Copa do Mundo feminina no Brasil expõe contradição da CBF

Sediar o Mundial pode ser virada de chave para a modalidade no país, mas demanda revisão mais profunda na gestão do futebol

17 mai 2024 - 09h09
Presidente da Fifa anuncia que a próxima Copa feminina será sediada no Brasil
Presidente da Fifa anuncia que a próxima Copa feminina será sediada no Brasil
Foto: Fifa

Diferentemente da Copa do Mundo masculina, em 2014, que demandou alto investimento em infraestrutura e construção de estádios, o direito de sediar o Mundial feminino de 2027, conquistado pelo Brasil nesta sexta-feira, carrega a expectativa de deixar um legado realmente transformador para o esporte.

Com uma candidatura que prevê aproveitar toda a estrutura de dez anos atrás, o Brasil desbancou o consórcio triplo europeu, formado por Alemanha, Bélgica e Holanda, e foi escolhido pela Fifa como sede da próxima Copa feminina, a primeira da história que será realizada na América do Sul.

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O feito é importante não somente para o país, pelo potencial ecônomico do evento que tem crescido em proporção astronômica nas últimas edições, mas, principalmente, para o desenvolvimento do futebol feminino brasileiro, agora diante de uma enorme janela de oportunidades.

No entanto, há uma contradição exposta neste momento de celebração pela conquista. Grande fiadora da candidatura do Brasil, a CBF promete mais investimentos e representatividade na gestão do futebol feminino, mas, ao menos até aqui, as promessas do presidente Ednaldo Rodrigues têm se restringido mais ao discurso do que à prática.

São raras as mulheres em cargos executivos na confederação, como a ex-jogadora e gerente de competições femininas, Aline Pellegrino. Ao longo da história, somente duas mulheres (Emily Lima e Pia Sundhage) treinaram a seleção feminina de futebol, hoje dirigida por Arthur Elias.

Para piorar, os sinais de retrocesso na política de igualdade de gênero, adotada pela entidade somente em 2020, são alarmantes. Até então a única mulher na cúpula da CBF, a diretora de patrimônio, Luísa Rosa, foi demitida no ano passado e acabou processando a confederação por assédio moral e sexual. 

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A gestão de Ednaldo nega as acusações, enquanto, em outra batalha judicial, obteve ganho de causa em ação que coloca em xeque o suposto plano de promoção das mulheres. Alegando violação de direitos e garantias individuais, a CBF conseguiu permissão, no início do mês, para descumprir a Lei de Igualdade Salarial entre homens e mulheres.

Com a vitória na Justiça, a confederação deixa de ser obrigada a publicar um relatório semestral com a média salarial de seus empregados, mecanismo criado pela lei para fiscalizar se as empresas cumprem, de fato, a política de igualdade. Ao contrário do alegado pela CBF, não há necessidade de divulgar dados individualizados sobre a remuneração de cada funcionário.

Ou seja, além de não abrir espaço para mulheres em cargos de gestão, a CBF ainda se esforça para ser menos transparente na valorização prática das poucas que prestam serviço à entidade. Sem representatividade na liderança, as perspectivas de evolução se tornam tão desanimadoras quanto as promessas inefetivas de Ednaldo Rodrigues.

Sediar o Mundial pode ser a virada de chave definitiva para o futebol feminino no país, mas demanda uma revisão mais urgente e profunda na gestão. Assim como as políticas da CBF, a postura contraditória de celebrar o direito de receber a Copa e, ao mesmo tempo, tornar o ambiente que rege a modalidade cada vez menos acolhedor às mulheres também precisa mudar.

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Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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