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Do combate às fake news nasce uma ‘mangateca’ em favela do RJ

Biblioteca comunitária com mangás e quadrinhos criada no Morro do Fallet pretende levar a leitura para crianças e adolescentes da comunidade

14 dez 2022 - 18h39
(atualizado em 27/12/2022 às 12h46)
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Foto: Divulgação

Durante a pandemia de covid-19, Ed Cura, de 26 anos, se viu sem seu meio de trabalho e necessitando de uma forma de distração. Como fotógrafo, ele cobria shows, mas devido às restrições de distanciamento social, se viu impossibilitado de exercer a função.

Foi nesse contexto que surgiu a página no Instagram “Anime DICRIA”. Ed Cura é morador do Morro do Fallet, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, e é o idealizador da ONG que une leitura, cultura e redes sociais.

“Eu estava sem recurso para pagar a terapia e precisava de uma válvula de escape para não ficar maluco. Acabei criando o anime DICRIA, onde eu juntava fotografia com algumas cenas de anime. E foi crescendo bastante. Como vinha chegando muita gente, comecei a pensar em usar isso de forma positiva”, conta.

Dentro da página no Instagram, há um quadro inovador, chamado Jornal DICRIA, que informa, atrelando manchetes de notícias com cenas de animes. Ed conta que o jornal também começou em meio à pandemia. “Foi logo no boom de bombardeamento de informação. Lance de vacina, estava rolando aquelas fake news de que vinagre acabava com covid e tal. E ficava maluco com umas coisas dessas”.

Ele aproveitou a notícia de que a vacina para idosos já estava disponível nas redes de saúde pública para criar uma publicação. “Eu falei ‘cara, meu público não é idoso, mas eu consigo falar com o neto do idoso, tá ligado?' Então eu vou levar informação com o neto e o neto vai falar com o avô, com a avó. Pode ser algo até pra aproximar os dois”.

Após a publicação sobre a vacina, ele copiou o mesmo formato, e denunciou a falta de maca nos hospitais durante a superlotação por conta dos casos de covid-19. Vendo que houve muitos compartilhamentos e uma boa aceitação do público, Ed continuou com o formato de posts, criou uma identidade visual e atualmente o jornal é publicado na página do Instagram semanalmente.

Para ele, o público do Instagram, que é formado por jovens, acaba não consumindo muito jornais, por serem maçantes e terem muitas notícias negativas. Outra razão do público do Instagram não se atualizar dos noticiários, segundo ele, é que as pessoas que consomem muito a cultura geek, acabam vivendo em uma bolha só da internet, daquele mundo, vendo apenas histórias em quadrinho ou filmes e acabam esquecendo do que está acontecendo ao seu redor.

O formato do jornal DICRIA tenta utilizar, pelo menos visualmente, um formato de jornal mais suave, usando a estética dos personagens inserida nos cenários da vida real, levando assim um pouco de informação do que está acontecendo no mundo.

As referências e inspirações para as publicações partem do repertório de filmes e séries de Ed. “Na parte de criação de conteúdo acaba que é meio que praticamente a minha cabeça ali explodindo mesmo. Eu acabo pegando algumas cenas de anime que eu estou vendo e tento colocar meio que no meu cotidiano mesmo. Então na maioria das vezes, é só a minha cabeça explodindo mesmo e eu colocando o que tá aqui na minha cachola em forma de arte”.

A ideia para a criação da mangateca, uma biblioteca apenas de mangás e histórias em quadrinhos, localizada no Fallet, chegou depois, quando um seguidor do Anime DICRIA doou cerca de 50 volumes de mangás. "Quando peguei essas mangás com ele, voltando de ônibus, comecei a refletir. Eu ia ler isso tudo e depois ia ficar pegando poeira na minha casa. Fiquei pensando: ‘cara, dá pra tornar isso público, sabe? Fazer uma biblioteca só de mangás’. Era meio que só um desejo mesmo, um sonho que eu tive ali. E foi isso, essa foi a primeira chama da ideia e depois a gente foi só batalhando pra construir a mangateca”.

Ed sempre gostou de mangás, mas quando criança, não tinha a oportunidade de consumi-los. “O que eles estão fazendo agora é o que eu queria fazer quando criança. E querendo ou não a mangateca, o Instagram, é tudo baseado no sonho de uma criança”.

E é esse acesso que ele quer possibilitar às crianças que frequentam a mangateca. “É um lugar onde eles podem ser livres. Querendo ou não, como a gente mora na periferia, às vezes tem muitas coisas que não são positivas aqui dentro. Então acho que tipo, poder colocar eles nessa bolha mesmo, é muito necessário. E eu acho que a melhor forma de criar bolhas com eles é isso, viver no mundo da imaginação, lendo, é está se entretendo.”

Além de entretenimento, a intenção da Mangateca DICRIA é contribuir para a expansão dos horizontes através do hábito da leitura. “Acho que quando a gente teve a ideia de criar a mangateca, não é nem pra criar escritores, mangakas, é só pra abrir o horizonte deles. Porque a maioria das pessoas que tão aqui dentro, acaba vivendo só isso, só a comunidade. Então é isso, eles tá lendo um Naruto, aí depois começa a entender a história por trás do Naruto, dos contos que tão ali, que é relacionado com o Japão e nisso, eles vão abrindo horizontes. E tendo o hábito de leitura eles vão ler outras paradas”.

Para finalizar, Ed Cura, fala sobre o viés de coletividade que a mangateca possui. "É isso que a gente prega na mangateca. É um bagulho que eu falo, que o anime DICRIA não é sobre o Ed o criador, o anime DICRIA é sobre toda a comunidade, é meio que uma voz pra todo mundo que nunca teve voz nesse meio”.

ANF
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