Raul Seixas, 80 anos: na poesia popular, é mais famoso do que Roberto Carlos
Rauzito está entre os principais personagens dos folhetos de cordel, ao lado de clássicos como Lampião e Padre Cícero
Cordelistas criam obras sobre Raul Seixas, cujas letras têm forte semelhança com o universo da poesia popular nordestina, como a tendência a narrar uma história com começo, meio e fim, resultando em longas composições. O inusitado, o surreal e a utopia de um mundo melhor também os aproximam.
Raul Seixas é um dos principais personagens do cordel, gênero literário centenário surgido no Nordeste brasileiro, impresso em folhetos e vendido em feiras. Além de ser protagonista da poesia popular, as letras de música do “maluco beleza” têm características do cordel.
“Há temas e personagens clássicos que os cordelistas têm que tratar, como Padre Cícero, Lampião e Raul Seixas. Os novos poetas fazem até para mostrar aos mais velhos que têm capacidade de falar do passado”, diz Costa Senna, cordelista cearense radicado em Guaianazes, zona leste de São Paulo.
Senna é um dos poetas que mais produziram sobre Raul Seixas: oito cordéis, três livros e três músicas, uma com clipe. “Fui um adolescente muito rebelde, muito mesmo. As músicas do Raul me acalmavam porque eu me encontrava dentro delas, achava a filosofia e palavras que falavam coisas imensas”, diz Senna.
Ele aponta semelhanças entre a poesia do cordel e as letras de Raul Seixas, “que faz muitas letras longas, com começo, meio e fim, uma característica do cordel, também chamado de romance. Raul vai narrando a história, com personagens, cenas, tramas, é algo muito próximo do cordel.”
O sertão e a sociedade alternativa em Raul e nos cordéis
Costa Senna chegou a escrever uma carta em forma de cordel à mãe de Raul Seixas, com quem se encontrou. Ele diz que o músico “deve ter ouvido repentistas, emboladores, rodas de capoeira, cada uma dessas culturas vai compondo sua personalidade poética”.
“Ele era de Salvador, mas viajava com o pai, engenheiro de estrada de ferro. Raul cita que ouvia os repentistas do interior da Bahia, as referências dele são do interior, ao contrário dos motivos praianos de outros compositores baianos. Veja a música Capim Guiné, sobre um sítio plantado no sertão de Piritiba”.
A comparação é do poeta e pesquisador Marco Haurélio, autor de cordéis sobre Raul Seixas. Para ele, a “sociedade alternativa”, o desejo de um mundo melhor, está tanto em Viagem a São Saruê, de Manuel Camilo dos Santos, que descreve rios de leite e lagoas de mel, quanto na música A Cidade de Cabeça pra Baixo, na qual “dinheiro é fruta que apodrece no cacho”.
Haurélio é autor de Raul Seixas, Dez Mil Anos à Frente. Para ele, o exagero, o universo místico e magico, chegando às raias do surrealismo, aproximam o músico dos cordelistas. Existem inúmeros cordéis sobre a chegada dele no céu, inclusive encontrando com John Lennon.
O inusitado nos cordéis e nas letras de Raul Seixas
A produção de cordéis sobre Raul Seixas cresce após sua morte quando “alguns poetas passaram a contar, de forma fantasiosa, ou mesmo com interesse biográfico, sua trajetória”, diz Haurélio. Há até um livro psicografado, Um Roqueiro do Além, apresentado como depoimento do espírito do músico.
O “inusitado” é o que mais chama a atenção do poeta e pesquisador na produção cordelista sobre Raul Seixas. Em um poema, o músico chega à cidade de Anarquinópolis, caracterizada como uma espécie de Velho Oeste, com semelhanças estéticas e de conteúdo com Cowboy Fora da Lei, sucesso de Rauzito.
Há ainda uma semelhança fundamental entre a poesia de cordel e as letras de Raul Seixas: a capacidade de serem populares, abordando de temas comuns aos mais complexos e inusitados. Os folhetos chegam até quem não sabe ler, ouvidos em declamações. Raul Seixas tem fãs que vão de malucos beleza a caretas convictos.
Rauzito se definia como uma síntese entre Elvis Presley e Luiz Gonzaga. Mas se as relações entre ele e os cordéis ainda parecem improváveis, é só dar um Google com as palavras-chave “cordel” e “Raul Seixas”, e se surpreender.