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Elas oferecem serviço de reparo doméstico para LGBTs e mulheres com medo de receber homens em casa

Engenheiras civis e arquitetas fazem reformas e manutenções residenciais para grupos sociais vítimas do assédio e da homofobia; conheça 11 serviços espalhados pelo Brasil

21 mar 2020 - 07h11
(atualizado em 19/4/2020 às 21h17)
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"Marido de aluguel" é uma expressão do passado. Com o avanço das discussões sobre machismo e a frequente divulgação de dados sobre violência contra mulheres e LGBTs, profissionais da construção civil estão investido cada vez mais em serviços de manutenção residencial voltados para esses públicos.

A engenheira, projetista e paisagista Juliana Padilla é um exemplo disso. Aos 26 anos, ela trabalha com duas sócias fazendo reparos domésticos e viralizou no Twitter, em fevereiro, ao oferecer seus serviços para pessoas que sentem medo de receber homens em casa. "Conserto chuveiros, instalo cortinas, faço reformas em geral, monto jardins, fixo prateleiras e suportes de TV, entre outras coisas", diz ela ao E+.

As habilidades de Juliana chamaram a atenção de milhares de usuárias da rede social, e não demorou muito para o tuíte trazer bons frutos: em menos de um mês, a profissional recebeu mais de 500 mensagens no Instagram com pedidos, elogios e sugestões. "Tive centenas de solicitações, incluindo projetos de arquitetura, design, reformas de apartamentos e construções de casas do zero", afirma.

Entre as novas clientes, está a gestora de Recursos Humanos Fernanda Simões. Ela mora sozinha em São Paulo há dez anos e, por medo, sempre inventou figuras masculinas ao receber um homem em casa para reparos domésticos. "Já fui alvo de olhares esquisitos, propostas estranhas e então comecei a mentir, dizendo que meu irmão estava chegando ou ficava no telefone fingindo que era meu namorado. Com uma mulher eu me sinto mais segura", conta.

A produtora de eventos Camila Pickersgill, também opta pelos serviços do público feminino e compartilha da mesma opinião. "Ter a opção de contratar uma mulher para manutenção permite que fiquemos à vontade na nossa própria casa. Quando precisamos receber um prestador de serviços em casa, geralmente temos que pensar na roupa para evitar violência", afirma. Vale ressaltar que a 'violência' a qual Camila se refere não é só física, mas também cantadas, insinuações, contatos íntimos e qualquer outro constrangimento que coloque em xeque a integridade da pessoa.

O receio não é para menos: segundo o Monitor da Violência, do G1 com o Núcleo da Violência da USP, o Brasil teve 3.739 homicídios dolosos de mulheres em 2019, sendo 1.314 mulheres mortas por serem mulheres - o equivalente a uma morte a cada sete horas. Só no Estado de São paulo, esse tipo de crime correspondeu a 154 casos, superando os 134 feminicídios registrados em 2018.

Diante desse problema, Juliana Padilla sonha em ajudar pessoas a fugirem dessas estatísticas por meio de sua profissão. Ela pretende criar uma cooperativa para ajudar ainda mais mulheres e LGBTs, além de atender a casos mais complexos, como conserto de telhado, problemas maiores de encanamento, instalações elétricas de grande porte e obras públicas. O trabalho da engenheira pode ser visto pela página dela no Instagram.

Entre o avanço e o preconceito

As noivas Larissa Deonato (arquiteta de 23 anos) e Tamires Lucena (engenheira civil de 24) também seguem firmes no setor. As duas são donas da empresa Project 8 e não tinham muita noção do interesse de mulheres nesse tipo de serviço antes do tuíte de Juliana. Embora as duas acreditem que o mercado de reparos domésticos de mulher para mulher tenha potencial para crescer, elas ainda enxergam preconceito, inclusive entre o próprio sexo feminino. "Existem muitas mulheres que ainda acham que o serviço de construção civil é só para homens", afirma Larissa.

Juliana Padilla também enxerga preconceito e diz que o machismo atravessou sua vida profissional. "Na faculdade, professores me desencorajaram de trabalhar em canteiro de obras, diziam que não iam me respeitar e que era melhor eu ficar mais num escritório que em campo", recorda. "Quando eu trabalhava em escritório, assinava as plantas com meu sobrenome e sempre os clientes me procuravam como o engenheiro [com artigo masculino] Padilla. Não imaginavam uma figura feminina."

