Duas medidas regulatórias devem transformar o mercado de pagamentos no Brasil a partir de 2026. O decreto que limita taxas de vale-refeição e vale-alimentação e obriga aceitação em qualquer maquininha, somado à chegada do Pix parcelado regulamentado pelo Banco Central, prometem reduzir custos para estabelecimentos comerciais e ampliar opções para consumidores.
Dois movimentos regulatórios ganham corpo para entrar em vigor ao longo de 2026 no Brasil: o decreto que estabelece novas regras para vale-refeição e vale-alimentação, beneficiando 22 milhões de trabalhadores, e a regulamentação do Pix parcelado pelo Banco Central, que promete ampliar o acesso ao crédito para milhões de brasileiros sem cartão.
As mudanças acontecem num contexto de crescimento acelerado do Pix, que já movimentou R$ 85,5 trilhões até setembro de 2025 e reduziu em 35% o uso de dinheiro físico desde 2020. Especialistas apontam que a combinação dessas medidas pode redesenhar a estrutura de custos do varejo brasileiro e pressionar operadoras tradicionais a rever seus modelos de negócio.
O que muda com o decreto do vale-refeição
O decreto que moderniza o Programa de Alimentação do Trabalhador estabelece limites máximos para as taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais. A taxa MDR, cobrada dos comerciantes a cada transação, passa a ter teto de 3,6%. A tarifa de intercâmbio, que representa o custo entre bandeiras, fica limitada a 2%.
A medida também reduz o prazo de repasse dos valores pagos com os cartões para até 15 dias corridos, melhorando a previsibilidade do fluxo de caixa dos estabelecimentos. A mudança mais estrutural elimina a exclusividade entre bandeiras, isso significa que qualquer um pode usar cartão Alelo, Sodexo, Ticket ou qualquer outro em qualquer maquininha, mesmo que o restaurante não seja credenciado naquela bandeira específica
Restaurantes, supermercados e demais estabelecimentos que aceitam vale-refeição e vale-alimentação terão 90 dias para se adequar aos limites de taxas.O fim da restrição por bandeira, que deve estar completamente implementado ao longo de 2026, significa que estabelecimentos poderão atender qualquer trabalhador com vouchers, independentemente da empresa que fornece o benefício.
O decreto também proíbe práticas consideradas abusivas, como descontos indevidos ou vantagens financeiras que não estejam diretamente ligadas à alimentação.
Grandes operadoras como Alelo, Sodexo e VR, que atendem mais de 500 mil trabalhadores, terão de permitir que outras empresas processem os pagamentos de seus cartões em até 180 dias. A medida quebra o monopólio de cada bandeira sobre seu próprio sistema e aumenta a concorrência.
Pix parcelado chega em 2026 e altera dinâmica do crédito
O Banco Central confirmou que a regulamentação do Pix parcelado será divulgada ainda em novembro de 2025, mas a funcionalidade só estará disponível para a população e lojistas ao longo de 2026. A complexidade técnica da infraestrutura necessária motivou o adiamento em relação à previsão inicial de setembro de 2025.
A modalidade funcionará de maneira semelhante ao parcelamento no cartão de crédito, mas com diferenças importantes. O consumidor poderá comprar produtos ou serviços e pagar em parcelas, enquanto o lojista receberá o valor total à vista. O banco ou fintech responsável adiantará o pagamento ao comerciante e cobrará as parcelas do cliente, que podem ou não ter juros conforme a política da instituição.
Segundo o Banco Central, o Pix parcelado é voltado especialmente para os 60 milhões de brasileiros que não possuem cartão de crédito. A expectativa é que a medida estimule o uso do Pix em compras de maior valor, como eletrodomésticos e móveis, ampliando o acesso ao crédito para quem tem poucas opções no mercado.
Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, destacou durante evento sobre os cinco anos do Pix que a agenda evolutiva do sistema promete uma "revolução silenciosa" no mercado de crédito brasileiro. Além do Pix parcelado, estão previstas para o biênio 2026 e 2027 funcionalidades como Pix em garantia, voltado para estabelecimentos comerciais usarem recebíveis futuros como garantia em operações de crédito.
Como mudanças afetam pequenos negócios
Para estabelecimentos comerciais, a combinação das duas medidas pode representar redução significativa de custos operacionais. O limite de 3,6% para a taxa MDR nos cartões de vale-refeição e vale-alimentação alivia a pressão sobre as margens em um segmento tradicionalmente sensível a custos de intermediação financeira.
