Casa de Criadores traz moda inclusiva, upcycling e anticonsumismo
O segundo dia da 57ª edição da Casa de Criadores apresentou seis desfiles, entre eles, de moda inclusiva, tão necessária e tão relegada. Além disso, o upcycling foi um dos pontos em comum entre a maioria das seis grifes que se apresentaram Teve ainda crítica ao consumo desenfreado.
Na passarela, modelos com necessidades especiais mostraram coleções pensadas desde a criação até o vestir, lembrando que a moda só existe plenamente quando contempla todos os corpos. A Collab Moda Inclusiva + CdC reforçou que adaptação não deve ser exceção.
Peças reconstruídas, materiais reaproveitados e processos que transformam descartes em linguagem autoral mostraram que sustentabilidade e experimentação avançam juntas. Entre corpos diversos e roupas que nascem de reúso, o evento apontou para um futuro em que moda acessível e moda consciente caminham lado a lado. Veja mais detalhes das apresentações.
Lucas Caslú
Lucas Caslú abriu a 57ª Casa de Criadores com coleção Saldos, assinatura que marca sua terceira participação no evento em menos de um ano e que reflete contra o consumismo em massa. O designer levou à passarela peças construídas por upcycling, com materiais reaproveitados de lojas e estoques, mantendo fillete, sarja, tafetá, plástico, tampinhas de garrafas pets, jeans, voal de algodão e tricoline como base do processo. O desfile reforçou o caminho do estilista desde sua entrada no line-up após o Desafio Sou de Algodão + Casa de Criadores.
Na apresentação, Caslú retomou técnicas de drapeado, alfaiataria, camisaria e bolsas estruturadas, que moldam o maximalismo geométrico que ele vem desenvolvendo. Daí, volumes enormes, sobreposições, além de rostos cobertos ou pintados, como o da maquiadora Maxi Weber, com peruca e rosto vermelhos, além de looks feitos com etiquetas de roupas.
O desfile trouxe novamente a drag Ottair, que lançou a faixa "Autenticídio" na passarela. De acordo com o material de divulgação, o designer encerra esse ciclo de desfiles para concentrar a marca em Goiás, mantendo o foco no reaproveitamento e na reflexão sobre o consumo e o valor do processo criativo.
Moda Inclusiva — Collab CdC + Moda Inclusiva
O desfile da Collab Moda Inclusiva + Casa de Criadores mostrou, na 57ª edição do evento, que a moda precisa ser pensada para todos os corpos — não como promessa, mas como prática real. Modelos cegos, cadeirantes e pessoas sem alguns membros atravessaram a passarela com propostas feitas desde o esboço para atender outras possibilidades de vestir.
A apresentação lembrou que, por muito tempo, a moda disse ser universal, mas deixava muita gente de fora — nos cortes, nos tamanhos, nas escolhas que definem quem aparece e quem desaparece. Roupas para o dia a dia e até um vestido de noiva cruzaram a passarela.
Os 20 projetos apresentados reforçaram que adaptação não é concessão: é design. Cada look surgiu como declaração de que vestir é exercício de autonomia e não de exclusão. A Collab, agora em sua terceira edição, reafirmou o que ainda precisa soar como novidade — a moda como linguagem acessível, criada com o outro em mente, do primeiro desenho ao aplauso final.
Creations LI L
A Creations LI L apresenta Undergrounders, coleção de Marcelo Mariani que estreou na Casa de Criadores a partir de um acúmulo de processos feitos à margem. O trabalho parte do subterrâneo como ponto de origem: produção sem holofote, sem apoio e a partir de materiais descartados pelo mercado.
De acordo com o estilista, em seu material de divulgação, a coleção reúne técnicas, erros, acertos e métodos desenvolvidos nos últimos anos, reorganizados como arqueologia pessoal do criador, com peças construídas, testadas, guardadas e retomadas até chegarem ao formato atual.
O processo aparece como discurso central. A marca explora upcycling radical ao converter jeans, couro automotivo, sarja militar, correntes, cintos e aviamentos em estrutura e arquitetura de moda, além de pintura, costura e bordado feitos manualmente. Um artista plástico assina acessórios estruturados como esculturas portáteis.
A paleta transita entre preto, prata, marrom, verde militar e azul jeans, com volumes que não seguem gênero. Mariani define a coleção como insistência em existir e produzir construção a partir do rejeito, reafirmando a Creations LI L como marca formada pela lógica do subterrâneo.
MARLO
A MARLO apresentou a coleção Intimate Dive como um retorno às bases criativas de Márcio Lopes. O estilista retomou elementos de três fases anteriores — Zero Point, Ilusion e Last Day on Earth — e reorganizou tudo em uma trilogia que revisita memórias e métodos. O trabalho nasce do upcycling desenvolvido em parceria com o Senac Moda, em um processo conduzido por Lopes e acompanhado pelas mentorias técnicas de Isabela Almeida e Ana Sudano.
No desfile, a fusão das três coleções apareceu em formas reconstruídas, modelagens desmontadas e peças que retomam códigos internos da marca. Intimate Dive funciona como um mergulho de Lopes em sua própria criação, projetando uma MARLO que busca respostas na própria trajetória. A coleção reforça o foco em sustentabilidade, experimentação e narrativas que atravessam o corpo, a matéria e o tempo.
N/E*RECYCLED
A N/E*RECYCLED apresentou uma coleção inspirada em Akira, retomando os arquétipos e as cores marcantes do filme de 1990 para orientar a construção das peças. A marca uniu essas referências ao upcycling e ao streetwear que já fazem parte do seu repertório, criando uma leitura própria do universo da animação sem abrir mão de sua linguagem.
Na passarela, a narrativa de AKIRA apareceu traduzida em formas, tensões e estruturas que deslocam elementos do mangá para o vestuário. A coleção funciona como diálogo e reinvenção: relembra a obra, reorganiza seus símbolos e projeta novos caminhos, afirmando a identidade consciente e experimental da N/E*RECYCLED.
Vinnicius Afonso
Vinnicius Afonso mostroi a coleção Fascínio como um mergulho no metalizado que atravessa o futurismo dos anos 1960 e o glam rock dos anos 1970. Na passarela, o jacquard apareceu como base de construções que retomam formas estruturadas, volumes híbridos e modelagens agênero, com blazers amplos, comprimentos longos e cintura marcada.
O desfile reuniu paetê, franjas, transparências, peças estruturadas e acessórios feitos com os mesmos tecidos dos looks, além de botas de salto alto que reforçam a narrativa do brilho como identidade.
As cores transitaram entre turquesa, fúcsia, verde militar, bordeaux, dourado, prata, verde elétrico, púrpura e preto, criando referências diretas ao futurismo e à estética glam. A coleção dialogou com figuras como David Bowie, Grace Jones, Michael Jackson, Elke Maravilha e Ney Matogrosso, retomando o metalizado como expressão e não como detalhe. Fascínio colocou o corpo como território de presença e gesto, transformando o brilho em manifestação de existência contemporânea.