Com tecnologia, startup Safespace quer resolver 'má conduta' em ambientes de trabalho

Empresa aposta em inovações para aperfeiçoar ferramentas capazes de estimular que os relatos de má conduta em empresas se tornem, de fato, registros oficiais

5 ago 2021 - 16h27
(atualizado às 16h33)

Em meio ao avanço nas denúncias e na publicidade de casos de abusos no ambiente corporativo, quatro amigas decidiram se unir para transformar o tema num negócio. Em 11 meses de atividade, a plataforma Safespace conquistou clientes como Creditas e NotCo, aportes de investidores como o do fundador da 99 e avançou em inovações para aperfeiçoar ferramentas capazes de estimular que os relatos de má conduta em empresas se tornem, de fato, registros oficiais.

Giovana Sasso, Natalie Zarzur, Rafaela Frankenthal e Claudia Farias trabalhavam em áreas como marketing, tecnologia e comunicação. Perceberam o negócio em potencial ao avaliar a fragilidade dos modelos de canais de denúncias no mercado, instrumento usado pelas áreas de conformidade (compliance) das companhias.

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As ferramentas eram ultrapassadas, pouco eficientes e com baixo uso de tecnologia, como ligações e formulários, na visão das empreendedoras. "Precisamos construir confiança para que a pessoa queira se manifestar dentro da empresa antes de buscar qualquer apoio externo", afirma a co-fundadora da Safespace Rafaela Frankenthal, que obteve referências após o mestrado em estudos de gênero em Londres.

O investimento inicial partiu do próprio bolso das fundadoras. Mas logo o projeto chamou a atenção e atraiu o suporte de 11 investidores-anjos, entre os quais Luciana Caletti, fundadora do antigo Love Mondays, Mariana Dias, CEO da Gupy, Ariel Lambrecht, fundador da 99 e Ann Williams, COO da Creditas.

A primeira captação institucional se deu pelo fundo Maya Capital, de Lara Lemann e Mônica Saggioro. A gestora da dupla investe em 28 startups, como Oico, Trybe, Zubale, Theia e Kovi.

Embora seja uma novata, a empresa vem crescendo em ritmo acelerado. Já conta com 40 clientes, entre médias e grandes empresas, e pretende triplicar de tamanho até o fim do ano.

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Como funciona

Na plataforma Safespace, as fundadoras criaram um canal de escuta que funciona em tempo real e permite que a pessoa assediada descreva o fato por meio de perguntas geradas pelo sistema. Elas podem ser respondidas de forma anônima ou nominal.

Também é possível acompanhar o status do processo, desde a etapa de análise até a fase em que foi solucionado, com a validação que o ID do computador do usuário não vai ser localizado. Caso a pessoa ainda não esteja segura para enviar a denúncia, existe a possibilidade de arquivar o relato e enviar em outro momento.

Ao evidenciar um problema estrutural, em que muitas vezes quem denuncia tem medo de ser hostilizada por aqueles que ocupam cargos de poder, as fundadoras criaram uma nova ferramenta que permite ao denunciante saber se houve outro relato semelhante sobre o denunciado. Ao ser notificada de um novo relato, a primeira denunciante tem então a opção de formalizar o registro no canal.

"Se a gente consegue garantir para a pessoa que o relato dela só vai ser enviado se ela não tiver sozinha, a chance dela ter confiança para seguir é muito maior", diz Frankenthal. Segundo ela, o novo modelo pode encorajar as denunciantes a se identificarem no registro.

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Com as ferramentas dinâmicas, a empresa diz alcançar um índice de resolução seis vezes maior se comparado a outros canais de denúncias tradicionais.

O foco inicial é vencer a primeira barreira e garantir o registro. Uma pesquisa feita pelo LinkedIn em parceria com Think Eva, com 381 mulheres, revelou que 47% afirmaram ter sofrido algum tipo de violência durante a carreira.

Casos de repercussão nacional e internacional revelam a dificuldade das empresas em lidar com os relatos, como o recente episódio envolvendo o núcleo de humor da Globo, em que a acusação enfrentou barreiras dentro da instituição. Ou até mesmo do mundo de Hollywood, com o movimento #MeToo.

Vulneráveis

Em 2020, com parte da população em home office, o Ministério Público do Trabalho recebeu 4.826 denúncias de assédio moral no País, uma redução de 36% se comparado ao ano anterior. Mas a redução dos casos não significa um avanço. "Estar num ambiente digital não inviabiliza a ocorrência de assédio", afirma Louize Oliveira, advogada e fundadora da SafePlace, plataforma digital com o objetivo de reduzir desigualdades de gênero no ambiente de trabalho.

Por isso, é necessário identificar a tipificação do assédio no home office. A equiparação salarial e a quantidade exagerada de atividades para além da função que o funcionário ocupa, são exemplos. "Isso revela um desnivelamento em relação a seus pares. Já vi processos trabalhistas que foram julgados entendendo que esse comportamento foi assédio moral."

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Segundo a advogada, o primeiro passo é que as empresas discutam os valores de maneira transparente. "Eu vejo os canais de denúncia como uma ferramenta dentro de um processo que é maior que isso". Ela também considera que é indispensável ter, aliado ao compliance, um comitê de ética autônomo na empresa, "para que a investigação seja imparcial e que possa realizar a pesquisa de maneira sigilosa trazendo evidências".

Repensar a cultura corporativa atinge diretamente a eficácia dos canais de escuta. "O canal é importante, mas sozinho não vai resolver o problema", afirma a advogada.

Sem esse "match" entre ética, RH e compliance, a empresa pode ter impactos negativos. "Além de medidas judiciais que podem corroborar a responsabilidade do empregador, gera um dano de marca gigantesco em relação à sociedade", diz Oliveira. Isso significa investimento alto para recuperar a imagem no mercado.

O trabalho para evitar esse risco passa por encarar o tema de frente na cultura corporativa. "Não podemos ver a denúncia como algo negativo, a empresa tem que ter uma postura pró-ativa. Hoje, os nossos clientes respondem a um relato em menos de 24 horas", afirma Renata Frankenthal.

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