Patrocínio

Indigenista desaparecido pediu licença da Funai após ser exonerado por sub de Moro

No Vale do Javari desde 2010, Bruno Pereira era considerado por alguns colegas como o principal indigenista de sua geração

8 jun 2022 - 16h58
(atualizado às 17h37)

Desaparecido desde o último domingo, quando percorria uma região ao lado do Vale do Javari, o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira era, até outubro de 2019, o responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai) até ser substituído por um missionário evangélico com pouca experiência no assunto. Segundo antigos colegas, ele deixou o posto por "incompatibilidade" com o atual presidente da Funai, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, e com as diretrizes do governo de Jair Bolsonaro para a fundação. Representantes dos indigenistas dizem que, se Bruno continuasse atuando dentro da Funai, uma situação como a desta semana seria menos provável.

Imagem da campanha iniciada por ONGs cobrando empenho do governo federal nas buscas
Imagem da campanha iniciada por ONGs cobrando empenho do governo federal nas buscas
Foto: Divulgação

A exoneração foi assinada pelo então secretário-executivo de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, Luiz Pontel, e pelo presidente da Funai, o delegado Marcelo Augusto Xavier da Silva. Segundo colegas de Pereira, o ato foi o estopim para que ele pedisse licença do órgão. Procurado, Moro disse que não iria comentar. A Funai não respondeu aos questionamentos da reportagem até o momento.

Publicidade

No Vale do Javari desde 2010, Bruno Pereira era considerado por alguns colegas como o principal indigenista de sua geração. Entre 2015 e 2020 em especial, ele atuou no contato de comunidades isoladas dentro do território do Javari que entraram em choque com comunidades da etnia matis, contactada há décadas. A região reúne o maior número de comunidades isoladas do mundo.

A dispensa de Bruno Pereira do comando da Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato da Funai foi oficializada em portaria assinada pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Pontel
Foto:

A remoção do indigenista do posto ocorreu sem qualquer tipo de justificativa por parte da Funai. Para o lugar de Pereira foi nomeado um missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias, que ficou nove meses no cargo. Nesta quarta-feira, 8, a área na qual Pereira atuava passou por mais uma mudança: a Funai exonerou o servidor César Augusto Martinez, titular da Diretoria de Proteção Territorial da fundação, à qual a Coordenação de Indígenas Isolados está subordinada.

Foto: Estadão

Para o lugar dele foi nomeada outra servidora, Elisabete Ribeiro Alcântara Lopes, que atuava na presidência da Funai. No entanto, segundo indigenistas e a Funai, Martinez já tinha solicitado a saída do posto há meses, e a troca não tem relação com o desaparecimento de Pereira.

Pessoas próximas ao indigenista dizem que ele foi exonerado da coordenação que cuida dos indígenas isolados por "incompatibilidade" com o presidente da Funai, Marcelo Xavier, e com as diretrizes da gestão de Jair Bolsonaro para a fundação.

Publicidade

No período entre a saída de Atalaia do Norte e a vinda para Brasília, Bruno Pereira se especializou nas técnicas usadas durante as incursões na mata. Passou uma temporada com o indigenista Rieli Franciscato, considerado um dos principais da área no País e morto em setembro de 2020 por uma flechada de indígenas isolados em Rondônia.

A indigenista Priscila Colodetti é a atual diretora executiva da INA - Indigenistas Associados, entidade que representa os servidores da Funai. Segundo ela, a remoção de Pereira e a nomeação de um missionário evangélico para a coordenação "demonstra o interesse deste governo de que as terras dos isolados fossem abertas para os missionários religiosos".

"O Bruno, para poder continuar o trabalho correto em defesa dos indígenas, teve de se licenciar da Funai e buscar outras formas de trabalhar. Ele estava fazendo (ao desaparecer) um trabalho que o Estado brasileiro parou de fazer", disse ela ao Estadão. "Se ele continuasse na Funai, atuando com o apoio da Força Nacional e do Exército, e se as ações de vigilância estivessem sendo feitas na área; se ainda existisse uma política para os povos isolados e de recente contato, pode ser que a situação fosse outra."

Bruno Pereira está desaparecido junto com o jornalista britânico Dom Phillips desde a manhã de domingo, dia 05. Apenas na manhã desta terça-feira, dia 07, o Comando Militar da Amazônia, do Exército, e a Marinha mobilizaram aeronaves para intensificar a busca pelos dois desaparecidos. Os dois sumiram durante uma viagem de barco entre a comunidade ribeirinha de São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte. Como mostrou o Estadão, Pereira foi mencionado em um bilhete apócrifo com ameaças, escrito por pescadores ilegais que atuavam na área e dirigido à entidade para a qual o indigenista trabalhava.

Publicidade
O bilhete anônimo surgiu há cerca de um mês e meio e foi endereçado ao advogado Eliesio Marubo, um dos coordenadores da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja)
Foto:
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações