Passaram-se três semanas da eliminação do Brasil na Copa do Mundo até a Gillette lançar uma campanha publicitária em que Neymar, principal garoto-propaganda da empresa, admite os exageros cometidos durante a disputa, desabafa sobre críticas e garante que aprendeu com os erros e mudou seu comportamento. Para concretizar a ideia, a empresa apostou no discurso de "um novo homem todo dia", indicando que desafios, lesões sofridas e a superação do camisa 10 da Seleção Brasileira servem como encorajamento para que outros homens também levantem e se tornem melhores aprendendo com seus erros. Entretanto, a repercussão foi negativa e abalou ainda mais a imagem do jogador perante a sociedade.
- Trava de chuteira na panturrilha, joelhada na coluna, pisão no pé. Você pode achar que eu exagero, e às vezes eu exagero mesmo. Mas a real é que eu sofro dentro de campo. Agora, na boa, você não imagina o que eu passo fora dele - disse o jogador em um trecho da campanha publicitária.O comercial de 1 minuto e 30 segundos foi exibido pela primeira vez no último domingo, no intervalo da revista eletrônica Fantástico, programa de grande audiência da TV Globo. Porém, menos de 24 horas após a veiculação da campanha, a Gillette, Neymar e a Agência Grey, idealizadora da ideia, já analisavam os reflexos da repercussão da estratégia, que surtiu um efeito contrário ao esperado pelas partes envolvidas. Além de criticas da imprensa sobre o jogador evitar entrevistas, há quem tenha entendido que o vídeo não passou de mais uma desculpa para que atleta tentasse se redimir com a torcida.
- Pela primeira vez, Neymar comentou as críticas de suas atuações na Copa do Mundo - fiel ao estilo em um vídeo patético feito pelo patrocinador - criticou duramente o jornal alemão Spiegel.
Valores contratuais
Apesar da repercussão negativa entre torcedores, Neymar garantiu um alto valor pela participação no comercial. Vinculado a Gillette desde 2015, o atacante renovou recentemente o acordo com a empresa pelo valor de US$ 7 milhões (cerca de R$ 26,2 milhões). Entretanto, segundo a
Folha de S. Paulo, o jogador faturou R$ 1 milhão só pela aparição na campanha veiculada neste domingo. O documento também prevê que Neymar receba US$ 7,1 milhões por dois anos de vínculo, US$ 250 mil (R$ 930 mil) por hora extra em eventos e US$ 500 mil (R$ 1,86 milhão) por dia de gravação não previsa no contrato.
Fora os extras, o acordo entre as partes determina que a empresa tenha quatro dias de gravação com o jogador no limite de quatro horas de duração, mais cinco diárias de uma hora para que o atleta marque presença em ações comerciais ou eventos. Também é necessário que a Gillette indique três maquiadores, cabeleireiros e estilistas para que o jogador aprove antes da realização das filmagens. Além disso, o craque deve conceder entrevistas a veículos de imprensa sempre que a empresa solicitar, desde que os jornalistas sejam aprovados pelo empresário e pai do atacante, Neymar da Silva Santos, e pela mãe, Nadine Gonçalves.
Especialistas opinam sobre 'O desabafo de Neymar'
Após a repercussão desfavorável, a Gillette e as demais partes envolvidas passaram a buscar maneiras de minimizar os efeitos negativos que podem ser gerados para a carreira do jogador e também para o nome das empresas. O ato, que estipulou a ideia de que todas as pessoas têm chance de se reerguer, apontando a superação do atacante, divide opiniões, mas há uma grande insistência na tecla de que a campanha também foi utilizada por Neymar com o intuito de melhorar sua própria imagem, desgastada na Copa da Rússia.
No entanto, com a recepção ruim, as empresas logo trataram de tentar desvincular a imagem do atacante no comercial como uma estratégia de valorização do mesmo, que inclusive participou da criação do texto narrado. Na visão do consultor em marketing esportivo, Ricardo Mathias, a repercussão da campanha gerou reflexos negativos para Neymar e para a própria marca de aparelhos de barbear.
