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Sob isolamento, idosos não conseguem comprar remédios

Anvisa altera temporariamente as regras para prescrição de receitas médicas; veja como funciona

31 mar 2020 - 16h23
(atualizado às 17h42)
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A professora aposentada Therezinha Pontes, de 84 anos, vem perdendo o sono há duas semanas. E não só pelo temor com a epidemia de covid-19. O remédio que costuma tomar todas as noites para adormecer acabou. Em meio às medidas de distanciamento social, ela não consegue uma receita azul para repor o estoque. "Eu tomo esse remédio há dois anos e estou sem poder comprar", explicou. "Tenho a receita original, mas não a azul, e as farmácias não aceitam. Meu médico não está atendendo, disse que está sem receitas em casa e não tem como sair. Não sei o que fazer."

Situação semelhante é enfrentada pela aposentada Maria Coeli Pontes, de 80 anos, que faz um tratamento com antidepressivos. "Eu tomo esse remédio há 20 anos, não posso parar de tomar agora, ainda mais num momento desses", afirmou. "Eu tento ligar para a minha médica, mas ninguém atende no consultório; mandei um WhatsApp para a secretária, e ela também não respondeu. Liguei para o plano de saúde, e eles dizem que eu tenho de procurar outro médico. Mas não é para eu ficar em casa?"

O caso delas é recorrente neste momento em que o avanço do novo coronavírus traz uma preocupação a mais aos idosos com doenças crônicas, que precisam de receitas controladas para comprar medicamentos de uso contínuo. Normalmente, esse tipo de remédio somente é vendido ao paciente, no máximo, até 30 dias após a emissão da receita médica e uma de suas vias fica retida nas farmácias. No entanto, diante do confinamento e cancelamento temporário de consultas, por parte dos médicos, entidades defendem a adoção de medidas que facilitem a compra desses medicamentos. A situação se agrava no caso dos idosos, que devem evitar sair à rua para evitar a contaminação pelo coronavírus.

A aposentada Marilda Araújo, de 68 anos, faz uso de dois remédios que dependem de receita controlada. Por enquanto, ainda tem medicamentos em casa, mas fica com receio em razão do cancelamento de consultas por causa do novo coronavírus. "Eu tomo três comprimidos por dia de Codeín 30 mg, que é um medicamento que inibe a dor e tratamento de tosse, e Tramal 50 mg, para alívio de dor. Tenho ainda remédios para o mês de abril, mas já fico com receio porque são remédios controlados que dependo de receita médica. Não sabemos até quando vai a pandemia", disse.

O aposentado Francisco Araújo, de 74 anos, ainda não conseguiu renovar a receita de remédio de alto custo com seu médico. Ele toma quatro comprimidos por dia do Sulfassalazina 500 mg para tratamento da coluna. "Tenho remédios para mais alguns dias. Ainda não consegui agendar com meu médico para renovar minha receita. Eu também tomo uma injeção para a coluna. Em último caso, como tenho agendamento da injeção para o dia 13 de abril, aproveitarei o momento para tentar pedir nova receita. É um remédio muito caro, custa em média R$ 100 cada caixa. Eu preciso de receita para conseguir retirar gratuitamente na Farmácia de Alto Custo. Além de pagar plano de saúde, é difícil arcar com medicamentos muito caros", comentou.

Uma alternativa é o idoso entrar em contato com seu médico. "O paciente atualmente está solicitando a receita ao seu médico, que tem enviado pelo correio, motoboy ou pedido a retirada do documento por pessoa próxima. Essa tem sido uma prática bastante comum", orientou Carlos André Uehara, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

Outra saída é procurar atendimento médico à distância. "Durante a pandemia, o idoso pode fazer atendimento por telemedicina. Se o médico se sentir à vontade, pode prescrever a receita e combinar uma forma de entrega do documento. No entanto, em muitos casos, a prescrição da receita depende de uma primeira consulta presencial para que o médico possa conhecer o paciente. É importante ainda a pessoa buscar informação nos conselhos de medicina para verificar se o responsável está devidamente cadastrado", afirmou Uehara.

O presidente do Conselho Regional de Medicina, Sylvio Provenzano, disse que está ciente das dificuldades dos pacientes. Segundo ele, os próprios médicos têm dificuldade para conseguir novos receituários, uma vez que as gráficas estão fechadas. A solução será dada na internet. "É um contrassenso fazer com que essas pessoas se desloquem para conseguir uma receita", reconhece Provenzano. "Mas a partir desta quarta-feira, em nosso site, vamos disponibilizar a receita branca assinada digitalmente pelo médico. No máximo até quinta-feira, teremos a receita azul também."

Aumento da quantidade de medicamento prescrito em receita

Na terça-feira passada, 24, foi publicada a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 357/2020 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que altera temporariamente as regras para prescrição e dispensação de medicamentos controlados. A RDC inclui o aumento da quantidade permitida em receita de controle especial emitida antes da data de entrada em vigor da resolução, mas dentro do prazo de validade, para mais 30 dias de tratamento, além do que foi prescrito. Se a data de emissão da receita for a partir de 24 de março, será permitido comprar remédio para tratamento entre três e seis meses, dependendo do tipo de medicamento. As normas, emitidas em razão do novo coronavírus, têm validade de seis meses.

Entrega de medicamento controlado em casa

Temporariamente também está permitida a entrega de medicamento controlado no domicílio do paciente. A pessoa precisa ligar para a farmácia e verificar se existe a possibilidade de fazer o cadastro e solicitar a retirada da receita controlada, no momento da entrega do medicamento em casa. De acordo com a resolução, "o estabelecimento dispensador deve inicialmente buscar a notificação de receita ou a receita de controle especial no local onde se encontra o paciente e, somente após a conferência do farmacêutico da regularidade da prescrição, proceder à entrega do medicamento e coletar as informações e assinaturas necessárias, inclusive no formulário de registro de entrega em domicílio".

Receita com prazo maior

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) afirma que, no caso de pacientes crônicos, com condições especiais, que fazem uso de medicamentos de uso contínuo, recomenda-se que sejam fornecidas receitas por um prazo maior de validade para evitar muitas idas às farmácias. "A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES) alterou os prazos de validade de Laudos de Solicitação de Medicamentos (LMEs) para permitir dispensação desses medicamentos por prazos maiores", disse, em nota, o Cremesp.

Receita vencida recentemente

Na última sexta-feira, 20, Conselho Federal de Medicina (CFM) pediu para a Anvisa estender o prazo de validade de receitas médicas de uso controlado em até 90 dias. Entre eles, antipsicóticos, antiepiléticos e antidepressivos. Segundo o CFM, a medida é necessária diante do atual cenário de combate à covid-19. Eventuais prescrições futuras também seriam contempladas pela decisão. Algumas redes de saúde pública já estão aceitando receitas vencidas, mas as farmácias particulares ainda aguardam a decisão. Vale lembrar que no caso da receita ter vencido há muito tempo ou o paciente não tê-la, deverá entrar em contato com seu médico ou outro credenciado para solicitar guia atualizada.

Denúncia

Para relatar falha ou falta de atendimento, o Cremesp criou um canal exclusivo para denúncias durante a pandemia: 11 98286-3722 (WhatsApp) ou email covid-19@cremesp.org.br.

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