A engenheira se revolta com isso não só pelo machismo, mas também pelo seu histórico de vida. Moradora de periferia e oriunda de uma família de operários da construção civil, ela aprendeu desde cedo a fazer consertos domésticos e não se intimidava com o trabalho manual. "Minha mãe me ensinou a fazer concreto, consertar chuveiro e outros reparos. Quando eu era criança, ajudava [meus familiares] a carregar blocos e mexia em ferramentas e materiais de obra. Sempre me incentivaram a criar e aprender coisas desse universo", conta.

Juliana lembra ainda que quando trabalhava na construção de torres, precisava subir e fiscalizar as unidades sozinha num prédio com pouca iluminação e lotado de homens desconhecidos. "Sentia os olhares lascivos durante todo o dia. Eu subia correndo, falando no rádio com alguém e evitava usar maquiagem ou acessórios que chamassem atenção", lamenta.

Apesar dessa realidade ainda existir, o avanço das iniciativas anima as empresárias. A mineira Paloma Cipriano, de 27 anos, acumula mais de 860 mil seguidores no YouTube com dicas sobre tudo que envolve reformas, construção e manutenção residencial: como passar massa corrida, como rebocar parede, como assentar piso e centenas de outros temas, incluindo dicas de decoração, reviews de ferramentas e tutoriais de ideias criativas, como um passo a passo de como fazer uma piscina de caixa d'água. Ela economizou cerca de R$ 25 mil construindo a própria casa e hoje ganha a vida com o seu canal.

Veja outros serviços de reparo doméstico para mulheres e LGBTs

Além do trabalho de Juliana, Larissa e Tamires, outras empreendedoras da construção civil oferecem manutenção residencial ou oferecem cursos desse tipo de trabalho para o público feminino. Confira abaixo:

Manas à Obra (São Paulo, capital)

A empresa se define como uma iniciativa criada para assegurar a integridade física, moral, psicológica e social de mulheres e LGBTs, evitando que esse público seja vítima de abusos, assédios ou discriminação dentro de casa. No site, a equipe afirma que gera empregos para mulheres e pessoas trans, fazendo reformas, manutenções e elaborando laudos técnicos, inspeções, consultorias e vistorias de imóveis e obras. Acesse aqui.

Se vira, mulher! (São Paulo, capital)

A empresa, criada em São Paulo, não presta serviços, mas é uma escola com cursos voltados para a capacitação de mulheres em reparos domésticos, como marcenaria, elétrica, hidráulica, pintura, jardinagem e revestimento de parece e piso por preços acessíveis. Até agora 1994 mulheres participaram, em 171 cursos realizados em 13 cidades brasileiras. Para mais informações, entre aqui.

Mana Manutenção (São Paulo, capital)

A empresa tem mão de obra exclusivamente feminina com foco no empoderamento de mulheres clientes e funcionárias. Tudo começou depois que a fundadora Ana Luisa sofreu um caso de assédio de um prestador de serviço em sua casa. A equipe do Mana oferece todo mês cursos envolvendo a construção civil, como os módulos de manuseio de ferramentas, elétrica básica, pintura e manutenção hidráulica. Confira aqui.

Entre Minas (Salvador)

O Entre Minas, na capital baiana, existe desde 2015 e é voltado somente para mulheres. A empresa atua com serviços variados: reforma de móveis, instalação de móveis, circuitos elétricos e aparelhos eletrônicos, pinturas, consertos hidráulicos, jardinagem, decoração de ambientes, fabricação de móveis e cenografia. Mais informações aqui.

Ela Repara (Rio de Janeiro, capital)

É um serviço de manutenção não só para mulheres, mas também idosos que se sentem vulneráveis ao receber homens estranhos em casa. A empresa faz pequenos reparos elétricos e hidráulicos, pinturas em geral, montagem de móveis e instalação de ventiladores de teto, luminárias, prateleiras, máquinas de lavar etc. Mais informações aqui.

S.O.S Gurias (Porto Alegre)

A empresa é tocada por duas mulheres, que realizam reparos residenciais e montagens de móveis desde 2016 em Porto Alegre e regiões cubertas pelo sistema de metrô da cidade. Saiba mais detalhes aqui.

Marida de Aluguel (Curitiba)

"Se precisarem de algo, que o maridão não está podendo fazer agora, ou você mesma não tem paciência ou prática, chame a Marida de Aluguel". É dessa forma que a equipe da empresa descreve o serviço para o público feminino. A iniciativa, composta por mulheres, também atende a homens e registra todos os trabalhos na página do Facebook. para mais informações.

Mari Donas (Curitiba)

A empresa curitibana oferece os mesmos serviços que as demais na capital do Paraná. Além disso, oferece cursos anunciados pelo Instagram e faz lives na rede social tirando dúvidas do público feminino sobre temas variados, como revestimento cerâmico, pintura e tijolo aparente. Veja aqui.

*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais

Estadão
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