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F1 tem que ser mais “socialista” para ganhar competitividade

Um novo regulamento técnico é esperado para 2022, mas a F1 precisa mexer em muito mais coisas se quiser mesmo ter maior competitividade

12 nov 2020 - 06h00
(atualizado às 11h17)
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Hamilton celebra ao lado de um agradecimento à Petronas: os patrocínios ajudam a Mercedes a lucrar.
Hamilton celebra ao lado de um agradecimento à Petronas: os patrocínios ajudam a Mercedes a lucrar.
Foto: Divulgação

A Fórmula 1 está às vésperas de promover uma série de transformações em seus regulamentos técnico e esportivo. Isso acontece de tempos em tempos, mas o atual momento parece acender nos espectadores a esperança de que essas mudanças devolvam um pouco da competitividade perdida na categoria. Só que essa esperança será mera ilusão se não se tocar no cerne do problema: ele mesmo, o dinheiro.

Os arqueólogos da categoria poderiam teorizar que as coisas foram sempre assim, que a Fórmula 1 habitualmente viveu de ciclos de dominação e que a junção de um gênio dentro da pista com outro, no pitwall, é praticamente uma marca do DNA da categoria. Estamos embasbacados com o domínio da dupla Lewis Hamilton/Toto Wolf na Mercedes, e eles rebateriam com Michael Schumacher/Jean Todt na Ferrari dos anos 2000, ou com Ayrton Senna/Ron Dennis, nos anos 1980/1990. Poderiam ainda lembrar de Jackie Stewart/Ken Tyrrell, nos anos 1970, e talvez o par fundador dessa cepa, Colin Chapman/Jim Clark, nos anos 1960.

Para aumentar seu público, a Fórmula buscou novas fórmulas, como uma série na Netflix.
Para aumentar seu público, a Fórmula buscou novas fórmulas, como uma série na Netflix.
Foto: Divulgação

Mas, não. Nunca foi dessa forma, nenhuma fase de domínio de uma equipe foi tão acachapante e duradoura. A Ferrari de Schumacher viveu anos em que amassou a concorrência de forma impiedosa (2002 e 2004, especialmente). Mas, no mesmo período, equipe e piloto suaram para derrotar oponentes em outras temporadas (2000 e 2003, por exemplo). Desde o início da era híbrida, o domínio da Mercedes foi pouco ameaçado e, quando o foi, timidamente, teve do outro lado a Ferrari, que tropeça nas próprias pernas, seja em questões estratégicas, seja em nebulosas soluções técnicas, como a dos motores de 2019.

É evidente que um dos fatores desse sucesso é contar com a pilotagem de Hamilton e com o comando firme de Toto, mas os dois juntos, em uma equipe de baixo orçamento, não fariam milagre. Em 2019, a equipe anunciou que gastou cerca de 350 milhões de euros na categoria. Muito dinheiro? Sem dúvida. Mas há que se analisar em perspectiva.

Michael Schumacher e Jean Todt: dupla vencedora do início do século.
Michael Schumacher e Jean Todt: dupla vencedora do início do século.
Foto: Divulgação

A equipe Mercedes de Fórmula 1 é propriedade de uma corporação, a Daimler, cuja receita reportada em 2019 chegou a 172,7 bilhões de euros. Receita não é lucro, apontariam os contadores. Pois bem, fiquemos com o lucro: 2,7 bilhões no mesmo período. Ou seja, a equipe de Fórmula 1 conta com uma corporação que injeta uma quantidade enorme de dinheiro na operação. E ainda faz isso de forma a ter lucro: em 2019, a Mercedes faturou 380 milhões de euros na Fórmula 1, somados patrocínios e a verba da categoria repassada às equipes.

