Sempre compro carros de modo racional, talvez porque eu já tenha acesso a uma boa dose de automóveis “emocionais” durante os testes que realizo há mais de duas décadas. Ainda assim, confesso que alguns me deixam tentados a querer uma relação que dure mais do que uma semana. O GWM Tank 300 certamente é um deles.
O chinês atrai logo à primeira vista com suas imponentes linhas de SUV, que podem não ser exatamente originais, pois lembram bastante o maior alvo e rival, o Jeep Wrangler, vendido por R$ 499.990. Detalhe: o americano tem motor 2.0 turbo a gasolina de 272 cv e 400 Nm, enquanto a novidade também tem um 2.0 turbo, com o mesmo torque e menor cavalaria (163 cv), mas que conta com a ajuda de um motor elétrico, somando quase o dobro de potência e do torque: 394 cv e 750 Nm.
Mas esse jipe/SUV "raiz" chinês me conquistou mesmo – e também à minha família – ao longo de quase 600 quilômetros rodados entre a selva de pedra em São Paulo e a Mata Atlântica de Ubatuba, no litoral norte do estado – o que incluiu a temida rodovia Oswaldo Cruz, a famosa “serra de Ubatuba”, que cruza a Serra do Mar.
Aventura urbana
Antes de falar mais sobre a viagem, devo dizer que o Tank 300 se saiu muito bem no ambiente urbano, que não é exatamente seu habitat – se bem que, considerando a qualidade média do asfalto brasileiro, os enormes pneus 265/60 R18 evitam preocupações com os buracos, os 22,2 cm de vão livre do solo e os ângulos de ataque de 32º e de saída de 33º impedem raspadas nas deformadas valetas e a capacidade de superar alagamentos de 70 cm de profundidade pode salvar em situações extremas.
Outra vantagem, tão procurada nos SUVs urbanos (também chamados de SUVs urbanos ou de shopping), é a posição de dirigir elevada – e de verdade, muito acima da média deles, garantido uma visão de fato bem privilegiada do trânsito adiante.
Além disso, não deixa de ser curioso circular pela cidade em um jipão imponente como o Tank 300, com 4,76 metros de comprimento, 1,93 m de largura e 1,90 m de altura, sem emitir qualquer ruído – exceto um discreto alerta para pedestres.
Carregando diariamente e rodando não mais do que 75 a 100 quilômetros entre recargas, você pode passar a vida sem precisar do motor a combustão, sem emitir ruídos ou poluentes. Mas vale notar que isso representa cerca de 3 km/kWh, o que equivale a cerca de R$ 2 para rodar seis quilômetros (carregando em casa), quando um jipão equivalente gastaria facilmente quase dois litros de gasolina para percorrer a mesma distância (o que representa mais que o triplo do custo).
Também testei o modo híbrido na cidade, para simular uma situação em que a recarga constante não seja viável. Em percursos como os 16 quilômetros entre a GWM e a minha casa, fiz 28 km/l de média. Mas vale observar que gastei também 10% da bateria, ou 3,79 kWh, o que representa cerca de 4,5 km/kWh mais meio litro de combustível (total de R$ 9,50). Um jipão equivalente só a gasolina gastaria mais que o dobro.
Lama com luxo
Embora pertença a um nicho de mercado que costuma prezar pela capacidade off-road e ter interior espartano por razões econômicas – ou para permitir uma lavagem completa da cabine por dentro, a do Tank 300 lembra mais a do luxuoso Classe G. Assim como ele, é um veículo todo terreno que não abre mão de luxo e de conforto.
Muito espaçoso graças ao ótimo entre-eixos, o Tank 300 ainda tem acabamento impecável e uma lista de equipamentos quase interminável: tem quase tudo disponível no mercado, de sistema de GPS nativo a teto solar com cortina manual, de sistemas ADAS completos (volto a eles) e câmeras 360º a comandos de voz para controlar funções do carro – de Android Auto e Apple CarPlay a iluminação em LEDs multicoloridos. Senti falta só de tomadas AC 110V, para quem gosta de acampar.
Além de a posição de dirigir ser altíssima – é preciso usar o estribo para subir no carro –, ela é extremamente confortável, graças aos bancos enormes, que ainda podem ser aquecidos ou ventilados, têm ajuste elétrico (motorista e passageiro) e se movimentam automaticamente para facilitar entrada e saída do motorista.
