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Morre o boxeador Maguila: o que é a encefalopatia traumática crônica, que acometia o ex-atleta

Segundo a viúva do ex-atleta, ele conviveu por 18 anos com a 'demência pugilística', como era conhecida a condição. Maguila morreu aos 66 anos.

24 out 2024 - 21h21
(atualizado às 21h46)
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O ex-pugilista José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, morreu aos 66 anos, segundo informou a família dele nesta quinta-feira (24/10).

Nascido em Aracaju (SE), Maguila conquistou no boxe vários títulos brasileiros, sul-americanos e também um mundial, na categoria peso-pesado pela Federação Mundial de Boxe, em 1995.

O ex-atleta vivia há anos com a encefalopatia traumática crônica — também conhecida como "demência pugilística", embora este termo esteja em desuso.

Em entrevista à TV Record, a viúva de Maguila, Irani Pinheiro, disse que ele conviveu por 18 anos com a condição e, no último mês, foi descoberto um nódulo no pulmão do pugilista. Entretanto, não foi possível fazer uma biópsia no nódulo.

A encefalopatia traumática crônica afeta pessoas que sofreram pancadas repetidas na cabeça ao longo da vida — como os boxeadores e jogadores de futebol.

Mas, afinal, o que é a encefalopatia traumática crônica? E quais são os meios de evitar esse problema?

A questão está na frequência

A médica Roberta Diehl Rodriguez, do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que essa doença passou a ser estudada mais a fundo recentemente, há cerca de 15 anos.

"E nós só conseguimos fazer o diagnóstico definitivo da encefalopatia traumática crônica depois que o indivíduo morre, por meio da análise do cérebro", disse à BBC News Brasil em 2022.

Pelo que se sabe até o momento, o quadro pode se manifestar de diferentes maneiras.

Alguns apresentam sintomas parecidos ao do Alzheimer, como perda de memória e dificuldades para completar o raciocínio.

Em outros, porém, os incômodos se aproximam mais de quadros psiquiátricos, como o transtorno bipolar, em que ocorrem alterações de humor.

Há também casos descritos em que o paciente desenvolveu vícios fortes em apostas, álcool ou outras drogas.

"Os estudos mais recentes também nos mostram que, mais importante do que a quantidade ou a força das pancadas, um aspecto fundamental da doença é o intervalo entre os traumas", informa Rodriguez.

Ou seja: se o indivíduo tem um choque de cabeça e, poucos dias depois, passa por um acidente parecido, isso representaria um sinal de alerta maior.

Possivelmente, pancadas tão próximas não dão tempo de o cérebro se recuperar bem daquele primeiro impacto, o que piora ainda mais os efeitos que isso tem ao longo da vida.

Cruzamentos e bolas aéreas no futebol fazem com que as batidas de crânio sejam frequentes
Cruzamentos e bolas aéreas no futebol fazem com que as batidas de crânio sejam frequentes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

É por isso, aliás, que atletas de algumas modalidades são mais propensos a sofrer com a tal da encefalopatia traumática crônica: a própria natureza da profissão os predispõe a levar pancadas no crânio.

Os primeiros dessa lista são os lutadores, já que a meta desse esporte está justamente em acertar a cabeça do adversário com socos e chutes — por isso o antigo termo "demência pugilística".

Grandes nomes do boxe, como Muhammad Ali e Éder Jofre, por exemplo, apresentaram problemas neurológicos no final da vida.

Jogadores de rúgbi e futebol americano também são mais propensos a desenvolver o problema, já que esses esportes são marcados por muitos choques e encontrões.

Por fim, os profissionais do futebol completam o grupo. Como cruzamentos e bolas aéreas são um recurso importante do esporte, as batidas de crânio são frequentes.

Cérebro em desalinho

Mas o que acontece na cabeça logo após a pancada?

Para entender esse mecanismo, é preciso conhecer antes uma proteína chamada TAU.

"Ela ajuda a manter a estrutura dos neurônios e auxilia no transporte de nutrientes entre uma célula e outra", resume Rodriguez.

Só que as pancadas repetidas parecem alterar um pouco desse balanço neuronal.

Quando ocorre o choque de cabeça, essa proteína se rompe e ocorre uma inflamação.

E aí entra o aspecto crônico das batidas.

"Se outra pancada acontece logo depois, o cérebro não consegue se recuperar da primeira e aquela proteína começa a se depositar ali", diz a neurologista.

"Com o passar do tempo, esses agregados anormais de proteína TAU começam a prejudicar a passagem de informações e nutrientes nos neurônios", complementa.

E isso, ao longo de várias décadas, pode culminar em grandes dificuldades para o funcionamento adequado do cérebro.

Vale mencionar que esses mesmos emaranhados de proteína TAU são observados em outras enfermidades neurológicas, como o próprio Alzheimer.

Na encefalopatia traumática crônica, porém, é possível identificar um fator que está por trás do acúmulo dessa substância: as pancadas repetidas na cabeça.

Rodriguez conta que a USP possui um grande banco de cérebros, que são conservados para pesquisas científicas.

"Num estudo, eu avaliei 1.157 desses órgãos que pertenceram a pessoas que não tinham um histórico de atleta profissional."

"Desses, só encontramos a encefalopatia traumática crônica em sete homens", continua.

"Depois, consegui conversar com a família de um deles e descobri que o indivíduo era goleiro de um time amador, pelo qual disputava jogos no final de semana", revela.

*Esse texto usou como base uma matéria de 2022 da BBC News Brasil sobre a encefalopatia traumática crônica e foi atualizada com o contexto atual

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