'Ser metido não tem nada a ver com ser chique', diz stylist Felipe Veloso
Em entrevista exclusiva ao Terra, o stylist falou sobre a rotina de uma semana de moda, inspirações, tensões e o mundo fashion
O stylist Felipe Veloso é do tipo que não dá para não notar. No backstage da grife Nica Kessler, na última quinta-feira (18), no Fashion Rio, ele falava com as modelos, mexia nas araras e cumprimentava todo mundo. Além disso, o figurino não era nada discreto: calça estampada, blusa camuflada e um enorme colar que lembrava um adereço indígena, na cor azul turquesa.
Famoso no mundo da moda, ele atendeu ao Terra com uma calma pouco compreensível para quem estava a poucos minutos de mais um desfile. "Eu já tive incêndio, cancelamento, menina que desmaia na fila. Uma vez a Ana Hickmann teve cãibra, ficou atravessada numa salinha minúscula, aquela muher com pernas gigantes", contou, rindo, justificando o motivo de tanto equilíbrio.
Para ele, estilo tem mais a ver com personalidade e autoestima do que com tendência. "A Alcione Marrom com aquelas unhas dela, acho aquilo incrível. Aí você vai falar se é chique ou não, mas o que sería dela sem as unhas dela? É um traço da personalidade dela que vira uma referência e dignifica aquela pessoa de uma forma muito legal", observa. Confira a entrevista na íntegra:
Terra - Como funciona o seu trabalho?
Felipe Veloso - Um stylist é um olhar externo, eu sempre brinco que é aquele seu amigo que vai te ajudar a se arrumar quando você tem um casamento e não sabe o que vai fazer com o seu guarda-roupa. Quando uma marca ou uma confecção vai fazer um desfile, ela precisa de alguém para juntar aquilo e coordenar e contar aquela história para as pessoas sem usar os hábitos de montagem que ela tem. Assim como você está acostumada a usar aquela camiseta sua sempre com aquela calça, a estilista também. Quando ela desenha uma coleção, ela coordena os tecidos e é quase como se ela congelasse, para ela fica difícil combinar de outro jeito.
Terra - Quando começa o seu trabalho para uma semana de moda como essa?
Felipe Veloso - Dependendo de um trabalho em um desfile eu preciso começar três meses antes. Um sapato, por exemplo, você tem que pedir com dois meses de antecedência, você vai conceituando as ideias e acompanhando o desenvolvimento da coleção até chegar mais próximo, já com as roupas prontas, para você poder juntar e coordenar. Também tem que escolher as meninas, o casting, que menina vai passar melhor aquela ideia, a música, que cenário vai ser melhor para contar aquela história. É um trabalho que começa basicamente três meses antes e vai pontuando, piorando quando chega mais perto.
Terra - Então você se envolve com todas as etapas de um desfile?
Felipe Veloso - Eu acho que é importante se envolver porque é como uma peça de teatro. Não adianta a gente achar que o figurino vai ser lindo se a música tiver um outro clima o cenário não valorizar o que ele está mostrando. Em um desfile são tantas as demandas que você precisa até de um diretor para fazer isso. De um modo geral o stylist no desfile vai ser essa pessoa que vai coordenar, o cenário, a trilha, o andamento, o casting, a beleza, para juntar isso tudo e contar melhor a história dele na verdade. Você repassa um pouquinho a sua responsabilidade e também ajudar a contar o seu trabalho.
Terra - No backstage, você tem que coordenar tudo?
Felipe Veloso - Eu sempre falo que no backstage o que a gente faz é 50% criativo, as ideias, o desenvolvimento, a viagem, e 50% é a organização. Porque a gente tem mil métodos, desde a entrega da estampa, o tecido que vai ser, o tempo de entrega do sapato, o tamanho do sapato. Não adianta eu ter uma ideia incrível se na hora que ela for fazer uma troca de roupa o sapato dela não tiver ali embaixo, ela não entra. Ou de repente se o brinco estiver errado. Então são mil pequenos detalhes que são moldados e que têm, claro, um processo criativo e artístico, mas que tem uma parte de organização que são fundamentais. Chega no dia, é organização pura, porque o artístico já foi todo bolado e pensado, mas aqui você tem que estar tudo embaixo da arara, com nome, bonitinho.
