Banda Afrocidade quer Camaçari reconhecida como cidade preta
Big band nasceu em comunidades da cidade baiana e funde tradições musicais, batidas eletrônicas e consciência periférica
Uma big band formada nas comunidades de Camaçari, cidade a 36 quilômetros de Salvador, quer mostrar que a riqueza do primeiro polo petroquímico planejado no Brasil, que começou a funcionar em 1978, não evita a vida pobre e desconhece sua herança indígena e preta. A Afrocidade pretende expressar, na musicalidade e nas letras, essas e outras verdades.
A maioria dos habitantes de Camaçari, com quase 300 mil habitantes, tem baixa renda. A cidade foi considerada a quarta mais violenta do país segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022. Para o diretor musical Eric Mazzone, a big band não surgiu em Camaçari por acaso.
O município é uma grande favela plana, “com exceção dos bairros chiques da orla, a maior parte possui a mesma característica”. Há comunidades antigas que, após muita luta, conquistaram um pouco de estrutura.
Segundo o tecladista Sulivan Nunes, a relação com os povos indígenas e negros resultou no nome da banda “e em uma das principais motivações, que é a de afirmar a cidade de Camaçari como cidade negra”.
Afrocidade é favela, antes de tudo
Tendo forte ligação com a periferia, o grupo utiliza seu trabalho para dialogar com a realidade das comunidades. A música é um código de acesso, assim como cada ritmo ou elemento adicionado à sonoridade.
“Se utilizamos o arrocha, a gente dialoga com um público específico; o pagodão nos leva para outro lugar; o samba-reggae também. Quando se mistura com o rap, o trap e as frequências mais graves, a música acaba se tornando um canal de comunicação de direta com a periferia”, descreve Eric Mazzone.
Segundo ele, “as letras reafirmam tudo isso, trazendo o nosso cotidiano. Nossa relação com as periferias é direta: não nos afastamos nunca, pertencemos a ela e ela pertence a nós”.
Do jazz à Mestra Cultural Dona Bete
A big band Afrocidade surgiu em aulas de percussão ministradas por Eric Mazzone em 2011. Segundo ele, a formação com vários integrantes “é uma das nossas maiores potências. Os relatos de pessoas que assistem o show sempre trazem isso como algo muito forte. A performance mantém o olhar em movimento”.
Além da evidente influência das big bands – grupos de jazz às vezes com mais de dez músicos, que estão na origem do estilo nos Estados Unidos – outras figuras influenciam, como Mestra Cultural Dona Bete.
Junto com outras mulheres, em 2002, ela resolveu criar a chegança feminina, com o objetivo de manter a manifestação cultural na região de Arembepe. Sob o seu comando, mulheres tocam pandeiros, bailam e cantam músicas sobre histórias de marujos em alto-mar e a devoção aos santos protetores.
Raízes na música preta, claro
“Somos influenciados por tudo que escutamos. A diversidade musical diaspórica é algo que nos encanta muito. Aqui podemos eleger a música de terreiro e o samba de roda como grandes influenciadores. O movimento manguebeat nos tocou bastante, a sonoridade dos tambores dialogando com a tecnologia e com a sua cultura”, revela Eric Mazzone.
Para ele e para o tecladista Sulivan Nunes, o tambor é o princípio, a música sai do batuque para o computador. Eles entendem os equipamentos eletrônicos como uma extensão do pensamento. Contam com um estúdio em casa, onde digitalizam e traduzem os arranjos através das máquinas.