Quem viaja atrás também tem saídas de ar dedicadas, tomadas USB, espaço generoso para as pernas, e, como a cabine é bem larga e o assoalho é plano, o quinto ocupante viaja com mais conforto que a média (mas o assoalho, como é comum em modelos sobre chassi, é um pouco alto demais).
Sendo da mesma GWM que faz o Haval H6, os comandos do Tank 300 são surpreendentemente fáceis. Aqui há botão de volume, e nada de os comandos estarem todos escondidos em submenus na tela central. Ainda que haja essa opção, e funções menos usadas exijam usá-la, a maioria dos comandos essenciais – ligar o ar, aumentar a diminuir a temperatura, recirculação, modos de condução, tração, etc. – são facilmente acessadas por comandos físicos redundantes, com deve ser.
Outro ponto positivo é que o Tank 300 Também foge da tendência adotada por quase todas as marcas chinesas (e copiada por algumas ocidentais): tem um painel de um tamanho decente e bastante completo diante do motorista e uma tela central que não é desproporcionalmente exagerada, simplesmente por ser.
Tudo é elegante e proporcional, os comandos no volante são numerosos e também fáceis de usar, e os ajustes de todas as dezenas de funções off-road são feitos por botões no largo console central, junto da bela alavanca de câmbio e dos controles do freio de estacionamento e do auto-hold.
Por fim, para quem se interessa, o Tank 300 tem um pacote de ADAS bastante completo: é capaz até de fazer balizas totalmente sozinho, dirigir de modo autônomo na estrada (é preciso manter as mãos no volante) e ainda tem alertas todos os tipos, incluindo de abertura das portas na hora da saída do carro (pisca os LEDs da porta e emite um sinal sonoro), de colisão (traseira e dianteira), de tráfego cruzado, mudança de faixa, pedestres, bicicletas… mas ajuste bem o que lhe interessa, porque os “bipes” podem ficar excessivos.
De defeitos, o mais irritante, sem dúvida, é a seta que não retorna sozinha, como no elétrico GWM Ora 03: depois de fazer uma manobra, a seta não desliga sozinha, e você tem que acioná-la cuidadosamente para o lado oposto para desligá-la – muitas vezes acaba acionando pro outro lado, deixando o motorista atrás de você maluco. Incomodam também os erros de tradução nos menus e o cinto de segurança do passageiro que, quando não utilizado, faz barulho (solução: manter o cinto sempre afivelado).
Além disso, o porta-malas tem fundo alto demais (porque a bateria fica abaixo dele), não tem tampa (deixando a bagagem exposta) e ainda tem abertura horizontal (por causa do estepe pendurado) e para o lado “errado” (exige bem mais espaço para abertura, o que pode ser ruim em vagas nas ruas). E ele pode até parecer pequeno, mas, até o teto, acomoda generosos 863 litros. Até a altura do encosto do banco traseiro, deve ter cerca de 500 litros, segundo meus cálculos/utilização média).
Nas estradas
Para testar o carro em mais condições e aproveitar uns dias na praia, segui com minha família para Ubatuba, em busca de estradas mais desafiadoras e também para fazer um teste de consumo em situações reais – já que os números oficiais do Inmetro para os PHEV, por questão de “quando se carrega”, não digam muito (18,4 a 18,7 km/l “equivalente” no modo 100% elétrico e 7,5 km/l na cidade e 7,7 km/l na estrada com a bateria vazia).
Na primeira estrada – a excelente Ayrton Senna – as impressões foram ótimas. Apesar de o Tank 300 ter suspensão traseira com eixo rígido e molas helicoidais, como a maioria das picapes, e pneus mistos, o rodar no asfalto se mostrou mais confortável do que o esperado (na dianteira, por outro lado, tem um sofisticado duplo A). Foram raras as vezes em que as crianças reclamam de solavancos.
Saí no modo híbrido e, a 120 km/h constantes, muitas vezes o motor a combustão desligava e o Tank seguia no modo elétrico – mas, na verdade, era até difícil notar o que de fato estava acontecendo, tamanha a sutileza da mudança entre os modos – e graças, também, ao sofisticado cancelamento de ruídos na cabine (surpreendeu principalmente na subida de serra, sem bateria, quando a mecânica foi mais exigida).