Terra - Na hora do desfile, o que é mais tenso?
Felipe Veloso - Não é tenso, mas é meio um espetáculo de teatro. Só que quando um ator faz uma peça, ele ensaia vários dias, ele faz uma prova de figurino, ensaia luz. A gente não tem essa disponibilidade. O cenário é marcado uma vez, a luz é marcada no dia, as meninas provam a roupa mas só estão todas juntas no dia, a beleza tem que ser executada em 20 meninas em um dia, aí a equipe de maquiagem tem que fazer a maquiagem em 15 minutos. São mil fatores dessa parte de coordenação que só acontecem aqui. E é muito louco você imaginar que isso tudo leva meses para ser feito, vai chegando em cima da hora, duas horas para tudo ser organizado e aquilo só dura oito minutos. É uma obra de arte instantânea.
Terra - Quais foram as situações mais tensas que já viveu no mundo da moda?
Felipe Veloso - Ontem mesmo, no desfile que estávamos fazendo, uma menina foi levada para o camarim errado. Então são mil adversidades. Eu já tive incêndio, cancelamento, menina que desmaia na fila. Uma vez a Ana Hickmann teve cãibra, ficou atravessada numa salinha minúscula, aquela muher com pernas gigantes.
Terra - Com que modelos famosas já trabalhou?
Felipe Veloso - Já trabalhei com Kate Moss, com Naomi (Campbell), essas meninas do Brasil todas são queridas, Ana Claudia Michels, Isabeli (Fontana). Eu sempre falo que não faz diferença você ser famosa ou não. Claro que todo mundo tem sua bagagem, mas essa admiração hoje em dia não é mais uma vaidade ligada ao mundo das celebridades. Às vezes é até mais legal você trabalhar com uma menina que você nunca trabalhou, mas é uma super modelo.
Terra - Qual é a melhor e a pior parte do mundo da moda?
Felipe Veloso - Acho que o melhor e o pior estão sempre juntos em tudo. Acho que o pior é essa vaidade, acho que a gente herdou, de antigamente, a coisa de achar que ser talentoso é ser nojento, a moda tem um lado esnobe que a gente herdou de uma mentalidade de ser metido. Ser metido não tem nada a ver com ser chique, com ser bacana. É uma profissão em que a vaidade é um componente muito intenso e as pessoas desvirtuam isso. Acho que o melhor é perceber que a vaidade não está ligada a essas coisas e você encontra pessoas que passam a ser suas amigas. Tem menina que a gente convive desde novinhas. A Ana Claudia (Michels), por exemplo, está com 30 anos! Eu conheço ela há 17 anos. As pessoas que você angaria ao longo destes anos é a coisa mais legal e a coisa mais chata são as que desvirtuam isso.
Terra - Quais são suas dIcas para não pesar muito a mão no estilo e acabar não combinando nada com nada?
Felipe Veloso - Eu sou muito contra regras, acho que o importante é o seu bem-estar e sua autoestima, e autoestima não tem regra. Eu sempre falo que quando você veste alguma coisa que tem a ver com você, e insiste nisso com personalidade, você vai arrebentar. Acho chato pensar que a baixinha nunca vai usar uma bota, que a gordinha não vai usar nada marcado. Acho que essas regras todas não existem. Se você insiste em uma coisa que tem a ver com você, com a sua personalidade, sempre vira um estilo.
Terra - Quem, para você, é referência de estilo hoje no Brasil?
Felipe Veloso - Tem tantas pessoas. O Paulinho da Viola é um homem elegantíssimo. A Alcione Marrom com aquelas unhas dela, acho aquilo incrível. Aí você vai falar se é chique ou não, mas o que seria dela sem as unhas dela? É um traço da personalidade dela que vira uma referência e dignifica aquela pessoa de uma forma muito legal.
Terra - Qual é o seu estilo?
Felipe Veloso - Sou muito avesso a isso, talvez por uma deformação profissional (risos). Tenho quase uma vontade de não ter um rótulo.