Começo o texto deixando bem estabelecido que não tenho o menor interesse em invalidar o sentimento de ninguém, tampouco em dizer com quem cada um deve ou não se relacionar. Minha intenção é fazer com que algumas pessoas entendam, de maneira rápida, um pouco sobre a problemática por trás desse termo que, hoje, virou motivo de brincadeira e brigas nas redes sociais. Também acredito que questões como essa não devam ter prioridade no debate racial, porém, é importante trazer uma explicação para quem acha que o termo não tem nenhuma construção válida.
Não existe gosto aleatório, sobretudo quando esse suposto gosto é voltado apenas para um estereótipo, em meio a tantos. Gosto é uma construção social. Homens têm restrição a mulheres que usufruem da sua liberdade sexual não por uma questão de gosto, mas sim por uma cultura judaico-cristã que construiu na sociedade a ideia de que mulheres que fazem sexo têm menor valor. O mesmo vale para quem pensa que cabelo liso, olhos claros e tez branca são o suprassumo do belo.
A escravização africana deixou o negro, durante muito tempo, no local de subjugado. Não que isso tenha mudado tanto. Logo, tudo que vinha do negro era rejeitado pela sociedade: religião, dança, música, culinária, entre outras coisas, sempre eram ditas como menores, inferiores ou, mantendo a lógica cristã, diabólicas. Isso se estendeu também à cor da pele, ao tipo de cabelo e aos traços faciais. A ideia da sociedade brasileira sobre o negro foi construída sob o olhar da escravidão, que subjugava o negro e via nele nada além de mão de obra e reprodutor. Por outro lado, todos os ricos eram brancos, todos os tidos como inteligentes eram brancos, e a burguesia, ou monarquia, também era toda branca e majoritariamente portuguesa. Assim, o ideal branco de feição foi forjado.
Essa percepção mudou muito pouco ao longo dos anos. Até porque a maioria dos pobres segue sendo negra, assim como a burguesia segue sendo branca, e dinheiro é um fator determinante para se pensar nessas construções. Outro ponto é que a Lei Áurea não só deixou pessoas negras ao relento, como também as perseguiu e encarcerou, enquanto o, agora, estado brasileiro, importava pessoas brancas da Europa, dando-lhes terras, animais, ração e ferramentas para que ocupassem as terras, produzissem e, o mais importante, ajudassem a "embranquecer" a população brasileira.
Em todo o tempo de Brasil, a população negra foi tida como marginal, e isso se refletiu também nas afetividades. Essas construções ganharam ainda mais força com os meios de massa, os produtos da cultura industrial e a cibercultura. Esse ideal branco foi construído de maneira tão sólida na nossa sociedade que as pessoas negras passaram a se odiar. Odiavam seu cabelo, sua cor, seu rosto e sua ancestralidade. O próprio negro passou a se rejeitar e começou a buscar o branco como objetivo de vida. Ou seja, pessoas negras aceitavam comportamentos de pessoas brancas para se manterem em relações. Pensavam, inclusive, em ter filhos com essas pessoas brancas para embranquecerem a prole. Em dado momento, em que pessoas negras começaram a, mesmo que timidamente, juntar algum dinheiro, o branco seguiu sendo a escolha principal.
Nessa busca pelo branco, o dinheiro foi uma ferramenta muito importante, sobretudo para homens que, dentro da lógica machista, foram os primeiros a terem acesso a uma quantia considerável. Muitas vezes, esses homens vinham de baixo com uma companheira negra e, ao ascenderem, principalmente por intermédio do esporte ou da música, abandonavam as suas mulheres, que estavam com eles desde o início da caminhada, trocando-as por mulheres brancas que, muitas vezes, não faziam nem um terço do que essas mulheres negras faziam e aturavam. Condutas como essas, repetidas milhares de vezes, pavimentam a lógica da palmitagem.
Palmitar ou não é uma opção de cada um. Não é de bom tom dizer quem deve ficar com quem. Até porque uma relação afrocentrada não é garantia de felicidade. Contudo, não dá para negar que ainda existe muito preterimento de pessoas negras. Há, sim, uma melhora, mas ainda muito tímida. O branco ainda é visto como belo, bom e ideal, enquanto os negros só passam a ser cogitados afetivamente se seguirem uma longa lista de requisitos. Logo, o “problema” da palmitagem não é sobre o seu relacionamento especificamente, mas sobre como as construções sociais fazem com que a sociedade siga empurrando pessoas negras para um lugar de solidão e auto-ódio.