O Brasil enfrenta o desafio de adaptar suas cidades ao calor extremo, uma consequência direta das mudanças climáticas. Segundo Adalberto Maluf, secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, foi lançado na COP-30 o Mutirão contra o Calor Extremo, uma iniciativa que busca unir cerca de 200 cidades do mundo, incluindo quase 90 brasileiras, para avaliar os custos e os benefícios de medidas adaptativas. Quantificar o impacto econômico do estresse térmico no País, na opinião de Maluf, é importante para orientar políticas públicas.
O secretário também destacou a importância das Soluções Baseadas na Natureza (SBNs) para promover a resiliência urbana, como é o caso do Plano Nacional de Arborização Urbana (Planau), voltado a aumentar a cobertura vegetal nas cidades.
O secretário ainda abordou a questão do financiamento para adaptação climática, especialmente para municípios vulneráveis com capacidade de financiamento limitada, e a necessidade de superar barreiras técnicas que dificultam os investimentos em infraestrutura verde. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A seguradora Allianz estima perdas de 6% do PIB do Brasil até 2030 em razão do calor. O Ministério do Meio Ambiente tem estudos sobre o custo real desse estresse térmico para a economia brasileira?
Adalberto Maluf: Não temos um cálculo oficial finalizado, mas esse é o objetivo central do Mutirão contra o Calor Extremo, que lançamos na COP-30, na condição de copresidentes da coalizão de resfriamento da ONU. Reunimos cerca de 200 cidades do mundo, sendo quase 90 delas brasileiras, para fazer modelagens e entender o custo-benefício de soluções. Precisamos traduzir isso em custos, em dados, para subsidiar políticas públicas.
Quais são as soluções de resiliência urbana que estão sendo priorizadas para evitar os prejuízos econômicos, especialmente nas grandes cidades?
Adalberto Maluf: Estamos trabalhando muito a ideia do que significa a não-ação. O custo de não fazer nada aumenta as catástrofes. Por isso, apostamos nas Soluções Baseadas na Natureza (SBNs). Lançamos o Plano Nacional de Arborização Urbana (Planau), que criou a estratégia 3-30-300 (três árvores por rua, 30% de cobertura vegetal no bairro, 300 metros de distância de uma área verde), visando a universalizar essas metas.
Como o governo está removendo as barreiras técnicas para que prefeituras possam investir nessas soluções?
Adalberto Maluf: Contratamos o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) para atualizar a tabela do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), que a Caixa usa como referência de preços para obras. Hoje, só tem infraestrutura cinza lá. Se um prefeito quer fazer uma retenção com soluções verdes, ele não conta com referência de preços. Vamos criar essa nova tabela, um manual de implementação e um curso a distância para ajudar as prefeituras a implantar as Soluções Baseadas na Natureza.
Há o dilema dos municípios vulneráveis, que não têm como se financiar. Qual o tamanho desse problema e qual é o plano para combatê-lo?
Adalberto Maluf: Vimos que os quase 2 mil municípios com alta vulnerabilidade climática são os que têm análise de Capag C ou D (capacidade de pagamento, um sistema de pontuação para avaliar a saúde financeira de Estados e municípios). Não podem receber financiamento. Ou seja, os municípios que mais precisam se adaptar são os que menos capacidade têm de financiar isso. Estamos com uma minuta de resolução do Conselho da Federação para tentar lidar com esse desafio, além de lançar editais como o Periferias Verdes Resilientes para as áreas mais carentes.
O Programa Cidades Verdes Resilientes também é uma ação conjunta de ministérios. Em que momento o governo identificou a necessidade de coordenar as agendas e criar essa governança multinível?
Adalberto Maluf: Lá em 2023, durante a discussão dos Planos de Adaptação às mudanças climáticas, vimos que tínhamos áreas prioritárias e que o desafio era enorme. O Ministério das Cidades fazia uma coisa. O Ministério do Meio Ambiente, outra. Por isso, propusemos o decreto presidencial que uniu os dois e também o Ministério de Ciência e Tecnologia para ter primeiro essa integração dos planos federais.
O calor extremo é só uma ameaça ou há um potencial de crescimento econômico para o Brasil nesse cenário?
Adalberto Maluf: Vemos também uma oportunidade. O investimento para manter a infraestrutura, em especial energia e saneamento, é tão grande que teremos que ter soluções mais rápidas e baratas. Além disso, o aumento da demanda por refrigeração até 2050 gera um potencial de crescimento econômico na área de tecnologias verdes. Empresas de eficiência energética e geração distribuída de energia têm um potencial muito grande de criar empregos.
Há articulações entre a pasta e o Ministério do Trabalho e Emprego para criar novas regras ou padrões de jornada, reconhecendo como o estresse térmico pode afetar o trabalhador?
Adalberto Maluf: Existe articulação e ela está sendo puxada pelo Ministério do Trabalho. Nós fizemos estudos focados em segmentos como os catadores de material reciclado (quase 1 milhão de trabalhadores na rua ou em lixões). Além disso, estamos trabalhando no programa Soluções Baseadas na Natureza nas Escolas, pois menos de um terço das escolas do País tem arborização, impactando a produtividade de estudo e de trabalho. (Com reportagem de Alexandre Barreto, Jadson Luigi, Luísa Giraldo, Mariana Felicio e Vanessa Araujo).
15º Curso Estadão/Broadcast de Jornalismo Econômico Coordenação e edição: Carla Miranda e Simone Cavalcanti; Equipe: Victor Hugo Mendes, Marisa Oliveira e Eliane Damaceno