- O comercial pode prejudicar a carreira do jogador pela forma como foi abordado. A imagem dele está desgastada com a opinião pública e isso é reflexo da atuação na Copa do Mundo. Obviamente se o Brasil tivesse vencido e o Neymar realizado uma boa campanha, a repercussão não seria a mesma. Mas como o resultado foi na contra-mão, isso afeta diretamente a relação com a Gillette, que como patrocinador poderia ter utilizado o jogador de outra forma. O esporte parte do princípio de que o atleta pode ser ídolo, mas se não há um bom investimento na imagem dele quando não vai bem e o jogador não cumpre a expectativa, é ruim para todas as partes.
Buscando a raiz do problema, o especialista em marketing esportivo, João Henrique Areias, explica que algumas declarações podem prejudicar os atletas que têm dificuldade para trabalhar sua imagem pública. Por conta do problema, é essencial que um profissional traduza no cotidiano a importância de o jogador ter responsabilidade sobre seus atos e falhas.
- Normalmente, os atletas não tem muito entendimento de como trabalhar sua imagem, por isso é necessário que estejam cercados de bons profissionais. Isso não quer dizer que o assessor ou profissional de marketing vai mudar a imagem e personalidade dele, quer dizer que ele será orientado da importância do papel que tem perante a sociedade, como exemplo para crianças e adultos. Então ele precisa saber as consequências dos próprios atos.
Outro fator que incomodou e rendeu inúmeras críticas de profissionais da imprensa se deu pelo jogador ter evitado conceder entrevistas oficiais durante o período entre a eliminação do Brasil na Copa da Rússia até a divulgação da campanha, no dia 29 de julho. A jornalista, consultora de imagem e especialista em influência digital, Dani Almeida aponta que a publicidade foi utilizada de maneira incorreta e deu a visão de um discurso falso emitido pelo jogador do Paris Saint-Germain.
- Pra começar, o timing foi errado. O fato de ele ter demorado tanto tempo pra se pronunciar e de ter feito dessa maneira não deu certo. O texto-desabafo (super bem escrito), com imagens heroicas ao fundo... Faltou o olho no olho. Nada melhor que um pedido de desculpas olho no olho. Se ele tivesse falado em uma coletiva de imprensa ou com a imprensa logo após a eliminação, por exemplo, esse efeito negativo sobre a imagem dele e a perda de popularidade como influenciador seria muito menor. Soou falso, principalmente pelo formato da propaganda.
Mas nem tudo está perdido. Apesar de Neymar estar passando por um período de crise, os especialistas consultados pelo LANCE! mostram como os efeitos negativos da atuação do jogador na Copa do Mundo e ampliados com a repercussão do comercial podem ser minimizados.
- Um ponto positivo seria o Neymar mostrar que aprendeu com a lição e ser mais profissional. Ele não precisa ser aquele jogador que simula e cava faltas o tempo todo, porque tem talento para jogar futebol - comentou João Carlos Areias - É necessária a criação de uma imagem institucional para o jogador. Ele precisa apostar em causas que realmente contribuam com a sociedade e melhorem a imagem dele, deixando um pouco de lado a publicidade. Ele poderia fazer coisas do bem para conseguir uma imagem positiva, como visitar hospitais e orfanatos, pode ajudar crianças abandonadas e refugiados que querem se firmar no futebol. Não deve ser algo forçado, porque as pessoas percebem que não é real.
Em contrapartida, Ricardo Mathias define que a melhor maneira de o jogador recuperar a confiança da torcida e voltar a passar uma imagem de seriedade é com a realização de um bom trabalho dentro de campo.
- A melhor forma de reduzir o problema é o Neymar mostrar trabalho em campo com jogos bonito, gols e títulos, além de entender que a expectativa em cima dele é muito grande, então qualquer coisa que repercute de forma negativa gera um impacto considerável por ser a maior personalidade esportiva do Brasil atualmente, algo que foi construído com a história dele no futebol, na relação com a mídia, com torcedores e fãs. Creio que este é o melhor instrumento a ser utilizado no momento.
*Sob a supervisão do editor Aigor Ojêda
