito e também é uma forma de acessibilidade. A mídia é fundamental e a internet é uma aliada essencial. Já estamos produzindo conteúdo informativo, com perfis no Linkedin e no Instagram. E estamos trabalhando na construção de um website.

Preparação, que envolve órgãos públicos, entidades particulares, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, grupos de trilheiros, de jipeiros - muitas cidades têm esses grupos, que geralmente participam voluntariamente e com muito boa vontade -, organizações humanitárias, como Cruz Vermelha e Médicos Sem Fronteiras. Também as igrejas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, elas abriram as portas para desabrigados.

Pós-resgate. Sabemos por depoimentos, principalmente do Rio Grande do Sul, que depois da tempestade, da enchente, tudo volta "ao normal", mas algumas pessoas se recusam a sair dos abrigos porque elas não sabem o que vão encontrar lá na casa ou do lado de fora. Se a casa delas ainda existe, se foi derrubada, o que aconteceu com o seu local de trabalho, como estão as escolas. Algumas cidades pequenas do interior do Rio Grande do Sul, por exemplo, estão sendo reconstruídas em outros locais mais seguros.

É preciso pensar na parte emocional porque uma é experiência muito forte, muito pesada. Tivemos muito recentemente a pandemia de covid-19, que nos deixou em casa durante dois anos. Ainda estamos nos recuperando. As escolas perceberam que seus alunos perderam muito porque ficaram em casa. Então, essa situação do pós-resgate é muito importante e demanda atenção também. Tenho amigos no Rio Grande do Sul que, uma ou duas vezes por semana, participam de rodas de conversa para escutar pessoas com deficiência e sem deficiência que passaram por esse extremo. Elas precisam desabafar, processar essa sensação de desamparo. Eles dizem que, quando começa a ameaçar uma chuva, as pessoas ficam muito inquietas porque têm medo de que venha novamente outra catástrofe tão forte como a do ano passado.

blog Vencer Limites - Há um eixo principal de atuação?

Marta Almeida Gil - O coração do projeto é criar, desenvolver, monitorar e avaliar a metodologia de ação, com a capacitação de multiplicadores, porque esse País é enorme, são muitos eventos, é importante ter pessoas preparadas nos locais, nos municípios, onde a situação se apresenta muito perigosa.

E o fornecimento de subsídios para formular políticas públicas. A legislação brasileira na área da inclusão de pessoas com deficiência é muito boa, muito forte. Temos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ambas pouco conhecidas, mas que têm artigos específicos sobre o direito das pessoas com deficiência à segurança, ao resgate e, em última instância, o direito à vida.

blog Vencer Limites - Também contempla áreas urbanas?

Marta Almeida Gil - Também. Muitas vezes, há necessidade de resgate, mas não devido a eventos climáticos. Por exemplo, se um trem do metrô tem uma pane mecânica e para dentro de um túnel ou na linha, se há pessoas com deficiência no vagão, como elas são retiradas de lá? O pessoal do metrô está preparado? Temos algumas dúvidas sobre isso. No caso de uma queda de barranco, que acontece nas áreas periféricas, onde as construções são muito precárias, também é preciso que sejam resgatadas. Calçadas mal feitas, com buraco, às vezes inexistência de calçadas, podem ser um problema sério de segurança. Então, a área urbana também oferece muitos riscos para pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida, idosos, criança pequena, pessoas que, eventualmente, estejam com o pé engessado ou torcido, alguma questão de mobilidade temporária.

blog Vencer Limites - É uma proposta inédita no mundo?

Marta Almeida Gil - Até onde sabemos, esse é um projeto inédito aqui no Brasil, com essa gama tão ampla de ações e de objetivos.

blog Vencer Limites - Acessibilidade também é um eixo?

Marta Almeida Gil - Nossa comunicação utiliza linguagem simples, Libras e audiodescrição. Pessoas com deficiência precisam ser orientadas e saber o que fazer, mas nesses momentos são invisibilizadas. O resgate geralmente não está preparado para atendê-las e para salvá-las. No Rio Grande do Sul, de novo, foi o exemplo que eu acompanhei mais de perto, a sociedade civil, voluntários e mesmo pessoas com deficiência, entidades de pessoas com deficiência, tiveram papel importante no resgate e no acolhimento. Foi preciso preparar abrigos muito rapidamente e as pessoas não conheciam a acessibilidade. Então, para dar outro exemplo de falta de acessibilidade nos abrigos, os colchões eram colocados no chão. Para uma pessoa com uma deficiência física, cadeirante ou outra condição, precisava de ajuda para se deitar e para se levantar, banheiros não eram adaptados. Daí a importância da prevenção e da informação que gera ação de defesa de vida. São direitos.

blog Vencer Limites - Poderá haver cobrança direta a quem tiver interesse em implementar um treinamento?

Marta Almeida Gil - Acredito que funcionaria, sim. Amancay é uma ong e tem parceria com o Instituto Guerreiros da Inclusão, sede em Maceió (AL), e com o IDECOM. Passamos um bom tempo estudando o assunto, porque é inédito. Pegamos material do exterior, dos Estados Unidos, da Europa e das agências da ONU. Estamos na parte de captação e contatos. Isso significa oferecer e vender serviços, tanto para empresas como para governos e órgãos do governo.

blog Vencer Limites - Existe prioridade à população com deficiência vulnerabilizada?

Marta Almeida Gil - O Brasil não tem essa cultura. Por isso, a informação é super importante, falar sobre isso e alertar as pessoas.

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