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Salões e barbearias fazem história nas periferias do Recife

Empreendimentos vêm influenciando a moda e se destacando no fortalecimento da economia das quebradas

27 nov 2023 - 05h00
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Diogo Araújo, o Biro Cortes, tem barbearia na comunidade UR-11, periferia de Recife. Freestyle nos cabelos
Diogo Araújo, o Biro Cortes, tem barbearia na comunidade UR-11, periferia de Recife. Freestyle nos cabelos
Foto: Junior Cardeal/ANF

Cabeleireiras e barbeiros movimentam a moda e constroem história nos territórios periféricos do Recife. A diversidade de modelos, estilos e técnicas impulsiona a economia local e demonstra a evolução da profissão nos últimos anos, como no bairro do Ibura, maior favela do Recife, onde vários profissionais da arte do corte atraem a autoestima e a ousadia dos clientes.

O Ibura é um bairro da zona sul da capital pernambucana, dividido em Ibura de Cima e Ibura de Baixo – esta parte é plana e até abaixo do nível do mar. A outra, no alto, tem formações montanhosas e morros repletos de casas e escadarias.

Nas duas partes funciona todo tipo de comércio, mercados, farmácias e padarias, além das diversas atividades voltadas para a estética, como design de cabelos e sobrancelhas, assim como colocação de unhas de gel. As barbearias e salões de beleza vêm influenciando a moda e se destacando no fortalecimento da economia das quebradas.

Estilos de cabelo sempre representaram expressão, cultura e identidade na história humana, e com o avanço das técnicas, equipamentos e produtos, a profissão de cortar cabelo e fazer barba segue uma tendência de crescimento, não só nas periferias do Recife.

Deda, a cabeleireira mais antiga do bairro

Maria José, 59 anos, conhecida como Deda desde a infância, nome que levou para a profissão, é proprietária do salão de beleza Deda Cabellus, na comunidade 27 de Novembro. Ela é a mais antiga do ramo no bairro, tendo começado em 1991, ano em que fez o curso de cabeleireira.

Dona Deda, da comunidade 27 de Novembro, em Recife, é pioneira no ramo na região em que mora: começou em 1991
Dona Deda, da comunidade 27 de Novembro, em Recife, é pioneira no ramo na região em que mora: começou em 1991
Foto: Junior Cardeal/ANF

Desde criança, Deda observava o pai cortando o cabelo das crianças e achava interessante. Foi sua inspiração. “Casei em 1990 e, no ano seguinte, comecei o curso de cabeleireira. Com três meses, a professora me entregou o certificado e disse para eu começar a trabalhar em casa, de graça. E eu fiz isso por mais ou menos um mês e depois passei a cobrar a metade do valor cobrado no território.”

Deu certo. Em seguida, alugou espaço e continuou o trabalho. Está no mesmo local até hoje. “Comecei com cortes masculinos, as mulheres me viram cortando e começaram a vir no salão”, lembra Deda.

Ela gosta muito de cortar cabelos longos e fazer vários tipos de cortes. “A maior alegria é quando chega um cliente antigo, que voltou porque gostou do trabalho. Isso, pra mim, é muito satisfatório.”

Biro, influenciado pelo irmão

Diogo Araújo, 29 anos, conhecido como Biro Cortes, tem sua barbearia na comunidade UR-11, onde nasceu e atua desde 2014. “Somos uma arte de vida que representa a quebrada, somos dignos do nosso salário, pois sabemos que toda conquista vem com o esforço do dia a dia.”

O irmão de Biro era barbeiro e vê-lo atuando o motivou. No início, Diogo trabalhava em uma empresa e na barbearia, até que decidiu investir exclusivamente na área de beleza.

Biro Cortes, da comunidade UR-11, em Recife, começou a cortar cabelos inspirado pelo irmão e não parou mais
Biro Cortes, da comunidade UR-11, em Recife, começou a cortar cabelos inspirado pelo irmão e não parou mais
Foto: Junior Cardeal/ANF

“Iniciei com o freestyle, o estilo livre, que é a técnica de desenhos, e tive várias referências, como MK, Rob The Original, GL, que me permitiram ter uma visão ampla da área. A partir daí, passei a buscar mais conhecimento e me especializar, para evoluir nas técnicas. São muitas novidades, tanto no freestyle quanto no corte tradicional”, explica Biro.

Quando a mãe liberou, Smaik não parou mais

Outra barbearia com história é a de Phillipi Raphael, 29 anos, conhecido como Smaik du Corte. Ele começou em 2015, após terminar o estágio de jovem aprendiz na área de comércio e varejo. Sua barbearia funciona na comunidade 27 de Novembro.

“Gostava muito de cortar meu cabelo, estava na barbearia toda semana, e isso me atraiu. De lá pra cá, trouxe várias conquistas para minha vida. Na minha infância, eu via o garoto do grupo Mulekada lançar freestyles no cabelo, mas minha mãe não deixava fazer. Quando ela liberou, fiz os desenhos de ponta a ponta”, relembra Smaik.

Smaik du Corte, da periferia de Recife, começou na área em 2015. Durante a pandemia, negócio quase faliu
Smaik du Corte, da periferia de Recife, começou na área em 2015. Durante a pandemia, negócio quase faliu
Foto: Junior Cardeal/ANF

Ele não vê barbeiros que surgem diariamente como concorrentes, pois são pessoas batalhando na vida igual a ele, levando o pão para casa. O problema não são os outros, foi a pandemia de Covid-19, que comprometeu salões de beleza e barbearias.

Covid quase acabou com os negócios

Segundo Biro, ninguém estava preparado para lidar com a disseminação do coronavírus. Foi um período encarado como desafio, na expectativa de superar a fase e voltar às atividades.

“Não podíamos estar envolvidos com pessoas, atrapalhou muito. Barbeiros tiveram nomes negativados, não puderam pegar empréstimo, alguns adoeceram e outros levaram multa porque precisavam trabalhar.” Ele começou a cortar em domicílio assim que a vacina foi liberada, com o uso da carteirinha. “Foi um alívio, né?”.

Segundo Smaik, “a pandemia foi bastante sinistra, visse? Minha esposa estava com nove meses de gravidez, eu parei uma semana, com medo que meu filho ou minha esposa pegassem a doença. Pra cortar cabelo, parecia que estava traficando, tinha que juntar dois ou três clientes e driblar a polícia e a vigilância sanitária, pois não era permitido trabalho que não fosse essencial – pra eles né?”.

Smaik do Corte não vê problema na concorrência. Para ele, todos estão na batalha para levar o pão para casa, como ele
Smaik do Corte não vê problema na concorrência. Para ele, todos estão na batalha para levar o pão para casa, como ele
Foto: Junior Cardeal/ANF

Ele botava o cliente para dentro, fechava a porta e passava o cadeado “porque, além das nossas obrigações com a família, ainda corria o risco de levar uma multa de mais de dez mil reais. Isso fez com que a gente trabalhasse se escondendo. Foi bastante humilhante”, desabafa Smaik, que agora faz barba, cabelo e bigode a todo vapor.

ANF
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