O grupo indo-europeu ArcelorMittal, gigante mundial na produção de aço comandado pela família Mittal, tem planos de investir mais no Brasil para ampliar seus negócios. Mas colocou algumas condicionantes. Até o fim do primeiro trimestre vai encerrar um ciclo que vai consumir R$ 25 bilhões, iniciado em 2022 com uma grande aquisição no País.
A companhia, que atualmente é a líder na fabricação de aço no Brasil, com cerca de 42%, já tem um valor definido — R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões, até 2029/2030. Apenas um dos projetos listados, o de expansão da usina capixaba Tubarão, no Espírito Santo, vai demandar R$ 4 bilhões. No Brasil, o grupo tem operações industriais em oito Estados e gerou receita de R$ 70 bilhões em 2024.
O pacote de investimento corre risco de não sair do papel, alerta Jorge Oliveira, presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO de ArcelorMittal Aços Planos América Latina. "Se as importações de aço não caírem de forma relevante, coloca em risco novos planos de investimentos do grupo no Brasil. Medidas de defesa comercial são fator prioritário para permitir investimentos", afirma o executivo.
Segundo Oliveira, a empresa está trabalhando para ter a conclusão dos estudos dos projetos ao longo de 2026. "Queremos estar com os estudos prontos, porém, a decisão final de investir, se não forem removidos esses riscos, pode se postergada ou até cancelada".
O executivo destacou que 2025 foi marcado, por dois fatores: no mercado interno, a continuidade da entrada de aço importado, principalmente da China, com alta de 20%; no cenário externo, pelo tarifaço de Donald Trump, que afetou as exportações de aço aos EUA e causou decréscimo nos preços de aço semiacabado no mercado mundial.
Abaixo, íntegra da entrevista:
Como a siderurgia brasileira encerra o ano de 2025?
O ano termina com crescimento das importações de aço, de pelo menos 20%, no mercado brasileiro. Hoje, o ritmo de importação está na faixa de 6 milhões de toneladas e isso continua preocupando muito a indústria. Esse é, talvez, o ponto de maior relevância no setor em 2025.
O que impactou mais? O tarifaço de 50% do governo americano ou a continuidade das importações, principalmente da China?
Se olharmos para o mercado doméstico, o ritmo de importação é o que afetou mais as produtoras de aço do País. Obviamente, a tarifa, como efeito colateral, fez com que países exportadores buscassem mercados com menor defesa comercial. Um país que exportava aos EUA e enfrentava barreira de 50%, redireciona para o Brasil, que colocou tarifa de 25% acima das cotas definida pelo governo brasileiro. Ou seja, o risco interno aumentou com a política comercial americana, dado que a defesa do Brasil é de intensidade menor.
Há uma expectativa, principalmente da ArcelorMittal, de reversão dessa tarifa, já que o grupo é o maior exportador de aço semiacabado para os EUA?
O setor já vinha debatendo com o governo brasileiro e as nossas autoridades com os EUA antes da tarifa recíproca ser elevada a 50%. Mas a prioridade mudou a partir de julho. Agora, com a reabertura do diálogo (entre Brasil e EUA), voltamos ao governo e fomos bem recebidos pelo ministro Mauro Vieira (das Relações Exteriores), que se mostrou propenso a retomar as discussões sobre a tarifa do aço com o governo americano. Esse foi o tom da reunião que tivemos com ele, logo após seu retorno da viagem que fez à Ásia (junto com o presidente Lula e quando houve o encontro com Trump).
Para as exportações de aço aos EUA a tarifa é específica, com base na Seção 232?
Sim, fixada em 25% a partir de 12 de março e elevada a 50% em 4 de junho. Lembrando que esse mesmo porcentual, com exceção da Inglaterra, foi aplicado para todos os países do mundo. Mas continuamos na busca de retirar essa tarifa, ao menos do aço semiacabado (placas, principalmente, e tarugos).
As exportações de aço semiacabado ao mercado americano não tiveram queda até outubro, últimos dados divulgados pelo governo.
Para os EUA houve uma ligeira queda. Já o Canadá zerou as compras do Brasil. O país também foi afetado com a tarifa imposta por Trump. Estamos buscando outros mercados, mas a dinâmica do comércio mudou. Como a tarifa é igual para todos, o poder de barganha do importador americano aumentou. Com isso, o preço de venda nos EUA sofreu uma queda de aproximadamente 20% segundo as informações de publicações especializadas.
Qual o rearranjo que a ArcelorMittal fez para contornar o impacto das tarifas nas exportações a partir do Brasil?
No geral, o mercado de placas ficou bem afetado pela tarifa, a competitividade baixou em razão do recuo dos preços. Estamos buscando novos mercados, inclusive na Ásia. E vendo alternativas na demanda da Europa. Por isso, nosso esforço junto ao governo, porque os EUA precisam de aço semiacabado. O país está comprando menos esse tipo de aço. O fato é que a dinâmica do mercado mudou e a competitividade caiu.
