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Covid avança pelo interior e coloca pequenas e médias cidades à beira do colapso

Sistemas de saúde de municípios do interior estão saturados, com 100% dos leitos ocupados, filas de espera por vagas de UTI e equipes correndo para antecipar altas e abrir espaço para doentes gravíssimos

19 fev 2021 - 11h11
(atualizado às 16h16)
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Com a alta de internações por covid-19 no País e a confirmação da presença da nova variante do vírus em vários Estados, cidades pequenas e médias de todas as regiões já enfrentam situação próxima do colapso, com 100% dos leitos ocupados, filas de espera por vagas de UTI e equipes correndo para antecipar altas e abrir espaço para doentes gravíssimos.

A situação foi relatada por médicos, secretários municipais de saúde e pacientes de 8 Estados ouvidos pela reportagem entre quarta e quinta-feira. Alguns dizem já estar recusando novas internações e temem que o cenário piore nas próximas semanas por causa da disseminação da nova cepa do vírus, potencialmente mais transmissível, e do provável aumento de hospitalizações decorrente de aglomerações vistas no Carnaval.

Um dos cenários mais dramáticos acontece na região do Triângulo Mineiro. Em Uberlândia, há 222 pacientes internados em unidades de terapia intensiva para tratamento de covid-19, o que corresponde a 95% da capacidade total de atendimento do município.

A situação mais grave, no entanto, é observada em Monte Carmelo, município de 48 mil habitantes da região. O Hospital Municipal Alberto Nogueira, único na cidade para o tratamento da covid-19, está há mais de um mês com 100% de ocupação de seus 16 leitos de UTI e teme desabastecimento de oxigênio porque o número de novos casos e internações não para de crescer. Somente nesta quinta-feira, 18, foram 160 casos confirmados. Para efeito de comparação, a capital do estado, Belo Horizonte, com 2,4 milhões de habitantes, registrou 62 casos da doença de terça para quarta-feira.

No último sábado, 13, o prefeito de Monte Carmelo, Paulo Rocha, publicou vídeo nas redes sociais pedindo a doação de cilindros vazios para o hospital da cidade. Naquele dia, o consumo, que antes da pandemia era de cinco por dia, chegou a 54. Na quinta, passou para 123. "O quadro de saúde dos pacientes está piorando muito rapidamente, o que eleva o consumo de oxigênio", disse Rocha. O prefeito afirma que vem conseguindo comprar o insumo de empresa em Uberlândia.

O município enfrenta ainda falta de profissionais para tratamento dos pacientes. Médicos e enfermeiros estão sendo deslocados de postos de saúde para o hospital. Com a crise aguda no sistema de saúde do Triângulo, o secretário de estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, visitou a região nos últimos dois dias. Em Uberlândia, afirmou que vai dar todo apoio aos municípios e também dialogar sobre a situação com o governo federal.

No interior de São Paulo, cidades como Araraquara, Jaú, Valinhos e Botucatu estão há dias com todos os leitos de UTI ocupados. Em Jaú, onde já circula a variante brasileira do novo coronavírus, a Santa Casa abriu 30 novos leitos de enfermaria para covid, mas a pressão sobre o sistema hospitalar não diminuiu. O hospital ainda tem pacientes acomodados de forma improvisada, fila de espera e já recorreu à central de regulação de vagas do Estado para transferir pacientes para outras cidades.

Em Araraquara e Valinhos, a quinta-feira foi o quarto dia consecutivo de UTIs operando com 100% de sua capacidade. Em Valinhos, a prefeitura passou a usar uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para estabilizar pacientes com covid até a abertura de vagas hospitalares.

O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu também registra ocupação acima de 100%. "O HC tem atingido diariamente sua ocupação máxima e, neste momento, estamos com 106% de ocupação, o que significa que, além dos 30 leitos de UTI covid disponíveis, mais dois leitos estão ocupados por quatro pacientes positivos", disse, em nota.

No Paraná, a região de Maringá vive à beira do colapso há semanas. No Hospital Universitário da cidade, a ocupação segue em 100% mesmo com a ampliação de leitos, como conta o intensivista Edvaldo Vieira de Campos, coordenador médico da UTI da unidade.

"Antes da pandemia, tínhamos oito leitos de UTI. Abrimos 20 novos. Para um hospital do nosso porte, é um aumento absurdo. Mas, mesmo assim, nas últimas semanas estamos rodando com 100% da capacidade. Hoje (quarta-feira), temos, na verdade, 105% de ocupação porque, além de todos os leitos da UTI ocupados, temos um paciente na sala de emergência em cuidados de terapia intensiva até abrir vaga", conta o médico.

