PUBLICIDADE

Parabólica

Para que serve um veterano como Nico Hulkenberg na F1?

Dispensado em 2019, o alemão virou uma espécie de coringa da Fórmula 1 no bizarro 2020. Mas por que ele, e não outro piloto mais jovem?

15 out 2020 - 08h55
Compartilhar
Exibir comentários
Daniel Ricciardo, Nico Hulkenberg e as perucas, na despedida em Abu Dhabi.
Daniel Ricciardo, Nico Hulkenberg e as perucas, na despedida em Abu Dhabi.
Foto: Renault / Divulgação

Neste circo midiático em que a Fórmula 1 se transforma cada vez com mais intensidade, uma imagem-chave da carreira do alemão Nico Hulkenberg deverá ser a de membros da equipe Renault portando uma duvidosa peruca loira no GP de Abu Dhabi de 2019. Aquela era a despedida de Hulkenberg da equipe, que o havia trocado pelo francês Esteban Ocon e, na falta de pódios, vitórias ou carisma, a equipe resolveu homenageá-lo pelo que parecia distingui-lo – o corte de cabelo. 

Aquele rito sugeria ser também a aposentadoria do alemão na categoria, mas veio o bizarro ano de 2020 e Hulkenberg virou uma espécie de coringa da Fórmula 1. Primeiro, entrou no lugar de Sergio Perez, da Racing Point, afastado de dois GPs por ter contraído o novo coronavírus. Se a vida fosse o cinema, esse filme estrelado por Hulk poderia ser “Entrando numa fria”. O GP da Inglaterra era a quarta corrida da temporada, o alemão pouco conhecia do carro, não conseguiu passar para o Q3, enquanto o companheiro Lance Stroll largou em sexto. Para piorar, um problema de embreagem impediu o alemão de largar na corrida.

No entanto, tudo mudou na prova seguinte, na mesma pista inglesa de Silverstone, batizada de GP dos 70 Anos. Com Perez ainda afastado, Hulkenberg conseguiu a proeza de classificar a Racing Point em terceiro lugar no grid e terminou a corrida em sétimo, uma posição atrás de Stroll. Perez recuperou-se, voltou para o campeonato e o alemão permaneceu distante da Fórmula 1 nas cinco corridas seguintes. 

Nico Hulkenberg, especulado para 2021: falta de opção.
Nico Hulkenberg, especulado para 2021: falta de opção.
Foto: Racing Point / Divulgação

Até que chegou o GP de Eifel, disputado em Nurburgring. Sem atividades na pista na sexta-feira, por conta do forte nevoeiro que tomou a região, tudo parecia ter voltado à normalidade no sábado, que amanheceu com sol naquela região da Alemanha. Menos na mesma Racing Point, que não mandou Stroll para o único treino livre realizado durante o GP. Combalido por um mal-estar de origem desconhecida, Stroll precisava de um substituto, e o celular de Hulkenberg tocou novamente. Se fosse filme, poderia ser a sequência: “Entrando numa fria maior ainda”.

Aconteceu há poucos dias e os fatos ainda estão na memória: Hulk chegou faltando poucos minutos para a classificação, sem nenhuma referência do carro ou da pista, largou em último, fez uma excelente corrida de recuperação, terminou na oitava colocação e foi eleito o Piloto do Dia no site da Fórmula 1. Com os bons resultados na segunda prova de Silverstone e na corrida de Nurburgring, Hulkenberg aparece, na classificação do Mundial de Pilotos, à frente de seis colegas, todos disputando o campeonato inteiro. Notadamente, as duplas da Williams, da Haas e da Alfa Romeo.

Na segunda corrida em Silverstone, Hulkenberg conseguiu um terceiro lugar na classificação.
Na segunda corrida em Silverstone, Hulkenberg conseguiu um terceiro lugar na classificação.
Foto: Racing Point / Divulgação

Quando saiu da Renault, em 2019, Hulkenberg naturalmente não poderia imaginar que 2020 seria esse ano tão peculiar. Mas podia calcular, com alguma segurança, que as portas da categoria não estavam totalmente fechadas para ele. Isso porque 2020 seria o último ano de contrato de diversos pilotos, vários deles reputados, dentro da categoria, como inferiores ao alemão cujo recorde nada lisonjeiro é o de ser o ser humano que mais largou na Fórmula 1 sem jamais conseguir um pódio.

Não sejamos apressados em dizer que os seis pilotos com menos pontos que Hulkenberg, depois de onze provas realizadas, são todos piores que ele. Não faz sentido ater-se à frieza dos números para dizer que Kimi Raikkonen, veterano e campeão do mundo de 2007, é pior que o alemão porque tem 2 pontos no Mundial, contra 10 de Hulk. Também não tem cabimento dizer que o jovem George Russell, campeão de 2018 da Fórmula 2 e protegido da Mercedes, mereça menos ficar na categoria que o alemão das célebres madeixas. (Até porque Russel tem assento garantido para 2021 na Williams).

Mas, sem dúvida, há pilotos cujos resultados, agora e historicamente, justificariam uma troca por Hulkenberg. Os “habituais suspeitos” Romain Grosjean e Kevin Magnussen, da Haas, são sempre lembrados quando se fala dos piores pilotos do grid atual e não têm vaga assegurada para a próxima temporada. No mesmo barco está o italiano Antonio Giovinazzi, que apesar de ser vice-campeão de Fórmula 2 e de fazer habitualmente boas largadas pela Alfa Romeo, ostenta uma irregularidade que torna sua permanência difícil de defender. Fora dessa “turma do fundão” do campeonato atual, o russo Daniil Kvyat parece se manter na categoria mais por falta de opções do que propriamente por suas capacidades.