O recebimento mais rápido dos valores, com prazo máximo de 15 dias, melhora a gestão do fluxo de caixa e reduz a necessidade de capital de giro. A exclusividade plena entre bandeiras elimina a perda de clientes por incompatibilidade de sistemas, problema recorrente especialmente em pequenos estabelecimentos.
No caso do Pix parcelado, lojistas passam a receber à vista mesmo em vendas parceladas, diferentemente do que ocorre com cartões de crédito tradicionais, onde o repasse pode levar semanas. Segundo dados do Banco Central, comerciantes pagam em média 0,3% para receber via Pix, valor significativamente inferior aos 1,1% do débito e às taxas ainda mais altas do crédito parcelado.
Comerciantes que desejam comparar taxas e condições oferecidas por diferentes operadoras podem consultar ferramentas e sites especializados como o Maquininha Certa, que reúne informações atualizadas sobre custos e funcionalidades dos principais sistemas de pagamento disponíveis no mercado brasileiro.
Especialistas alertam para desafios da transição
Apesar dos benefícios esperados, a implementação das mudanças exige preparação. Estabelecimentos comerciais precisarão verificar se seus sistemas atuais de pagamento são compatíveis com a interoperabilidade plena ou se será necessário atualização de equipamentos. O prazo de 360 dias para adequação total permite planejamento, mas demanda atenção dos gestores.
A regulamentação do Pix parcelado traz questões sobre gestão de risco e prevenção ao superendividamento. O Banco Central sinalizou que pretende impedir a "rotativação" de empréstimos, evitando que clientes inadimplentes contratem novos parcelamentos, prática comum no mercado de cartões de crédito.
Para o setor de operadoras de cartões, as mudanças representam pressão adicional sobre modelos de negócio. A limitação de taxas nos cartões de vale-refeição e vale-alimentação pode impactar receitas, especialmente para empresas que dependem fortemente desse segmento. A chegada do Pix parcelado acirra a concorrência pelo parcelamento de compras, historicamente dominado pelo cartão de crédito.
Quando as novas regras do vale-refeição entram em vigor?
O decreto estabelece prazos diferentes conforme a mudança. Os limites de taxas devem ser implementados pelas empresas em até 90 dias. A interoperabilidade plena entre bandeiras, permitindo que qualquer cartão funcione em qualquer maquininha, deve estar completamente implementada em até 360 dias a partir da publicação do decreto. O prazo de repasse reduzido para até 15 dias também entra em vigor gradualmente ao longo de 2026.
O Pix parcelado terá taxa?
Sim. Diferentemente do Pix tradicional, que é gratuito para pessoas físicas, o Pix parcelado é uma modalidade de crédito e portanto terá juros. As taxas serão definidas por cada instituição financeira conforme sua política de crédito. A regulamentação do Banco Central exigirá transparência total nas condições, com informação clara sobre taxa de juros, valor de cada parcela, custo total da operação e possíveis multas em caso de atraso.
Preciso trocar minha maquininha para aceitar qualquer vale?
Depende do equipamento atual. A obrigatoriedade de interoperabilidade plena exige que as operadoras garantam compatibilidade entre todas as bandeiras. Na maioria dos casos, a atualização será feita remotamente pelas próprias operadoras, sem necessidade de troca física de equipamento. Estabelecimentos devem consultar suas operadoras sobre os procedimentos específicos de adequação e verificar se haverá necessidade de atualização de software ou hardware.
Como o Pix parcelado funciona para o lojista?
O lojista recebe o valor total da venda instantaneamente, como ocorre no Pix tradicional. A instituição financeira do comprador é responsável por adiantar o pagamento completo ao estabelecimento comercial e depois cobrar as parcelas do cliente. Isso representa vantagem em relação ao cartão de crédito tradicional, onde o repasse costuma ser parcelado ao longo de semanas ou meses. Para o comerciante, não há custo adicional além da taxa normal do Pix.
Todas as maquininhas aceitarão Pix parcelado?
O Pix parcelado não depende de maquininha específica. Assim como o Pix tradicional, a transação é processada via QR Code ou chave Pix pelo aplicativo do banco ou fintech do comprador. A diferença está na interface do aplicativo, que apresentará a opção de parcelamento no momento do pagamento. Lojistas que já aceitam Pix não precisarão de equipamento adicional para receber via Pix parcelado.