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Black Friday: por que compramos compulsivamente

Somos viciados em comprar? Nesse artigo questionamos essa ideia e revisamos a importância do contexto social nos nossos hábitos de consumo: quanto, o que e quando consumimos.

26 nov 2024 - 11h56
(atualizado em 28/11/2024 às 10h37)
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Para professor de psicologia da Universidade de Navarra, compulsão por compras pode ser um problema social, não individual
Para professor de psicologia da Universidade de Navarra, compulsão por compras pode ser um problema social, não individual
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A Black Friday está chegando e, com ela, as aglomerações de consumidores dispostos a lutar para conseguir os melhores descontos e ofertas.

Neste ano, as ofertas incluem até novos produtos e serviços de clínicas de reprodução humana. Como explicar esses níveis de consumo? Somos viciados em comprar? Nesse artigo questionamos essa ideia e revisamos a importância do contexto social nos nossos hábitos de consumo: quanto, o que e quando consumimos.

Compulsão por compras?

O problema de comprar em excesso não é novo e as tentativas de explicar o fenômeno como resultado de um transtorno também não. Em 1915, o psiquiatra Emil Kraepelin o definiu como "mania por compras" ou "oniomania".

Em 1924, Eugen Bleuler definiu comprar em excesso como um "impulso incontrolável por compras" ou "loucura impulsiva", juntamente com a cleptomania ou a piromania.

Recentemente, foi redefinido como transtorno aditivo ou obsessivo-compulsivo, apesar de não ter sido incluído nos manuais de diagnóstico de referência em saúde mental.

Sem dúvida, a perda de controle nas compras, que persiste apesar das suas sérias consequências para o consumidor, é real. No entanto, os limites que separam os consumidores comuns daqueles que compram de maneira "patológica" não estão claros, e sua delimitação arbitrária de diagnóstico perpetua o mito de que a cura será mais fácil com tratamentos psicofarmacológicos.

Ou seja, contribui para medicalizar mais um aspecto da vida cotidiana, apesar de não existir nenhum tratamento psicofarmacológico específico e eficaz para esse problema. Além disso, desvia a atenção do contexto social em que ocorre.

Para muitos consumidores com ou sem problemas, ir às compras funciona como ir à farmácia, como uma estratégia de enfrentamento para regular nosso humor. Portanto, as diferenças entre um consumidor e um consumidor com dependência parecem ser mais quantitativas que qualitativas.

Obsessão por compras pode ser problema social

A perda de controle nas compras pode ser considerada não apenas um problema individual, mas um sintoma de um problema social. A expressão do consumismo, que se caracteriza pela compra ou acumulação de bens e serviços não essenciais, constitui o objetivo final da economia para garantir o crescimento constante.

As marcas competem para vender mais e os consumidores por comprar mais. Segundo o economista Victor Lebow, o consumismo se converteu em um estilo de vida. Alguns dos fatores contextuais que contribuem para explicar a crescente perda de controle sobre as compras são:

1) Aumento da facilidade em comprar pela internet e com cartões de crédito. Isso reduz o intervalo entre o impulso ou desejo de comprar e a finalização da compra. Atualmente, é possível comprar com um só clique.

2) Os descontos, as ofertas e promoções limitados por tempo ou unidades favorecem a urgência da compra, porque supervalorizamos produtos difíceis de conseguir e supostamente escassos.

3) Os meios de comunicação em massa e as redes sociais multiplicam as oportunidades de nos compararmos com pessoas de fora da nossa esfera de contato e classe social, aumentando, com isso, nossos desejos.

4) A publicidade favorece compras que supervalorizam bens materiais desnecessários e gera novas necessidades que se satisfazem mediante o consumo materialista.

5) As modas favorecem o consumo, desvalorizando rapidamente o valor do que é comprado e reforçando o desejo de comprar novos produtos.

6) O narcisismo converte o consumo compulsivo em um ritual de autocomplacência voltado a satisfazer nossos egos.

7) Os hábitos de consumo são indicadores de nosso status, aceitação e prestígio social. As compras constituem um meio para manter e alcançar o status desejado. Mesmo que isso signifique economizar menos ou se endividar, porque a impossibilidade de consumir afetaria nossa estima e reconhecimento social.

Em 1924, Eugen Bleuler definiu comprar em excesso como um "impulso incontrolável por compras" ou "loucura impulsiva", junto com a cleptomania ou a piromania
Em 1924, Eugen Bleuler definiu comprar em excesso como um "impulso incontrolável por compras" ou "loucura impulsiva", junto com a cleptomania ou a piromania
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Isso é importante porque, paradoxalmente, se incentiva o consumo em um contexto de poder aquisitivo cada vez mais desigual: oito pessoas ganham mais que a metade da população mundial.

Além disso, os custos derivados da maximização das margens de lucro — produzindo mais, mais rápido e mais barato — estão se tornando cada vez mais evidentes, tanto em termos de precárias condições de trabalho, quanto em termos de grave deterioração ambiental.

Assim, embora os níveis de consumo tenham atingido níveis recordes após a pandemia, os problemas de saúde mental também registram números recordes.

As compras numa sociedade de consumo

O sucesso da Black Friday é um símbolo do êxito do consumismo como forma de vida na sociedade atual, onde consumimos, substituímos e descartamos num ritmo cada vez maior e, portanto, insustentável.

A natureza irracional e compulsiva das compras, especialmente durante a Black Friday, seria o resultado esperável dentro do contexto disfuncional da nossa sociedade de consumo, enquanto um diagnóstico simplesmente rotula esse padrão de consumo irracional sem explicar por que ocorre.

Como consequência, a redução das taxas de compras compulsivas não pode se limitar ao diagnóstico e tratamento de casos individuais, mas também atuar nos determinantes sociais do consumo. Não apenas adotando hábitos de consumo éticos, socialmente responsáveis e sustentáveis, mas também padrões de produção que vão além da busca pela maximização dos lucros para empresas privadas.

Precisamos de mais cidadãos informados e participativos na tomada de decisões que os afetam e menos consumidores passivos, vulneráveis às estratégias de marketing e sem controle sobre o que, quanto e como consome e produz.

*Pablo Ruisoto é professor de Psicologia da Universidade de Navarra

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).

Esta reportagem foi publicada originalmente em 24 de novembro de 2021.

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