Grag Queen revelou que enfrentou transtorno dismórfico corporal, gastou mais de R$ 600 mil com cirurgias plásticas e, após complicações, iniciou tratamento psicológico e um processo de aceitação pessoal.
Após anos de carreira, a cantora e apresentadora Grag Queen, de 30 anos, acaba de lançar seu primeiro álbum de estúdio. Na coletânea, batizada de Cósmica, ela revisita sua história e retorna ao início de tudo: quando venceu o talent show Queen of the Universe (MTV), ganhou projeção internacional e o prêmio de US$ 250 mil --que, na época, equivalia a R$ 1,5 milhão.
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Ao longo das faixas, Grag Queen fala sobre como foi sair do anonimato para a fama de forma abrupta, discorre sobre amizades interesseiras, envolvimentos amorosos com pessoas ‘erradas’ e, inclusive, sobre sua obsessão com cirurgias plásticas. Segundo ela, quando venceu o Queen of The Universe (MTV), um novo mundo se abriu. As pessoas a reconheciam na rua e, pela ânsia de pertencer, ela cedeu aos procedimentos estéticos. Em entrevista ao Terra, ela revelou que já gastou cerca de R$ 600 mil com isso.
“Eu mudei muita coisa [desde que fiquei famosa], já fiz mais de 15, 16 cirurgias plásticas para mudar coisas da minha imagem, logo isso foi esse processo novamente contrastante de estar lá embaixo e depois estar lá em cima e olhar pro lado. Tem gente que já vem se preparando há anos pra isso e daí você já quer estar igual a elas. É o imediatismo. De repente, um doutor te chama para aumentar tua boca e daí alguém te chama para tomar um remédio para emagrecer, outro te chama para fazer o cabelo em você. E assim, você nesse lugar de emergente, tudo que é de graça também faz sentido, então você vai lá fazendo.”
Hoje, com tratamento psicológico, Grag Queen reconhece que desenvolveu transtorno dismórfico corporal (TDC), que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, "é quando a pessoa se submete a algum procedimento cirúrgico ou até mesmo estético e acaba obcecada, sempre encontrando mais ‘falhas’ na aparência para justificar um novo procedimento ou tratamento para corrigi-las".
“Aí você começa a ganhar dinheiro e começa a fazer um monte de cirurgia. Eu realmente passei por um processo muito pesado de dismorfia de imagem, papo de eu querer estar na mesa de cirurgia todo mês, de eu ter feito já três anestesias gerais em um ano por causa de coisas e detalhes. Você vai arrumando uma coisa, vai tirando outra, então isso, com certeza, é reflexo não só da fama, mas também daquela mente despreparada, daquele menino que foi rejeitado e que só quer ser aceito. [Depois do programa] os padrões de beleza subiram pra mim e eu acabei sendo refém da minha própria cabeça. Hoje, graças ao meu bom Deus, eu me sinto muito bonito, eu me sinto muito bem comigo mesmo, tanto in drag como em out”, disse ela, referindo-se a quando está montada e desmontada.
‘Já tive hemorragia e fiquei com a boca torta’
De acordo com Grag, a obsessão com cirurgias plásticas, e em mudar, nunca a levou a consultórios clandestinos, mas não a isentou de passar por intercorrências e complicações médicas, o que considera traumático.
“Eu sempre fui a consultórios recomendados, só que a gente nunca sabe. Eu já tive intercorrências, tipo, fiquei com o rosto inchado por mais de dois meses quando fiz uma bichectomia porque tive uma hemorragia e tive que sair correndo por São Paulo (SP), arriscando a vida. Teve uma vez que a minha boca infeccionou e ficou tortíssima por um tempão, então acaba que a gente tem essas dentro dos procedimentos. Tem muita coisa que, às vezes, dá errado. Eu tenho amigos e amigas cujo nariz necrosou e conheço várias histórias de gente que perdeu a vida e tal. Só que, quando você olha no espelho, com essa cabeça doente, com esse filtro doente, você só consegue olhar o defeito e, às vezes, essa dor [mental] é tão grande que ela é maior do que o seu medo de morrer na mesa de cirurgia”.
A drag queen cantora começou a notar que estava passando por um problema quando começou a esconder dos familiares e de pessoas próximas que faria procedimentos. Segundo ela, ali, o subconsciente dela entendia que era algo errado e, por isso, omitia.
