Paixão pelo computador? Veja exageros tecnológicos
Vencedor do Oscar e Globo de Outo, 'Ela' mostra relação entre homem e sistema operacional e sugere discussão sobre dependência de tecnologias
Um homem triste após passar por um divórcio encontra consolo ao se apaixonar por uma voz no computador, mais precisamente um sistema operacional. Parece uma realidade muito distante? Pois é essa discussão que, de certa forma, propõe o filme Ela, vencedor do Globo de Ouro e do Oscar como Melhor Roteiro.
Dirigido por Spike Jonze, o enredo conta a história de amor do solitário Theodore Twonbly, vivido pelo ator Joaquin Phoenix, por Samantha, o sistema operacional dublado por Scarlett Johansson. Além de organizar seus e-mails, lembrá-lo dos compromissos, a tecnologia mostra ainda intimidade e preocupação com seu dono, aplacando a solidão e estabelecendo um relacionamento amoroso.
A história parece meio irreal se analisada de forma distante e prática, já que não dispomos de tecnologias tão avançadas, ainda. No entanto, o filme acende a observação de como as tecnologias e a internet vêm ganhado, às vezes, mais espaço que pessoas de carne e osso na vida de gerações inteiras.
A dependência desses meios acaba gerando um isolamento entre as pessoas e o aumento da solidão, segundo explica o psiquiatra do Hospital das Clínicas, Gabriel Lopes. “A internet em si não é um problema, ela acaba sendo útil para conhecer pessoas e desenvolver relações, mas a sociedade tem esse problema crônico de solidão que não consegue resolver e acaba se refletindo na rede. A questão é pensar se é realmente necessário usar disso para ter a sensação de não estar sozinho?", explica o psiquiatra.
De acordo com ele, este comportamento é observado principalmente em países orientais, onde a tecnologia acaba se tornando uma via de mão dupla, já que seu excesso cria uma sociedade cada vez mais dependente, e é por meio dela que também se resolve, em certa medida, a solidão. A coreana Park Seo-yon, por exemplo, ganha mais de R$ 20 mil por mês praticando o “voyeurismo gastronômico”. Ela é paga para que interaja com pessoas do outro lado da tela enquanto jantam “juntos”, mas cada um na sua casa.
Pode parecer absurdo ter que recorrer a este serviço para ter companhia no jantar, mas muitas pessoas parecem não se sentir mais tão à vontade na companhia de um par. Segundo uma recente pesquisa do Boston Consulting Group, 21% dos americanos trocariam o sexo pelo acesso à internet.
O uso excessivo das redes sociais tem incomodado também os menos adeptos dos smartphones e gerou, inclusive, um vídeo promocional da Coca-Cola, em que eles sugerem a criação de um novo produto, o Social Media Guard, que é um cone de plástico colocado no pescoço que impede a pessoa de olhar para baixo e checar o celular. Segundo a empresa, o vídeo, filmado em Dubai, procura lembrar as pessoas de aproveitarem os momentos reais da vida.
Uma das classes mais incomodadas com as redes sociais são os chefs e gerentes de restaurantes, já que registrar o prato antes mesmo de observá-lo e, claro, saboreá-lo é uma moda recorrente. A hashtag #food tem mais de 80 milhões de publicações relacionadas no Instagram. Por isso, os donos do restaurante Bouley, em Nova York, proibiram tirar fotos dos pratos. Bem distante dali, o restaurante Abu Ghosh, em Jerusálem, oferece 50% de desconto para os clientes que desligarem o aparelho celular. O Eva, em Los Angeles, também adotou a política de reduzir a conta de quem deixar o telefone na recepção.
Outros são menos radicais e apostam mais em campanhas para conseguir resgatar as pessoas das telas. O espanhol Venga, que tem unidades no Rio e em São Paulo, criou a campanha “no me venga com wi-fi” e, quando os clientes procuram a rede móvel, encontram uma brincadeira: “Ah, larga o celular! Curta o momento. Uma dica do Venga”.