Como eu disse, são quase quase 400 cv e 800 Nm na soma dos motores, mas o Tank 300 pesa 2.630 quilos em ordem de marcha – ou seja, a mecânica precisa “empurrar” quase três toneladas. Ainda assim, o Tank 300 é surpreendente rápido em acelerações, com 0-100 km/h em 6,8 segundos e ultrapassagens sempre seguras, com as retomadas 80-120 km/h e 80-140 km/h ligeiras, apesar de certa hesitação do câmbio automático de nove marchas – mesmo quando optei por usar trocas manuais por aletas no volante.
Como todo híbrido plugável, na estrada e no modo híbrido, quanto menos se roda, melhor a média de consumo. Saí de casa com o tanque cheio e bateria a 93%, com o jipão prometendo 619 quilômetros de autonomia a gasolina e 96 de autonomia elétrica, somando um total de 715 quilômetros – o que seria mais do que suficiente para a viagem.
Nas primeiras duas horas de viagem e 187 quilômetros – com paradas em pedágios, trânsito e picos de 130 km/h, o Tank se aproveitou da bateria de 37,1 kWh e fez média de 10,9 km/l – mas também gastou 25 kWh, não se esqueça desse valor na conta. O próprio Tank faz a adaptação, e indicava no painel meia hora depois, após um trecho com algumas subidas e descidas, que a média dos últimos 100 quilômetros estava em “10,3 km/l + 13 kWh/100km = 7,3 km/l” (ainda melhor que um Wrangler só de gasolina).
Chegou a hora de descer a hiper-íngreme SP-125, a conhecida serra de Ubatuba ou “serra das calotas”: os freios esquentam tanto que as peças se soltam; centenas delas ficam abandonadas à beira da rodovia e muitos veículos ficam sem freios – principalmente por não saberem usar freio-motor (e na subida sempre há carros fervendo/quebrados).
Nessa hora, as aletas no volante foram úteis para selecionar marchas e aumentar o freio motor e a “regeneração” de energia. As primeiras curvas mostram que é bom não usar os 397 cv de uma vez. Apesar da dinâmica elogiável para um SUV, o Tank 300 ainda é um veículo altíssimo e que pesa quase três mil quilos. Não dá para chamar de esportivo, e, mesmo andando “na boa”, a pobre Stella, de 8 anos, passou mal.
Depois, sempre devagar como os demais veículos, e com trechos de para-e-anda, o consumo acabou não melhorando. Mesmo nas curvas tão fechadas onde os poucos ônibus autorizados a circular são obrigados a manobrar, o Tank 300 mostrou boa manobrabilidade, além de agradar pelo assistência elétrica ajustável e pela oscilação apenas moderada da carroceria nas curvas mais rápidas.
Após o fim da serra e alguns quilômetros de Rio-Santos, chegamos ao destino sem mais paradas, com um total de 243 quilômetros rodados e consumo médio de gasolina de 10,5 km/l, o que é ótimo para esse tipo de veículo – e ainda tínhamos dois terços da carga original da bateria (que começou a descida da serra com 29% e terminou com 32%).
Aqui, uma observação valiosa: se tivesse onde carregar no destino, eu poderia ter selecionado o modo EV antes da descida da serra para “esgotar” a bateria (o Tank 300 permite baixar até 15%) e melhorado bem a média. Mas, na pousada, infelizmente não rolava, e ninguém queria parar no eletroposto na ida. Íamos deixar a carga rápida (o Tank aceita até 50 kW DC) apenas para antes de voltar (já dei spoiler, também não rolou).
Verdadeiro fora de estrada
Embora o Tank 300 seja totalmente viável para o uso urbano e rodoviário, ele nasceu para bem mais que isso. Entra no restrito grupo dos citados Wrangler e Classe G, Troller T4, Suzuki Jimny e outros off-road brutos e extremamente valentes, com construção sobre chassis, como picaponas e, o mais importante, bloqueios mecânicos e independentes dos diferenciais central, dianteiro e traseiro.
Para completar, o chinês ainda tem uma parafernália eletrônica completa para uso fora de estrada, que inclui seletor de terreno, modo de condução autônoma off-road, assistente de descidas e até um modo “especialista em 4x4”, que permite configurar e visualizar a atuação de todos os sistemas em tempo real.
