No dia 4 de outubro aconteceu uma partida entre o Batel Guarapuava e o Nacional-PR. Durante o jogo, o jogador Diego, do Batel, chamou o zagueiro Paulo Vitor, do Nacional, de macaco durante discussão dentro do campo. PV, como é conhecido, reagiu com um soco que, ao meu ver, infelizmente, não pegou como deveria, ainda assim Diego se jogou no chão, precisou de médico, ambulância. Fez todo uma cena visando a expulsão do Paulo Vitor, mas também, talvez, na tentativa de tirar o foco da fala racista que gerou a reação do PV. Ambos foram julgados pelo TJD-PR e quem proferiu a injúria racial, no caso Diego, ficará suspenso por sete jogos e terá que pagar míseros 2 mil reais, enquanto a vítima, Paulo Vitor, pegará dez jogos de suspensão. Vale ressaltar que Diego, em uma possível orientação jurídica, negou ter chamado Paulo Vitor de macaco e segundo ele a palavra dita foi malaco.
Muitas coisas horríveis já foram juridicamente aceitas. No período que a escravização africana era vigente no Brasil haviam várias leis que hoje em dia são impensáveis, mas a época eram vistas como coisas normais. Penso que decisões como essa do TJD do Paraná serão futuramente vistas dessa mesma forma por estudiosos do futebol. Não que hoje já não seja um absurdo e que não tenham pessoas salientando o quão injusto é essa pena, afinal em todas as épocas sempre houve pessoas apontando os impropérios, mas que no futuro as pessoas não irão entender como a lei era aplicada desse modo.
A justiça é o reflexo da nossa sociedade, até porquê quem aplica são membros inseridos e embebidos de todo preconceito do mundo que vivemos. Logo, neste período de transição lenta que vivemos onde a causa racial vem ganhando maior notoriedade, ainda existem pessoas ou grupos, dispostos a todo tempo frear esses avanço, muitas vezes usam e interpretam a lei ao seu bel-prazer, não de maneira irregular, porém de uma forma que deixa claro que tipo de atitude é mais tolerada do que a outra. Não sei se foi o caso do TJD do Paraná, mas observe que nas entrelinhas fica dito aos jogadores da liga a seguinte mensagem, “chamar o outro de macaco é menos pior do que o agredido reagir”. Logo, pode ser, que vire uma tática insultos racistas visando uma maior punição para a vítima.
O avanço da causa racial muitas vezes é combatida nesse local de que é algo menor. Negar a questão racial no Brasil tem sido cada vez mais complicado, então o que transparece é que há uma tentativa de mitigar a gravidade do racismo. É como se a vítima pudesse se chatear, mas ela tem um limite para aquilo e caso ela ultrapasse a sua punição passa a revitimizá-la e a coloca no lugar de ponderar e até compreender futuras violências. Já o agressor fica ainda mais tranquilo em ser racista pois conta exatamente com essa amenidade da reação balizada por decisões judiciais.
Essa decisão salienta também a importância de ter pessoas negras, sobretudo, com consciência racial, dentro desses órgãos julgadores. A ótica de uma pessoa branca jamais será a de uma pessoa negra. Não sei se foi o caso, mas branco que legisla para negros, homem que legisla para mulher, o hétero que legisla para o lgbtqia+, salve algumas exeções, sempre terá medo daquilo poder reverberar contra ele. Diminuir a importância e a gravidade do ato preconceituoso passa a ser em defesa própria, já que ele pode até se reconhecer tendo determinados comportamentos.
É de uma crueldade sem tamanho colocar a vítima no lugar de réu. E nesse caso em específico é capaz dele sofrer represália dentro do próprio elenco, já que a reação dele ao racista desfalcará o time por 10 jogos. Ou seja, Paulo Vitor teve que lidar com o racismo, está tendo que lidar com sua reação, foi revitimizado ao reagir a um crime e a todas essas nuances citadas acima. Não há possibilidade de vermos o futebol brasileiro sem racismo enquanto decisões como essa forem tomadas sem nenhuma crítica. No final da história, mais uma vez, quem venceu foi o racismo.