Infraestrutura do Brasil está despreparada para o clima extremo; estudo recomenda incluir resiliência antes de leilões
Estudo apresentado na COP30 propõe incorporar riscos climáticos nos contratos de concessão
Estudo apresentado na COP30 alerta para a falta de preparo da infraestrutura brasileira frente às mudanças climáticas e propõe incluir critérios de resiliência em projetos e concessões para prevenir prejuízos e garantir sustentabilidade.
Um novo estudo de adaptação, realizado pelo MoveInfra, Marsh McLennan e Oliver Wyman, alerta que a infraestrutura logística brasileira está despreparada para enfrentar as mudanças climáticas. Enchentes, secas e outros eventos extremos já colocam em risco a competitividade econômica e a segurança de milhões de pessoas, com perdas associadas a desastres crescendo de forma acelerada.
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O relatório, divulgado nesta terça-feira, 11, na Green Zone da COP30, contou com a participação do CEO da Motiva, Miguel Setas, que ressaltou a urgência de uma agenda de adaptação climática. O estudo defende que a resiliência climática deve deixar de ser uma resposta emergencial e se tornar um critério central em investimentos e concessões, desde o planejamento dos leilões até a gestão de contratos e a reconstrução de ativos.
Enchentes no Sul escancaram vulnerabilidades
O documento usa as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul como exemplo concreto do risco. Os prejuízos, equivalentes a cerca de 14% do PIB estadual, escancaram o problema. “A infraestrutura logística brasileira está exposta, e essa exposição ameaça a competitividade, a integração territorial e a segurança de milhões de pessoas”, afirma o estudo.
Segundo o levantamento, a construção de uma infraestrutura resiliente depende de coordenação, investimento e previsibilidade, três dimensões que o país ainda não estruturou de forma integrada.
Apesar de avanços recentes, como o Plano Clima 2024–2035 e a Taxonomia Sustentável Brasileira, o estudo ressalta que faltam mecanismos para transformar planos em ações concretas. Por isso, recomenda que o Brasil adote uma estratégia unificada de prevenção e resposta, integrando políticas de adaptação, planos de emergência e instrumentos financeiros de reconstrução rápida.
O estudo também propõe que o mapeamento de vulnerabilidades climáticas seja obrigatório em novos projetos e concessões, reduzindo incertezas e melhorando a precificação de riscos.
Investimento resiliente deve ser previsto antes do leilão
A adaptação e o dimensionamento dos riscos climáticos devem integrar os estudos de viabilidade e planos de negócios antes dos leilões de concessão. O estudo aponta que contratos de até 40 anos foram elaborados em um cenário climático defasado, e a falta de uma matriz de riscos detalhada tem gerado desequilíbrios na gestão dos ativos.
O CEO do MoveInfra, Ronei Glanzmann, avalia que essa indefinição transfere os custos de perdas e reconstrução, principalmente, para o setor público. Catástrofes de grande magnitude causam descasamento financeiro e comprometem receitas. A falta de mapeamento e quantificação desde a concepção dos projetos mantém as operações vulneráveis e amplia a exposição fiscal, dado que as coberturas de seguro são limitadas.
Setor privado e inovação regulatória
O relatório reforça o papel estratégico do setor privado e cita avanços regulatórios recentes, como o Programa de Sustentabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), lançado em 2024. A iniciativa estabelece parâmetros obrigatórios de resiliência e sustentabilidade para concessionárias de rodovias e ferrovias federais, com metas de adaptação, mapeamento de riscos e manutenção preventiva em ativos críticos, como taludes, pontes e sistemas de drenagem.
Experiências como essa devem ser ampliadas para portos, aeroportos e hidrovias, evitando fragmentação regulatória e garantindo que todos os setores avancem de forma homogênea na adaptação climática, conforme aponta o estudo.
Da reação à prevenção
O levantamento defende que a resiliência deve ser vista como parte da agenda de desenvolvimento econômico, e não apenas ambiental. Para reduzir o tempo de resposta e acelerar a reconstrução, é essencial a integração entre Defesa Civil, agências reguladoras, concessionárias e governos. As principais propostas do relatório incluem:
- Criação de um modelo nacional de governança para resiliência, com prioridades, protocolos de resposta e indicadores padronizados;
- Fortalecimento da base de dados climáticos e interoperabilidade entre sistemas públicos e privados;
- Inclusão obrigatória de riscos climáticos nas matrizes de risco de concessões desde a fase de viabilidade;
- Definição de faixas de alocação de risco em todos os contratos;
- Inserção de cláusulas de Build Back Better (BBB) e protocolos de reequilíbrio cautelar;
- Atualização de contratos vigentes por meio de revisões e aditivos que incorporem medidas de resiliência.
- Fontes de recursos: Cat Bonds e inovação financeira
Para ampliar os recursos destinados ao reparo de danos, o estudo propõe a implementação dos Bonds de Catástrofes Naturais (Cat Bonds). Esses instrumentos financeiros transferem parte do risco de desastres para investidores institucionais, funcionando como uma apólice de seguro emitida no mercado de capitais. Na prática, os títulos operam como uma forma de investimento estrangeiro direto para reconstrução e estabilização econômica pós-desastres.
Ações prioritárias
O estudo identifica seis frentes prioritárias de ação para fortalecer a resiliência e agilizar processos regulatórios:
- Atuar em prevenção e em resposta
- Planejar e priorizar com base em risco
- Aperfeiçoar mecanismos contratuais, alocação e compartilhamento de riscos
- Fomentar pesquisa, desenvolvimento e inovação
- Garantir liquidez e mecanismos financeiros de resposta
- Consolidar uma governança de resiliência nacional
- Oportunidade de liderança regional
Para os autores, o Brasil tem uma oportunidade concreta de assumir a liderança regional em adaptação climática, alinhando sua política de infraestrutura à agenda global do clima. “A janela para estruturar um modelo nacional de infraestrutura resiliente está aberta, e o tempo para aproveitá-la é agora”, conclui o documento.
*A repórter Isabella Lima viajou a convite da Motiva, idealizadora da Coalizão pela Descarbonização dos Transportes.