“Cadê a ração dos dinossauros?”, pergunta MC Cidinho sobre direitos autorais
Autor de sucessos em dupla com MC Doca, funkeiro reclama de calotes e poderia estar vivendo melhor na Cidade de Deus
Trinta anos após o sucesso do Rap da Felicidade, MC Cidinho ainda não recebeu o que tem direito por várias músicas. Após sobreviver a problemas graves de saúde e sair de uma internação, o funkeiro prepara projeto musical para se apresentar com banda. E cobra justiça, expondo a realidade de vários pioneiros do funk.
Lembrar os precursores do funk em datas emblemáticas, como o Dia Nacional do Funk, é necessário, mas vários deles ainda estão esperando receber direitos autorais, como MC Cidinho General, que em dupla com MC Doca fez o funk mais famoso do país, aquele do “eu só quero é ser feliz”.
Inacreditavelmente, MC Cidinho conta que, até hoje, não recebeu mais do que R$ 15 mil pela música criada há 30 anos. “Cadê a ração dos dinossauros?”, pergunta de forma irônica e até engraçada, mas o General está bravo, ainda mais depois de sair de uma internação.
Aos 49 anos, MC Cidinho sobreviveu a dois infartos, dois acidentes vasculares no cérebro, e teve uma broncoaspiração, com alimentos indo para as vias respiratórias. Sua filha o encontrou no chão, o músico foi levado às pressas ao hospital, ficou nove dias “no ar”, e sobreviveu.
“Mais uma vez, fui na beira do abismo”. Ainda morando na Cidade de Deus, ele reclama dos credores. Se recebesse o que tem direito, estaria vivendo melhor. Somente em dupla com Doca, são inúmeros sucessos, como Rap da Felicidade e Rap das Armas – para os desavisados, “rap” é um dos nomes do “funk”, nos primórdios.
MC Cidinho General explica melhor essas e outrs tretas falando direto da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, na entrevista ao Visão do Corre.
A dupla do Doca acabou de vez?
Sim, mas se aparecer alguma coisa, a gente faz, inclusive vamos fazer um baile com a Furacão 2000. A nossa amizade está cada vez mais forte. A dupla só separou porque eu não estava me sentindo feliz, queria outro tipo de vida musical.
Como você avalia o funk hoje?
Antigamente, era muito mais difícil, e rede social dá um dinheiro maneiro, os cachês têm vários dígitos. Eu respeito o trabalho de todos, só que algumas músicas eu não tocaria na minha casa, tenho esposa, filhas, tem umas músicas abusivas, eu deleto.
Você está falando do proibidão?
Não é proibidão, a gente canta aquilo que a gente vive. Estão tentando maquiar um montão de coisas e jogar o pobre contra o pobre. Então eu, como um dos caras que capinou essa estrada, digo que o dia que plantarem flores na minha porta, aí eu vou falar de flores, vou falar de jardinagem, por enquanto a violência é a minha vizinha.
Os funkeiros de hoje estão mais preparados para o negócio musical?
Faltou conhecimento tanto para mim, quanto para os demais, para poder pegar tudo que tem que ser pago. A nova geração está ciente legal, eles começaram a ver dinheiro. O que faltou pra gente, chegou para eles. Tenho uma certa frustração.
Tem muita gente devendo para você?
Quando fazem pagamentos, são assustadores de tão pouco. É até bom estar falando desse assunto para ver se um monte de gente aí paga, porque até agora a gente vive numa vida que dá pra viver, mas se viesse tudo, a gente estava morando melhor e vivendo melhor.
Você ficou rico?
Vivo uma vida financeira bem precária. Se eu receber tudo que é meu, eu posso não ficar milionário, também não quero ficar rico, mas vou poder ajudar muita gente.
Quanto rendeu o Rap da Felicidade?
De todos esses anos, eu acho que eu devo ter pegado uns quinze mil reais. O título da matéria seria “onde está a ração dos dinossauros?”. Eu estou dando a sorte de encontrar alguém da imprensa que vai tocar nesse assunto. É um assunto nacional, tem outros que precisam receber, principalmente da Baixada Santista.
Você passou por várias empresas?
Fui filiado a várias na tentativa de uma melhoria financeira, que foi frustrada.
Acha que algum dia vão pagar?
Vou ser bem sincero: depois dessa conversa e desabafo, eu vejo os MCs das antigas pondo a mão naquilo que é deles por direito, eu vejo melhoria, eu vejo justiça.
Você vive no seu “escritreta”, pode explicar o que é?
É uma mistura de estúdio, escritório e treta. Fico o dia inteiro, sem querer sair, compondo, criando, sou um cara muito caseiro.
O que vem por aí no seu trabalho?
Venho com uma novidade musical para preencher uma lacuna. Estou vindo com uma banda chamada Seda e Flor, de São Paulo, que vai tocar rock, MPB e funk. O dia que eu ia viajar para começar a ensaiar, passei mal. Agora só falta ver o local para me instalar e começar os ensaios. É tudo no tempo de Deus.