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Conheça a vida de quem depende do óleo de cannabis no Brasil

TV Estadão conta o dilema de pais e pacientes que assumem o risco de prisão por cultivar maconha para produzir o seu próprio remédio

11 out 2018 - 15h11
(atualizado às 15h45)
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A maconha como remédio

Folha de cannabis
Folha de cannabis
Foto: Yarygin / iStock

Atrás de um muro branco na zona oeste do Rio de Janeiro, Carlos (nome fictício) assume o risco de ser preso a qualquer momento ao produzir um remédio usado pela filha de 3 anos. O tratamento da menina, que sofre com microcefalia, consiste exclusivamente em um óleo à base de maconha, que é plantada clandestinamente em uma estufa no imóvel.

De acordo com a Lei de Drogas n.º 11.343, caso o cultivo não seja considerado individual, o réu pode ser punido com pena de 5 a 15 anos de prisão por tráfico. Carlos possui oito pés em seu quintal, o que poderia ou não ser considerado cultivo individual, já que a lei não determina uma quantidade específica, possibilitando diferentes interpretações.

Uma questão de saúde e qualidade de vida

Os meios legais de adquirir o extrato de maconha, mais conhecido como canabidiol, é por meio da importação mediante prescrição médica e autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ocorre desde 2015. Atualmente, o órgão autoriza a importação de 42 produtos diferentes. 

Contudo, além de demorado e burocrático, o procedimento é de alto custo. A importadora HempMeds Brasil, por exemplo, vende algumas variedades que vão de U$ 139 (cerca de R$ 525) até U$ 329 (cerca de R$ 1.245) por seringa contendo de 10 a 15 ml do óleo.

"Eu tenho a prescrição médica e a autorização da Anvisa para importar, o que eu não tenho é dinheiro", afirma Carlos, que trabalha como especialista em marcas e patentes e possui renda mensal de R$ 2,9 mil.

Nas farmácias brasileiras, por enquanto, a oferta é limitada - e cara. Em 2017, a Anvisa autorizou a venda do Metavyl, medicamento de produção estrangeira indicado para quem sofre de espasticidade por causa da esclerose múltipla. A opção disponível nas prateleiras brasileiras não é mais acessível do que as ofertas dos concorrentes. Com preço de, em média, R$ 2,5 mil, o remédio custa 2,6 vezes o valor do salário mínimo atual. 

A vida não espera por habeas corpus

Para aqueles que, assim como Carlos, dependem do medicamento, mas não possuem condições de comprá-lo, há uma alternativa: pedir uma habeas corpus preventivo, condição em que o sujeito assume às autoridades que já está cometendo um crime em prol da sua saúde individual. 

É o que fez a advogada Margarete Brito, primeira pessoa a conseguir o documento no País, para tratar com o óleo artesanal sua filha Sofia, de 11 anos, diagnosticada com a síndrome CDKL5, doença rara que causa epilepsia reversa, mais resistente a medicamentos comuns. 

Em 2013, ela e o marido souberam de uma criança americana que usava um óleo rico em CBD (canabidiol) para aliviar sintomas dessa síndrome. Escreveram para os pais para saber do remédio. Na época, a vigilância sanitária ainda não permitia a importação da substância para o Brasil, então o casal recorreu à importação ilegal. "Ou tráfico internacional de drogas. Algo que é vendido nos Estados Unidos como suplemento alimentar", diz a advogada. 

Ainda assim, a família ficou refém do cultivo clandestino por anos até que a Justiça liberasse o habeas corpus em novembro de 2016. "Eu sempre tive uma intuição de que eu estava no caminho certo, e o que eu estava fazendo não era crime. Eu achava um absurdo as pessoas acharem que aquilo era crime", comenta Brito.

 

Pai mostra como produz óleo de maconha em casa

"A doença não espera", afirma Carlos, que há um ano aguarda o parecer da Justiça. E ele não é o único a se sentir assim. De acordo com os dados da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, até setembro de 2018, apenas 25 brasileiros possuíam o direito de cultivar maconha para fins medicinais. Até o momento, as autorizações dizem respeito a pacientes com diagnóstico de dor neuropática, epilepsia, Parkinson, esclerose, artrose e câncer.  

Para o médico Ricardo Ferreira, especialista em coluna e tratamento de dor, é necessário que a Anvisa se mobilize o quanto antes para regulamentar o cultivo de maconha medicinal. "E eu acho que ninguém deveria ter o poder de inibir uma pessoa de buscar a melhoria da sua qualidade de vida, nenhuma lei, nenhuma regulamentação e muito menos uma agência regulamentadora como a Anvisa, que deveria prezar pela vida."

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Estadão
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