Até procurei mais estradas de terra e dirigi na areia em algumas praias onde é permitido. Mas, com tempo firme (a chuva esperada não chegou) e sem um espaço especialmente preparado para desafiar um SUV desse calibre, infelizmente acabei não usando 10% da capacidade off-road do Tank 300.
Na areia fofa, onde a maioria dos veículos iria atolar, passei no 4x2 sem nem sentir. Cavei um pouco, só para testar, coloquei tudo no “auto” e ele imediatamente distribuiu a tração corretamente e saiu sem reclamar. Com reduzida, bloqueios, nove modos de direção e até mesmo “assistente de cruzeiro Inteligente off-road”, é difícil achar desafio para o Tank, que tem sido elogiado nos grupos de jipeiros.
Em estradas de terra e/ou areia esburacada, andar muito devagar fica um pouco desconfortável por causa do acerto da suspensão: é melhor adicionar um pouco mais de velocidade para o Tank “flutuar” pelos buracos, também sem reclamar. É um carro que gosta de ser “maltratado” (só feche o teto solar antes).
Manco "sem bateria"?
Depois de alguns dias e somado 314 quilômetros, a média caiu a 8,9 km/l – após as aventuras na areia e circulação entre praias, a maior parte do tempo com o ar-condicionado (eficiente) ligado. Ainda restava 32% de carga na bateria, e o plano era recarregá-la antes de subir a serra, o que levaria 25 minutos e evitaria que ela “acabasse” e o carro “ficasse manco sem bateria”, como dizem por aí.
Saí para a viagem de volta já no modo elétrico, pronto para carregar... Mas não é a primeira vez que tenho problemas com carregadores quebrados. Desta vez, o Shell estava “em manutenção”. Havia uma opção de carga lenta, mas quem vai esperar 6 horas para poder viajar? Feliz por não estarmos em um EV, partimos, mesmo “sem bateria”, para provar de vez que os internautas estão errados.
Comecei a subir a serra com 27% de bateria e segui com o carro lotado e sem dó, dirigindo como faria normalmente. A carga foi baixando, baixando, mas chegou a 11% e estabilizou. A partir daí, deu para perceber que o motor a gasolina passou a trabalhar mais “pesado”, mas ainda assim não chegou a fazer ruídos que incomodassem os ocupantes.
O mais importante é que o Tank 300 não ficou “manco” nem mesmo após acabar a parte mais radical da subida da serra, nas curvas mais abertas, quando tentei forçar a carga a ir abaixo dos 10%, dando várias esticadas além do limite permitido e razoável. O Tank subiu a serra bem e ainda continuou forte depois dela, sem se queixar. Chegando na Ayrton Senna e estabilizando em 120/130 km/h, ele foi carregando a bateria até 30%, aos poucos, como deixei nas preferências (sempre modo Auto e “save” de 30%).
No fim dos 592 quilômetros, a média total – sem nenhuma recarga – havia caído a ainda bons 8,2 km/l. Nada excepcional para um veículo híbrido, mas eu fiz o mesmo em uma viagem de Volkswagen Tiguan 4WD 2.0, e é um número ótimo para um jipe híbrido cujo equivalente a gasolina faria 5 ou 6 km/l. Ficou próxima do consumo oficial na situação “sem bateria” (7,7 km/l).
Mas é preciso frisar que foi uma situação excepcional. Se eu tivesse carregado na chegada, no destino e antes de voltar, se tivesse usado mais o modo elétrico, certamente teria economizado bem mais. O fato é que, para um carro “aspiracional”, capaz e divertido, além de carismático, luxuoso, grande e confortável, está ótimo – e, acima de tudo, ninguém sofreu de “ansiedade de autonomia” e dos atrasos e preocupações típicos de EV. E você ainda pode rodar de 75 a 100 quilômetros, seja no litoral, seja na cidade grande, silenciosa e economicamente, como se estivesse em um carro elétrico.
Enfim, o GWM Tank 300 é um jipão nascido para o off-road, extremamente alto e capaz, mas que é muito luxuoso e não decepciona na estrada e na cidade – nem nos leva à falência em viagens mais longas (se achar carregadores funcionando).
Se eu o compraria? A família aprovou e eu fecharia negócio agora, até porque o maior atrativo do Tank 300 é o preço: em vez de meio milhão, custa R$ 339.000. E pode até rolar um desconto na concessionária, pois uma versão atualizada está para chegar em breve. Será que ainda dá tempo de pedir para o Papai Noel?