Toda a exportação aos EUA de placas é feita para a laminadora do grupo no Estado do Alabama, que demanda por ano 5 milhões de toneladas.
A demanda dessa unidade, abastecida por nossas operações do Brasil e do México, vai cair a partir de 2026 para 3,5 milhões de toneladas, porque a ArcelorMittal, nos EUA, investiu em uma planta à base de forno elétrico para fazer placas, com 1,5 milhão de toneladas de capacidade. Começou a produzir em junho.
Voltando ao tema das importações de aço pelo Brasil, o sistema de cota-tarifa não foi capaz de conter a entrada de material estrangeiro, principalmente da China, que escalou a partir de 2023?
Eu diria que sem o sistema — implementado em abril de 2024 e reformado em maio deste ano — a situação poderia estar mais deteriorada. O sistema, de fato, não tem uma eficácia para trazer o nível de "import penetration" (penetração dos importados) aos patamares anteriores, de 12%. Antes da pandemia de covid-19, a média desse índice, em dez anos, era de 10%. Agora está em 28%. Quase 30% do consumo aparente do País é de aço importado. Ficou muito difícil de administrar o mercado nesse cenário.
Já que a medida conteve parcialmente as importações, o que teria de ser feito para criar uma barreira efetiva ao aço importado?
Estão em curso pedidos de ações antidumping. Esperamos que o governo aplique a medida adequada ao final dos vários processos em fase final de investigação. Por exemplo, de fio-máquina, bobinas a frio, bobina galvanizada e aço pré-pintado. Nas bobinas a frio e galvanizadas, em março o governo publicou o potencial dano, acima de 67%. A expectativa é que as importações desses produtos sejam penalizadas. Até fevereiro, ou março, esse antidumping tem de ser concluído pelo prazo regulamentar.
Medidas antidumping são as medidas que o setor aguarda do governo para equilibrar o mercado? É sabido que o principal alvo é o aço oriundo da China.
Nesse momento, ações mais relevantes são as contra práticas desleais de dumping. O preço praticado pela China não é uma concorrência leal, está longe disso. Esperamos que até o final do primeiro trimestre as taxas contra danos de aço chinês sejam já aplicadas para alguns produtos. As evidências estão públicas e cremos que o governo vai tomar as medidas, como recentemente fez para importações de chapa grossa.
A América Latina como um todo sofre esse peso das importações?
A região é alvo de importações de aço direto e indireto (produtos fabricados em aço). No Brasil são 6 milhões de toneladas de aço e outro tanto de indiretos, na forma de produtos diversos. Na América Latina, respectivamente, chega a 14 milhões e 12 milhões. A região precisa encontrar soluções para defender sua indústria. Países como o México e Colômbia estão adotando tarifas de 25%, 35%.
Todo esse cenário afeta os planos futuros da ArcelorMittal no Brasil?
Se as importações não caírem de forma relevante, coloca em risco novos planos de investimentos do grupo no Brasil. A defesa comercial é fator prioritário para permitir investimentos. O risco existe, mas ainda não tomamos nenhuma decisão definitiva.
A empresa anunciou o projeto de colocar uma nova planta industrial na usina de Tubarão, em Serra (ES).
Continuamos os estudos, mas é um risco. Quanto mais cedo tivermos a equação das medidas de defesa comercial, menos risco terá o projeto. Estamos trabalhando, ao longo de 2026, para os estudos serem concluídos e estarmos prontos no momento certo. A decisão final de investir, no entanto, poderá sofrer mudanças na implantação.
O grupo está encerrando um ciclo com pacote de investimentos de R$ 25 bilhões.
O ciclo de investimentos, de 2022-2026, será concluído no fim do primeiro trimestre de 2026. Neste semestre colocamos em operação a expansão e modernização da usina de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, e a nova unidade de mineração de Serra Azul (MG) e estamos em fase final dos projetos de geração de energia eólica e solar em Minas Gerais e na Bahia. Nesse pacote, foram cinco grandes empreendimentos, incluindo a compra da siderúrgica de Pecém, no Ceará, e a expansão da unidade de laminação Vega, em Santa Catarina.
Qual o montante do novo ciclo, que está pendente de condições favoráveis que você mencionou para saírem do papel?
São investimentos entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões para serem concluídos até 2029/2030.
Quais sãos as expectativas do grupo para 2026?
A companhia continua acreditando no Brasil, que está na sua estratégia de investimentos. Porém, espera que as medidas de defesa comercial, que estão chegando ao final, sejam adotadas para haver uma competição mais eficaz, e o grupo possa continuar crescendo de maneira sustentável.