"A gente tenta agilizar as altas de pacientes melhores para a enfermaria, mas quando você tem 20 pacientes entubados, não tem como fazer isso. Ainda não tivemos nenhum caso de a pessoa ficar sem atendimento, mas a linha entre a superlotação e o colapso é muito tênue. É uma situação que nos tira o sono", declarou o especialista.

No Rio Grande do Sul, cidades da Grande Porto Alegre, como São Leopoldo e Gravataí, e da região da Serra Gaúcha, como Gramado, registram superlotação. A cidade turística foi a primeira a ter a confirmação da nova variante no Estado. No Hospital Arcanjo São Miguel, único do município, os 19 leitos de UTI estão ocupados. Nesta quinta-feira, a prefeitura endureceu as medidas restritivas.

"O retorno das aulas foi suspenso, proibimos eventos e a ocupação de restaurantes, bares e parques deve ser reduzida. Suspendemos cirurgias eletivas e os leitos cirúrgicos estão sendo adaptados para atender covid", explicou o secretário municipal da Saúde de Gramado, Jeferson Moschen.

No oeste catarinense, a situação também é desesperadora. Na última quinta-feira, três dos quatro hospitais de Chapecó estavam superlotados.

Na região Norte, Santarém, cidade com 300 mil habitantes no interior do Pará, enfrenta situação difícil. "Tínhamos 20 leitos de UTI antes da pandemia e fomos ampliando, mas nunca é suficiente. Ampliamos para 40, para 50 e agora já estamos com 60 e, mesmo assim, está 100% ocupado e com fila de espera de doentes na UPA precisando ser transferidos", conta Antonio Carlos Alves da Silva, coordenador da UTI do Hospital Regional do Baixo Amazonas. Ele diz que, na quinta-feira, 7 pacientes estavam na fila para transferência, mas que já chegou a ter demanda de 25 leitos nos últimos dias.

Ele comenta ainda a falta de profissionais para atender a demanda crescente. "Tivemos que parar a residência de alguns médicos recém-formados para colocá-los na nossa escala da UTI", conta.

Mesmo no Centro-Oeste, região que, ao longo da pandemia, teve aumento mais tardio de casos de covid, a situação de superlotação não é diferente. Em Ponta Porã, município do interior do Mato Grosso do Sul que faz fronteira com o Paraguai, não há mais leitos disponíveis e a equipe médica do hospital local também acelera altas de pacientes menos graves para abrir vaga para outros doentes.

"Já estamos em uma situação de colapso agora. Tenho pacientes na sala vermelha de emergência esperando por uma vaga de UTI. Estamos dando alta precoce da UTI para abrir vaga, liberando para o quarto pacientes que geralmente deixaríamos mais dois ou três dias na terapia intensiva", diz Demetrius do Lago Pareja, diretor geral do Hospital Regional de Ponta Porã, unidade com 20 leitos de terapia intensiva dedicados à covid.

"Hoje conversei com a Câmara de Vereadores e com o Ministério Público sobre a necessidade de lockdown. Se já está assim agora, vai piorar muito com a circulação da nova variante", desabafa o médico.

No Nordeste, Ceará é um dos Estados com municípios do interior em situação difícil. Hospitais de Juazeiro do Norte estão lotados e recorrem até a hospitais privados de municípios vizinhos para transferir doentes. Médicos temem que a demanda crescente leve todo o sistema ao colapso.

"Estamos recebendo pacientes com outras doenças vindos de Juazeiro para que os hospitais de lá possam abrir vagas para doentes com covid", conta o intensivista Meton Soares de Alencar, que trabalha em um hospital privado do município de Crato, vizinho à Juazeiro. A unidade já está com os leitos de terapia intensiva 100% ocupados e o especialista teme que a situação vivida por Manaus se repita na região.

"O colapso não aconteceu só no Amazonas, ocorreu em países ricos da Europa, como Itália e, mais recentemente, em Portugal. Recentemente saiu um estudo americano com instruções sobre como economizar oxigênio no suporte a pacientes em UTI com covid. Se países ricos estão preocupados com isso, fica claro que o colapso visto em Manaus pode acontecer em qualquer lugar", comentou.

Assessor técnico do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Alessandro Chagas afirma que os relatos colhidos pela reportagem em vários Estados se repetem em todo o País. Ele destaca que, enquanto não houver o controle da transmissão, a abertura de novos leitos nunca será suficiente. "É como enxugar gelo. Claro que abrir mais leitos é importante, mas eles não vão dar conta se a gente não seguir as medidas não farmacológicas de distanciamento e não insistir em testar mais e isolar pessoas contaminadas e seus contatos", defende.

Estadão
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