O que é modelagem de nicho ecológico e como a ferramenta ajuda a combater pragas e proteger plantações
Os modelos mais recentes de nicho ecológico cruzam estatísticas históricas de ocorrência de espécies num determinado ecossistema com dados recentes de variáveis climáticas para estimar ocorrências de pragas no manejo de florestas e na agricultura
Você sabia que é possível prever, com ajuda da ciência, se uma praga pode atacar uma plantação, antes mesmo de ela chegar no local?
Essa previsão é possível graças a uma ferramenta conhecida como modelagem de nicho ecológico, cada vez mais usada por pesquisadores e instituições governamentais para antecipar riscos ambientais e planejar o manejo de pragas agrícolas e florestais.
Com o avanço da globalização, e o significativo aumento das relações comerciais entre os países, as mudanças climáticas e as invasões biológicas também se intensificaram.
Invasão biológica é a entrada e dispersão de uma espécie em um ambiente onde ela não existia, causando desequilíbrio ecológico.
Nesse sentido, entender onde uma espécie pode sobreviver e se espalhar é fundamental, tanto para pragas quanto para seus inimigos naturais, como insetos que atuam no controle biológico.
Mas afinal, o que é nicho ecológico? E como a modelagem funciona na prática?
A definição de nicho ecológico
O primeiro conceito de nicho ecológico foi descrito em 1917, pelo biólogo americano Joseph Grinnell, e foi caracterizado como os locais que uma espécie pode sobreviver, considerando fatores fisiológicos, alimentares e interações com outros indivíduos.
Atualmente, o termo é descrito como o papel ecológico que uma espécie ocupa dentro de um ecossistema, as condições necessárias para a sua sobrevivência e interação com outros organismos. Estamos falando de temperatura, umidade e luz. Estamos falando da função ecológica da espécie dentro do ecossistema (polinizadora ou decompositora, por exemplo). E também das interações com outras espécies (como competição, predação e mutualismo) e como essas relações afetam sua presença no ambiente
Podemos dividir esse nicho em duas partes:
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Nicho fundamental: são todas as condições ambientais em que uma espécie poderia viver, sem considerar limitações como inimigos naturais ou competição.
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Nicho realizado: representa onde a espécie realmente vive, considerando fatores ecológicos, geográficos e biológicos.
Modelos de nicho ecológico como o CLIMEX e o MaxEnt, utilizam dados de ocorrência da espécie (locais onde ela já foi registrada) e variáveis climáticas para estimar a distribuição potencial das espécies. Tais modelos utilizam o nicho fundamental como base teórica, pois não consideram as interações com outras espécies.
Portanto, os modelos conseguem prever onde existem condições ambientais ideais para a espécie de estudo, mas não consideram fatores como competição, barreiras geográficas, dispersão e inimigos naturais.
Como funciona a modelagem?
Os modelos são, em geral, representações simplificadas de fenômenos complexos. Na ecologia, essas ferramentas permitem que pesquisadores insiram dados reais (como registros de campo e variáveis ambientais) para simular a distribuição potencial de uma espécie no espaço geográfico, no clima atual ou em cenários de mudanças climáticas futuros.
Com esses modelos, é possível:
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Prever onde uma praga pode se estabelecer, mesmo em locais onde ela ainda não chegou.
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Avaliar os efeitos das mudanças climáticas sobre a distribuição de espécies.
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Identificar áreas vulneráveis à invasão de espécies exóticas, ajudando a traçar estratégias de prevenção.
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Planejar o controle biológico, identificando regiões onde um inimigo natural pode ser introduzido com sucesso.
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Apoiar políticas públicas voltadas para a conservação da biodiversidade e a segurança fitossanitária.
Essas ferramentas têm sido aplicadas, por exemplo, no combate a pragas que atacam culturas agrícolas e florestais importantes, como soja, milho e eucalipto.
Além disso, podem auxiliar diretamente no bem estar e saúde pública, como na prevenção da disseminação de doenças transmitidas por insetos, como a dengue. Essa doença é um problema recorrente em muitas regiões do Brasil, e tende a se intensificar nos meses mais quentes do ano, quando o clima favorece a proliferação do mosquito.
Por que a modelagem de nicho ecológico é importante?
A agricultura e a silvicultura brasileiras sofrem constantemente com o avanço de pragas e doenças. Muitas dessas espécies são exóticas, ou seja, não pertencem originalmente ao nosso ecossistema, e acabam se estabelecendo sem predadores naturais, causando desequilíbrios e prejuízos ambientais, sociais e econômicos.
Além do impacto negativo no setor produtivo, tais ferramentas desempenham um papel fundamental na área de saúde pública, sendo úteis na prevenção e na disseminação de vetores de doenças, por meio do suporte a estratégias de vigilância e controle.
No entanto, a modelagem de nicho ecológico se destaca como uma ferramenta estratégica para antecipar riscos, orientar políticas de manejo e subsidiar ações preventivas, contribuindo diretamente para a proteção da biodiversidade, a segurança alimentar e a sustentabilidade dos sistemas produtivos."
Fernanda de Aguiar Coelho não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.