Em Abu Dhabi, Hulkenberg se despediu da Renault, mas 2020 precisou dos serviços do alemão.
Em Abu Dhabi, Hulkenberg se despediu da Renault, mas 2020 precisou dos serviços do alemão.
Foto: Renault / Divulgação

Hulkenberg poderia ocupar essas vagas? As melhores possibilidades, nesses casos especificamente, estariam para ele na Haas, já que a vaga de Giovinazzi parece muito perto de Mick Schumacher, filho do heptacampeão Michael, e o lugar de Kvyat tem boas possibilidades de abrigar o japonês Yuki Tsunoda em 2021. Depois do ótimo desempenho de Hulk em Nurburgring, cresceram as especulações de que ele poderia inclusive ser contratado pela Red Bull, para o lugar do instável Alex Albon (64 pontos até agora, contra 147 do companheiro Max Verstappen).

Pilotos mudarem de equipe é algo absolutamente corriqueiro na Fórmula 1, mas a simples especulação de Hulk na Red Bull é fato que causa espanto porque a equipe não tem funcionado dessa forma. Dona de duas equipes – Red Bull e Alpha Tauri – a empresa dos energéticos tem utilizado seu time B como banco de provas de jovens pilotos, promovendo-os à equipe principal à medida que desempenham satisfatoriamente na irmã menor.

O esquema até pareceria uma espécie de “pipeline de sucessão”, aquela teoria de administração de empresas pela qual os líderes de amanhã começam a ser definidos hoje, para assumir funções gerenciais mais altas no futuro. Seria assim se a corporação Red Bull não utilizasse a Alpha Tauri também como depositário de pilotos que não desempenharam a contento no time principal, caso dos dois pilotos atuais do time B – Kvyat e Pierre Gasly.

Nova aparição de Hulkenberg, agora “em casa”, na pista de Nurburgring.
Nova aparição de Hulkenberg, agora “em casa”, na pista de Nurburgring.
Foto: Racing Point / Divulgação

O que estaria acontecendo com a Red Bull para ela não apenas inverter a mão de direção entre suas duas equipes, como ainda cogitar um veterano de 33 anos atualmente fora do grid? Dois motivos principais parecem apontar para esse descaminho. Um está dentro da própria corporação, que se transformou, paulatinamente, de celeiro de jovens pilotos em uma máquina de moer carreiras. A bola da vez parece ser Albon, que repete uma estranha sina da equipe: promove jovens pilotos de valor, decepciona-se rapidamente com resultados insatisfatórios e os descarta ou os rebaixa para a equipe B. O problema é que, diante da decepção com Albon no time principal, os chefes Christian Horner e Helmut Marko olham para seu antigo celeiro de jovens pilotos e enxergam dois rejeitos da própria Red Bull. O “pipeline” da Red Bull virou um círculo vicioso.

O segundo motivo por trás desse estranho protagonismo de Hulkenberg para 2021 está na dificuldade em promover jovens pilotos de forma geral na categoria. Há dez anos, quando o alemão estreou, a Fórmula 1 contava com 12 equipes, ou seja, quatro vagas a mais no grid. Além das grandes (Red Bull, McLaren, Ferrari, Mercedes), das médias (Williams – sim era média!,Force India, BMW Sauber), havia duas das chamadas “nanicas” (Virgin e HRT). Ora, para que serve uma equipe nanica na Fórmula 1?

Nessas equipes, a Fórmula 1 conseguia encaixar jovens promessas das categorias de base em uma proporção bem maior do que se faz hoje, simplesmente pela maior disponibilidade de vagas. Para ficar apenas nas duas nanicas de 2010: o brasileiro Lucas di Grassi conseguiu estrear na categoria por causa da Virgin. Outro brasileiro, Bruno Senna, também teve chance de disputar a principal categoria do mundo por causa de uma “nanica” (a HRT, no caso). 

Entrando em uma gelada, Hulkenberg é eleito Piloto do Dia e reacende especulações sobre 2021.
Entrando em uma gelada, Hulkenberg é eleito Piloto do Dia e reacende especulações sobre 2021.
Foto: Racing Point / Divulgação

A mesma HRT, por sinal, garantiu a estreia de Daniel Ricciardo, em 2011. O carro era pouco competitivo, a equipe não marcou pontos, mas Ricciardo, que já era piloto da academia Red Bull e foi emprestado à equipe de origem espanhola, conseguiu a rodagem de que precisava para ganhar experiência e passar para a Toro Rosso em 2012. Em 2014, quando o time principal precisou repor seu segundo piloto, com a aposentadoria de Mark Webber, a escolha recaiu sobre Ricciardo, mas poderia também ter recaído sobre o francês Jean-Eric Vergne, seu companheiro na Toro Rosso, que mais tarde saiu da categoria e se tornou bicampeão na Fórmula E.

A falta de equipes menores na Fórmula 1 é resultado direto dos altos custos da categoria, causando situações cada vez mais recorrentes como essa, de substituição de pilotos. Sem equipes de baixo orçamento, sem vagas para novos pilotos, sem opções para reposição em equipes médias e grandes. A opção Hulkenberg, no final das contas, é uma falta de opção.

Parabólica
Compartilhar
Publicidade
Publicidade