Como traumas emocionais afetam o corpo?
Psicóloga explica que traumas podem desencadear inflamações, fragilizar o sistema imunológico e aumentar o risco de doenças físicas e mentais, mostrando que o corpo guarda as marcas das experiências
O impacto dos traumas emocionais vai muito além da mente. Pesquisas recentes em neurociência e psicologia demonstram que experiências adversas podem deixar marcas profundas no corpo. Assim, alteram o funcionamento do sistema nervoso, fragilizando a imunidade e até mesmo aumentando o risco para doenças físicas graves. Um dos maiores levantamentos nessa área, o Estudo ACE (Adverse Childhood Experiences), conduzido pelo CDC e pela Kaiser Permanente, acompanhou mais de 17 mil pessoas nos Estados Unidos e revelou que vivências traumáticas na infância, por exemplo, estão diretamente associadas a maior incidência de depressão, dependência química, doenças autoimunes e até câncer na vida adulta.
O que são os traumas emocionais?
Segundo a psicóloga Bruna Côrtes, especialista em Psicotrauma e Terapia Sistêmica na Norte Saúde Mental, é importante compreender que o trauma não se resume apenas ao evento em si, mas ao que acontece internamente com a pessoa. "Trauma não é apenas aquilo que aconteceu (abuso, perda, negligência), mas o que acontece dentro da pessoa como resposta àquela situação difícil ou a um conjunto de circunstâncias difíceis. Para sobreviver e se adaptar, muitas vezes é preciso romper a conexão consigo mesma, perdendo autenticidade e segurança", explica.
O corpo humano responde a situações de estresse intenso por meio da ativação do sistema nervoso. Quando essa ativação se prolonga, ocorre um estado de alerta crônico que desgasta o organismo. "O trauma gera uma ativação do sistema nervoso que, a longo prazo, nos rouba a capacidade de retornar a um estado de calma. Esse estado crônico de alerta desgasta o organismo porque o cortisol circulando sem função causa inflamações. Isso fragiliza o sistema imunológico e desequilibra hormônios", destaca.
Rompimento com as próprias emoções
Pesquisas da Harvard Medical School mostram que níveis elevados de cortisol estão ligados ao aumento de inflamações sistêmicas e podem contribuir para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e transtornos de humor. Outro aspecto importante é o rompimento com as próprias emoções, estratégia de sobrevivência adotada ainda na infância. "Quando falamos em romper a conexão com nós mesmos para sobreviver às circunstâncias desfavoráveis, o primeiro rompimento é com as nossas emoções — raiva, tristeza, medo, impotência. Fazemos isso para manter a conexão com figuras das quais somos dependentes, geralmente nossos pais ou cuidadores primários", ressalta a psicóloga.
Esse processo ocorre porque a criança depende emocionalmente do afeto dos cuidadores. "Funciona assim: se eu sentir e demonstrar muita raiva, meu cuidador ou cuidadora me pune com a retirada do amor. Como eu preciso mais do amor da minha mãe do que da minha raiva, eu rompo com o que eu sinto para que minha mãe não me abandone emocionalmente", exemplifica.
Qual a consequência?
A consequência, no entanto, é a interrupção do fluxo natural das emoções. Ao bloquear os sentimentos, o organismo não consegue processar a carga de estresse gerada pelas experiências difíceis. Essa energia, não elaborada, permanece acumulada no corpo, manifestando-se de forma somática. "Esse bloqueio impede que o organismo processe a carga de estresse, portanto ela continua dentro de nós, gerando consequências físicas e emocionais. É quando o corpo fala aquilo que a nossa voz cala", diz a especialista. Pesquisas publicadas no Journal of Psychosomatic Research confirmam que traumas emocionais não resolvidos estão ligados a dores crônicas, fadiga e distúrbios gastrointestinais. A ciência aponta que a integração entre corpo e mente é essencial para a saúde.
Práticas terapêuticas voltadas à reconexão com o corpo ajudam a liberar as tensões acumuladas e restaurar o equilíbrio do sistema nervoso. "Quando recuperamos a presença no corpo e permitimos que as cargas de estresse cumpram seu curso, recuperamos também a conexão com a nossa autenticidade", conclui Bruna Côrtes. Cada vez mais, o tema ganha relevância na saúde mental e física. Compreender o trauma como uma experiência que ultrapassa o psicológico e atinge todo o organismo é um passo fundamental para tratamentos mais completos e eficazes, capazes de resgatar a integridade emocional e física das pessoas.
Sobre Bruna Côrtes
Bruna Côrtes é psicóloga formada pela PUC do Rio e Diretora Técnica e Psicóloga Clínica na Norte Saúde Mental. Com mais de 15 anos de experiência, atuando em diversas frentes, incluindo a Santa Casa de Misericórdia, instituição referência em atendimento e promoção de saúde no Brasil, ela é especialista em Psicotrauma e Terapia Sistêmica. É também professora e supervisora de terapeutas em formação, além de palestrante e facilitadora de vivências psicológicas coletivas.