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Especialistas explicam quando brincadeira se torna bullying

Assunto voltou à discussão após caso de MC Gui com garotinha em trem na Disney

25 out 2019 - 16h44
(atualizado em 26/10/2019 às 10h20)
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Algumas pessoas ainda têm dificuldade para entender o limite entre uma 'simples brincadeira' e o bullying. Mas especialistas ouvidos pela reportagem do E+ dão uma dica certeira e que vale ouro: uma brincadeira passa a ser bullying quando causa sofrimento para o alvo e prazer ao que pratica.

O funkeiro MC Gui
O funkeiro MC Gui
Foto: Instagram/ @mcgui / Estadão Conteúdo

"Aquele que faz o bullying percebeu os aspectos mais vulneráveis da outra pessoa e tripudiou. Tripudiar está sendo usado aqui como sinônimo de humilhar, menosprezar, ou seja, com o objetivo destrutivo, como na estrutura perversa, na qual a dor do outro causa prazer naquele que atua", explica Nadia Aparecida Bossa, doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).

A psicóloga Camila Cury acrescenta: "O bullying é fruto de uma sociedade cada vez mais individualizada e competitiva, com poucos estímulos para a empatia e cooperação. Existem três comportamentos que permeiam o bullying: comportamento agressivo e negativo; comportamento executado repetidamente; comportamento que ocorre num relacionamento em que há um desequilíbrio e poder entre as partes envolvidas".

O cantor MC Gui publicou uma série de stories explicando sua motivação em postar vídeos de uma criança que estava no mesmo trem que ele durante viagem à Disney, nos Estados Unidos, o que lhe rendeu acusações de bullying na noite desta segunda-feira, 21. No vídeo, MC Gui diz: "Mano, olha isso... [risos]", antes de filmar uma criança que está a alguns metros dele no vagão. A garota parece perceber que está sendo gravada e alvo de risos, e, no vídeo, parece constrangida. O cantor se defendeu das acusações.

Em uma sociedade que é conhecida pela irreverência, existe ainda uma dificuldade em diferenciar o que é uma brincadeira saudável do que é bullying. E diversas personalidades têm se dedicado a discutir o assunto, como a funkeira Jojo Todynho, que chegou a dar palestra em escola após o desabafo de uma seguidora que estava sofrendo com a filha vítima da humilhação. O humorista Leandro Hassun também já se manifestou sobre os limites da comédia. "O humor não é para agredir ou ofender", refletiu o ator.

O bullying é um ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la, causando dor e angústia à vítima. É uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

Quando uns se divertem às custas de outros que sofrem, a vítima se reprime e pode apresentar desordens emocionais e comportamentais. E as consequências para as vítimas são inúmeras, como conta Camila Cury: "Baixo rendimento escolar, mudanças repentinas de humor, isolamento social ou predileção por adultos, perda da autoconfiança, desmotivação e insegurança na efetivação de tarefas e condutas escolares, doenças inventadas (dor de cabeça, náuseas...), linguagem corporal com ombros curvados, cabeça baixa, sem manter olhos nos olhos nos diálogos e falas com conceito de si mesmo distorcido em relação à competência acadêmica, conduta e aparência".

Como saber se o seu filho está praticando bullying

É comum para as crianças que praticam bullying colocar o outro para baixo para se autoafirmar. Os sinais são sutis, mas aparecem: a criança acaba tendo algum tipo de agressividade nas palavras, comportamentos e até intimidação. Comece a observar se o seu filho trata mal algum colega, familiar ou outras pessoas.

Como saber se seu filho está sendo vítima de bullying

Um em cada dez estudantes brasileiros é vítima de bullying, de acordo com dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Quem sofre esse tipo de violência dará sinais de isolamento social, tristeza frequente, raiva excessiva e mudanças repentinas de humor. Os adultos precisam ficar atentos também ao fato de a criança não querer sair de casa ou até mesmo ir à um lugar específico, pois pode ser lá que ocorre o bullying.

"É importante destacar que além de vítima e agressor, o bullying também envolve o observador, que pode ser ativo (não agride, mas apoia quem agride e se diverte com a situação) e o neutro, que não concorda com a atitude do agressor, mas não se manifesta", de acordo com a psicóloga Camila Cury.

Uma dica de filme sobre o tema é O Extraordinário, que mostra os comportamentos da vítima, do agressor, da família e do observador.

Assista ao vídeo:

O que é ciberbullying?

Quando os atos agressivos e humilhantes saem da vida real e vão parar na internet são chamados de ciberbullying. Ele é definido como intimidação sistemática na rede mundial de computadores com uso de ferramentas para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

Ao humilhar a garotinha no ônibus e publicar o vídeo na internet, MC Gui promoveu a violência em escala mundial. Na avaliação da psicóloga Camila Cury, o caso pode ser caracterizado como cyberbullying. "Começou com uma brincadeira isolada, mas ao jogar na internet, expôs a vítima a milhões de pessoas, que tiveram acesso e puderam incentivar ou não o comportamento, e nessas situações, ocorre o cyberbullying", explica.

Em outubro deste ano, a morte da cantora de k-Pop Sulli, de 25 anos, também gerou debates sobre o tema. Nas redes sociais, fãs e amigos atribuíram o trágico episódio a uma série de ataques que ela vinha recebendo na internet. A principal suspeita dos investigadores é de suicídio.

Prevenção

O manejo das emoções no ambiente escolar, já na primeira fase do desenvolvimento infantil, pode prevenir uma série de situações como a depressão, ansiedade, bullying e risco de suicídio. O presidente Jair Bolsonaro vetou, integralmente, um projeto de lei que torna obrigatória a prestação de serviços de psicologia e serviço social nas redes públicas de educação básica. No entanto, profissionais ouvidos pela reportagem do E+ acreditam que educadores e psicólogos treinados para esse tipo de abordagem seriam imprescindíveis para minimizar danos de situações emocionais mais delicadas.

"Crianças que passam por qualquer problema psicológico devem receber a mesma atenção que aquelas que passam por problemas físicos, por doenças como o sarampo, por exemplo. Assim como uma criança doente não consegue ir para a escola estudar e aprender, uma criança com problemas psicológicos também não consegue", avalia a neuropsicóloga Gisele Calia.

Dicas para os adultos

Para pais e mães, o mais indicado é observar qualquer mudança de comportamento dos filhos, seja sozinho ou em grupo. Procurar saber sobre o que ele está sentindo em relação às outras pessoas que o cercam. Porém, vale destacar três dicas valiosas de Nádia Aparecida Bossa, doutora em psicologia da USP:

  • Saber enxergar quando uma brincadeira aparentemente 'inocente' resulta de uma atuação perversa (a maldade implícita);
  • Tornar consciente àquele que pratica o bullying sobre quais são suas reais motivações;
  • Não deixar uma situação de bullying, em hipótese nenhuma, passar sem conscientização e repreensão.

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