Audiência pública no Senado discute mudanças propostas pela Anac à Resolução 280/2013, consideradas discriminatórias por pessoas com deficiência, que denunciam práticas capacitistas das companhias aéreas e pedem mais inclusão e respeito aos seus direitos.
"Desde que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) colocou em consulta pública, no início desse ano, uma proposta de novo texto para atualizar a Resolução 280 de 2013, os cidadãos com deficiência, inclusive eu, ficamos preocupados com o impacto dessas alterações. A resolução define quem são e quais são os direitos dos chamados PNAE, que são os passageiros com necessidade de assistência especial, como pessoas com deficiência, idosos, gestantes, pessoas com mobilidade reduzida, tudo isso no transporte aéreo. Duas das mudanças propostas chamaram mais atenção porque alteravam justamente o conceito de quem seriam esses passageiros e traziam a permissão para que a empresa aérea pudesse decidir de maneira unilateral os critérios de autonomia e independência da pessoa com deficiência ao viajar desacompanhada. Na semana passada, realizamos uma audiência pública no Senado e pudemos ouvir as aflições e relatos bastante graves de passageiros com deficiência sobre os destinos, sobre os desafios, as lacunas e, algumas vezes, o descaso no atendimento das companhias. Eu mesma já fui vítima por tantas vezes dessas violações de direitos em voos, já perderam minhas cadeiras de rodas, me deixaram horas sentada no avião esperando um Ambulift ou a minha cadeira perdida. E algumas pessoas já foram impedidas de embarcar, foram constrangidas por equipes de terra ou de bordo que deveriam ajudar, ou tiveram seu desembarque atrasado e dificultado. Recebemos denúncias de falta de treinamento, falta de capacitação, falta de convivência com as necessidades individuais dos passageiros, e também de falta de empatia. A Anac e o setor aéreo defendem que a revisão da norma é voltada à acessibilidade e segurança operacional, mas nós que vivemos na pele as barreiras físicas e atitudinais queremos ser ouvidos em nossas necessidades e sugestões, porque inclusão é direito e não queremos mais sermos vistos como um problema a ser resolvido, a ser evitado".
A declaração, exclusiva para o blog Vencer Limites (Estadão) e a coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado (Rádio Eldorado FM 107,3 SP), da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), reforça o sentimento de muitas pessoas com deficiência submetidas a práticas capacititas e até agressivas por parte das companhias aéreas no País, dentro dos aviões ou mesmo antes do embarque. E a audiência pública no Senado feita na semana passada a pedido da parlamentar mostrou que a proposta avança.
Questionada sobre as discussões, os relatos e as insatisfações generalizadas a respeito da proposta, a Anac respondeu em nota. "A proposta de revisão da Resolução ANAC nº 280/2013 continua em elaboração, com as contribuições e as sugestões recebidas em fase de análise. Cabe pontuar que a Anac segue participando ativamente dos debates sobre a questão. A Agência esteve presente na própria audiência de 11 de novembro realizada no Congresso, em que a Agência reiterou seu compromisso com a acessibilidade perante os parlamentares e participantes do debate. A Agência enfatiza ainda que o processo normativo da Anac busca exatamente sopesar as demandas e as necessidades da sociedade perante as regras estabelecidas, de forma a garantir uma regulamentação inclusiva e facilitar o acesso dos cidadãos brasileiros à aviação".
O argumento da "segurança", apresentado pela agência e as companhias, não está explicado, porque dentro dos aviões, pessoas com deficiência, principalmnte quem tem mobilidade limitada e usa equipamento específico, têm sido tratadas como um mala sem dono, um saco de carga não identificada, que precisa ser remanejado para não atrapalhar a equipe de bordo e outros passageiros.
Não há sentido, por exemplo, em colocar gente paraplégica, tetraplégica, usuária de respirador, em poltrona no meio da aeronave, carregar esse passageiro entre as cadeiras, ao invés de usar a primeira fileira, onde há bastante espaço para movimentação, afirmar que essa pessoa coloca todos em rico e impedir qualquer argumentação por parte da pessoa com deficiência, que é obrigada a aceitar calada a situação, sob o risco de ser retidada do avião pela polícia federal e ainda ser 'fichada' e identificada como agressiva e de comportamento inapropriado.
A proposta da Anac é capacitista, discriminatória, uma afronta à civilidade do povo com deficiência, contraria a Lei Brasileira de Inclusão e a Constituição Federal. Certamente, haverá judicialização, indivíduos e instituições vão ajuizar ações contra as empresas e a própria Anac, o que vai complicar ainda mais a situação.