COP-30: Qual o balanço das reuniões na Alemanha que podem definir sucesso ou fracasso de Belém
Financiamento climático travado acende alerta, mas Brasil consegue avanços em adaptação climática e transição justa rumo a uma economia de baixo carbono
BRASÍLIA - Fundamental para dar o tom da COP-30, a Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn, que acabou nesta quinta-feira, 26, na Alemanha, mostrou que o Brasil não terá tarefa fácil no encontro global que ocorrerá em novembro em Belém.
O financiamento climático segue, como diz o jargão das negociações, como o grande "elefante na sala". Após um acordo que frustrou as expectativas de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento na COP-29, em Baku, o tema voltou a ocupar grande espaço na agenda de Bonn e atrasar outros tópicos de discussão.
Apesar disso, os países conseguiram avançar em temas estabelecidos pelo Brasil como prioridade, como: adaptação climática e transição justa rumo a uma economia de baixo carbono.
"Dá para dizer que o Brasil foi sim aprovado no primeiro teste crucial. Essa conferência de Bonn mais facilita do que dificulta o trabalho dos negociadores em Belém", analisa Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, que acompanhou as negociações.
CEO da COP-30, Ana Toni, considerou os resultados positivos e destacou o contexto global complexo, marcado por guerras, entre outras questões. "Houve um pouco de dificuldade no início das duas semanas, mas todos vieram preparados para negociar. Temos textos, o que é uma notícia realmente excelente. Como eu disse, a geopolítica não ajudou, mas o regime climático demonstrou força", disse ela.
Financiamento
No ano passado, após um processo tenso de negociação, os países concordaram em fixar um valor de US$ 300 bilhões a serem financiados pelos países desenvolvidos para promover soluções climáticas nos países pobres. O valor foi bem aquém do US$ 1,3 trilhão apontado como o valor real necessário.
Como consequência, a insistência no tema na conferência em Bonn atrasou a discussão de pautas colocadas como prioritárias pelo Brasil no debate. Foram poucos avanços em relação, por exemplo, à adaptação às mudanças climáticas; transição justa para uma economia com baixo uso de carbono; e a discussão sobre o que foi acordado na COP-28, em Dubai, quando os países concordaram com uma transição rumo ao fim do uso de combustíveis fósseis.
"Financiamento vai continuar sendo um fantasma, isso vai ter potencial de atrapalhar bastante se não for bem conduzido. Se a gente tentar empurrar para debaixo do tapete, pode travar a agenda, travar várias salas de negociação, porque ele é transversal a todos os temas. O resultado de Baku, que foi muito ruim, está respingando e tem potencial de atrapalhar a COP-30?, explica Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima, que participou das discussões em Bonn.
Segundo Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, o processo de negociação climática ainda está paralisado "pelo trauma" de Baku. Ela afirma que o tópico tem sido lentamente esvaziado e fragiliza a confiança dos países nas negociações. "O tema do financiamento segue como o grande elefante na sala e Bonn falhou em criar um espaço claro para discutir como, de fato, os recursos necessários serão entregues", avalia.
Karen Oliveira, cofacilitadora da Coalizão Brasil e diretora para Políticas Públicas da TNC Brasil, explica que o impasse está exatamente na disponibilidade das nações ricas para chegar ao valor necessário.
"Não há uma clareza sobre que mecanismos podem ser adotados para que seu valor chegue a US$ 1,3 trilhão, já que as nações desenvolvidas dizem que não contam com mais recursos disponíveis", diz.
Durante coletiva de imprensa na tarde de quinta, a negociadora-chefe do Brasil, Liliam Chagas, afirmou que foi uma surpresa o tempo que as partes levaram debatendo o tema e que não esperava gastar dois dias da discussão no tópico.
"Tínhamos 10 dias de negociações — e perdemos dois. As salas de negociação tiveram que acelerar muito para conseguir chegar a acordos em temas como adaptação, cujo volume de trabalho é enorme", explicou.
Segundo ela, ao final, o tempo foi compensado, mas os países precisarão lidar com essas pendências antes da COP-30. A embaixadora citou, por exemplo, que a Índia já disse que quer retomar o tema em Belém. Apesar disso, a embaixadora brasileira considerou os resultados positivos e afirmou que os temas prioritários do Brasil estão "muito bem encaminhados para serem finalizados em Belém".