“Sempre fui muito cabeça dura, tudo que eu quis fazer, eu fiz, a ponto de: para você ver o tão problemático que era, eu já fiz cirurgias que ninguém ficou sabendo, cirurgia que eu fui pra anestesia geral e pedi pra um amigo ir comigo e não contar pra ninguém. Minha mãe não sabe disso e podia ter dado a merda do século. Então, assim, inconscientemente ou de alguma outra forma eu sabia que era problemático, tanto que eu nem falava pras pessoas”.
As coisas começaram a mudar para Grag Queen quando a médica responsável a alertou. “A minha própria doutora disse: ‘Agora a gente não vai fazer mais nada’. Acho que é o momento de conversarmos com uma terapeuta e ver o que está acontecendo com você’”. Na mesma época, alguns amigos já tinham comentado do assunto e, como a médica, recomendaram falar disso na terapia, algo que a drag nunca tinha feito.
“Quando vi, eu nunca tinha falado disso na terapia. Às vezes, o que acontece dentro da gente é tão embaralhado, tão embaçado, que a gente nem fala. E, na terapia, eu comecei a entender de onde vinha [essa ânsia por mudar], essa urgência de ser aceito, essa urgência para sentir a grama tão verde quanto a do vizinho, e isso não é uma coisa que só me assola. É uma coisa que assola todo mundo, dos seus parâmetros, das suas medidas. Eu só tive a sorte de ter condição de fazer as cirurgias.”
Conforme o processo terapêutico seguiu, a artista foi, aos poucos, revertendo os procedimentos estéticos --claro, os que eram possíveis de reverter, pois, para alguns, não há volta. Nesta etapa, ela afirma que teve que aprender e se acolher enquanto trabalhava na reconstrução de sua autoestima.
“Eu reverti muitos procedimentos, milhões de ácidos já tirei e, enfim, foi um babado até eu entender o porquê que eu me sentia tão diferente, até eu entender o porquê que tudo me incomodava tanto, até eu entender quem, de fato, era o Gregory [nome de batismo], quem, de fato, era a Greg, que a drag realmente permeia esse lado da perfeição, mas o Gregory [pessoa física] não precisa estar assim sempre, perfeito, on point, polido. Então, assim, foi um mergulho Cósmico [alusão ao álbum] na minha identidade para chegar à clareza.”
“Foi um movimento de ter que me conhecer, ter que voltar a olhar para um rosto do qual eu não conhecia mais e ter que começar de novo esse processo de beleza. De falar: ‘Tá torto, mas tá tudo bem. Tá menor, mas tá tudo bem’. Então, foi um processo de aceitação de tudo, até dos erros. Errei no trabalho? Errei uma nota no show? Tudo bem. Um processo de se acolher, que foi um movimento que nunca fizeram comigo”.
‘Operei a orelha cinco vezes’
Entre as cirurgias que não têm reversão, ela cita a rinoplastia e a saga da orelha. Saga porque, segundo a própria, já operou o aparelho auditivo pelo menos cinco vezes por causa da disforia de imagem. Em uma delas, a salvação foi uma inovação médica, mas que deixou cicatriz.
“Uma rinoplastia não dá pra desfazer, uma orelha também não dá pra desfazer. Eu, por exemplo, operei a orelha cinco vezes e teve uma vez que a minha pele deu uma queloide. Nisso, a minha orelha colou na minha cabeça e eu queria descolar. E, pra você ver, como eu ia dizer para o médico que eu queria descolar a orelha que eu paguei para colar? Na época, tive que tirar um pedaço da minha costela para botar atrás da orelha. Nem sabia que isso era possível".
"Então, tipo, são coisas que, graças a Deus, pra mim, deram certo, mas tem gente que perde a orelha, sabe. Hoje em dia, eu tenho uma cicatriz gigante que parece uma facada no peito, mas é porque eu tive que tirar da costela de trás pra fazer a estrutura da minha orelha”.
Atualmente, Grag Queen continua em tratamento contra a disforia e, segundo ela, se aceitar é um desafio diário. “Não vou dizer ‘aceitem vocês mesmos’ agora que estou toda plastificada, só se conheça um pouquinho antes. Eu olho para trás e vejo com surpresa o quanto eu estava maluca dentro desse universo e me perdoo, me arrependo por isso, podia porque eu podia ter gasto meu dinheiro em outras mil coisas, mas também super aprendo, agradeço muito por não ter dado ruim dentro de todas as vezes que poderia.”