CEO da COP-30, Ana Toni, minimizou o impacto da discussão sobre financiamento. Ela argumentou que o tema sempre esteve na agenda desde a primeira conferência e que é positivo que o assunto esteja presente. "Na COP-30, certamente, financiamento será um tema central", disse. "Não deveria ser tabu falar sobre isso."
De acordo com fontes que participaram dos debates, o Brasil se esquivou do tema durante os debates em Bonn, na tentativa de não travar ainda mais a agenda, o que incomodou países que defendem maior contribuição das nações ricas. Nos bastidores, o Brasil, que historicamente negocia em bloco — com o G77 (grupo dos países em desenvolvimento), por exemplo — e defende maio contribuição dos países ricos, foi acusado de quebrar a unidade.
Combustíveis fósseis
Na COP-28, em Dubai, os países acordaram em promover uma transição rumo ao fim do uso de combustíveis fósseis. Desde então, no entanto, não foi definido como isso será feito.
A discussão sobre o assunto não é um tema previsto na agenda da COP-30, cujo mandato principal é rever as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa definidas no Acordo de Paris. Apesar disso, especialistas defendem que é preciso criar um espaço onde a implementação do que foi acordado em Dubai seja discutida.
"(O tema) Precisa vir para as negociações. Como? Não sabemos ainda. A gente precisa de um lugar para esse debate", explica Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.
Um dos locais onde o tema poderia ter sido levado mais a fundo era nos debates do chamado "Diálogo dos Emirados Árabes Unidos". Nessa instância, os países conversam sobre a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris, aprovado em Dubai. Esse debate, no entanto, foi um dos que menos avançou.
Tópico considerado prioritário para a presidência da COP-30, a transição justa — que prevê que esse processo seja feito de forma que os países pobres não sejam prejudicados — teve avanços. A forma como o texto foi construído abre a possibilidade de incluir em Belém mecanismos práticos para implementar essa transição.
"É um bom começo. O texto sobre transição justa não enfrenta as discussões mais difíceis que vamos ter que ter na COP, que é sobre medidas unilaterais, que bloqueou a agenda, nem sobre como a gente vai implementar a transição justa. Mas além de trazer uma boa base de princípios e o que se busca alcançar com a transição justa, deixa a porta aberta para essas conversas difíceis serem enfrentadas em Belém", avalia Stela Herschmann.
Os países também conseguiram incluir no texto-base, que será o ponto de partida para Belém, uma opção que cita o abandono do uso de combustíveis fósseis.
No texto sobre transição justa, uma das opções redação que vão para discussão em Belém fala sobre a importância de facilitar o acesso universal à energia limpa, a ampliação do uso de renováveis e a necessidade de apresentar oportunidades socioeconômicas de transição justa "para o abandono dos combustíveis fósseis".
Adaptação
Uma das principais vitórias da presidência da COP-30 foi avançar na Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês). Estabelecer parâmetros para promover a adaptação climática é um dos principais objetivos do Brasil, sobretudo após os desastres que atingiram o Rio Grande do Sul, no ano passado.
Perto da meia-noite no horário local, após bloqueios promovidos pela União Europeia, os países entraram em acordo sobre o texto do GGA e definiram que os indicadores sobre os meios de implementar a adaptação climática devem medir o financiamento voltado para essas ações.
O texto diz ainda que a métrica deve estar alinhada ao Acordo de Paris. Na prática, isso significa que os países ricos devem contribuir para financiar a adaptação dos países pobres.
Apesar disso, a sociedade civil considerou o texto aquém do necessário. A "Força-tarefa latino-americana Adaptação como Prioridade Rumo à COP-30? afirmou que a meta global "segue distante de responder com a urgência, o contexto e a justiça que a realidade exige."
A entidade também destacou o fato de os países não terem avançado nas negociações a respeito dos Planos Nacionais de Adaptação. Havia uma expectativa de garantir financiamento para esses planos e articulá-los com a meta global.
"É hora de estabelecer uma nova meta de financiamento para a adaptação que seja mobilizadora, suficiente e acessível para quem mais precisa. Essa é a linha vermelha para a justiça climática em Belém", afirmou Natalie Unterstell, que também integra a força-tarefa.