Os maiores orçamentos da categoria são justamente os de empresas que contam com os investimentos de grandes corporações. Estima-se que o orçamento da Ferrari seja ainda maior que o da Mercedes. Ferrari, a mais tradicional das equipes da F1, comprada pela Fiat, que hoje faz parte do conglomerado FCA (Fiat-Chrysler). Em 2015, quando a Fiat se uniu à Chrysler, criando a FCA, a Ferrari foi colocada à parte como uma empresa independente das demais marcas do grupo. A Ferrari se tornou uma holding, Ferrari NV, com sede na Holanda, com 10% sendo propriedade de Piero Ferrari e o restante dividido entre acionistas da FCA e ações ofertadas na Bolsa de Valores de Nova York. Em resumo, não há mais um Senhor Ferrari.

O terceiro maior orçamento da categoria, da Red Bull, também é oriundo de uma grande corporação. A marca de bebidas energéticas usa a Fórmula 1 sobretudo como plataforma de exposição de sua marca. Não que esteja na competição para perder dinheiro: em 2019, reportou um lucro discreto – cerca de 800 mil dólares.

Um rolo compressor: Mercedes amassa a concorrência.
Um rolo compressor: Mercedes amassa a concorrência.
Foto: Divulgação

Seja para fazer dinheiro ou para expor sua marca, o fato é que as equipes ligadas a grandes conglomerados empresariais partem de estruturas financeiras incomparavelmente mais robustas do que a dos outros times. Para 2021, a categoria estabeleceu um teto orçamentário de 145 milhões de dólares (cerca de 124 milhões de euros). Dentro desse limite não estão gastos como salários de pilotos e custos com marketing, o que já começa a deixar claro que o fosso entre as grandes gastadoras e as primas pobres pode não ser tão reduzido assim.

Mas, mesmo atendo-se exclusivamente aos 145 milhões de euros fixados, a mexida no que se gasta pode não ser suficiente para tentar reduzir tanta diferença. Estima-se que, das dez equipes atuais, pelo menos cinco já tenham orçamentos inferiores a esse teto. À medida que o novo limite não fará as equipes menores efetivamente gastarem menos, e considerando-se que boa parte dos recursos gastos pelas equipes grandes continue fora desse teto (salários de pilotos e verba de marketing), a pretensa revolução orçamentária da Fórmula 1 pode ser bem menos impactante do que se deseja.

Hoje, o controle da categoria está nas mãos da Liberty Media, uma empresa dos Estados Unidos que tem a Fórmula 1 entre outros negócios. Nos últimos anos, o homem forte foi Chase Carey, estadunidense que será substituído pelo italiano Stefano Domenicali em 2021. Enquanto teve o bigodudo Carey à frente, a Fórmula 1 passou por transformações altamente sentidas no âmbito de suas comunicações. 

 Stefano Domenicali (à esq.) e Chase Carey: o novo e o velho comando na Fórmula 1.
Stefano Domenicali (à esq.) e Chase Carey: o novo e o velho comando na Fórmula 1.
Foto: Divulgação

Tudo ficou mais exposto, interativo e recheado de estatísticas. Antes bastante tímida, para não dizer quase ausente nas redes sociais, a Fórmula 1 mergulhou nesse universo e aprendeu a “viralizar” fotos, personagens, vídeos, memes e tudo o mais que se refere à comunicação instantânea. Até no mundo das séries a categoria se meteu, e tratando as relações esportivas e os bastidores da Fórmula 1 como uma novelinha ligeira, foi em busca de novos públicos na plataforma da Netflix. Não se pode negar que foi uma boa perfumaria, mas meter a mão na massa para buscar uma verdadeira equalização entre os times praticamente ninguém meteu.

Domenicali é diferente de Carey. É um homem do paddock, não da mídia. É europeu, tem grande vivência em automobilismo e muito provavelmente não vai buscar esse almejado equilíbrio com medidas que levariam a uma padronização extrema, como a que se observa em várias categorias dos Estados Unidos. Pode propor soluções técnicas, pode tentar radicalizar ainda mais em regulamentos técnicos e esportivos que reduzam a aerodinâmica e/ou acabem de vez com os treinos livres de sexta-feira. Mas se não agir para efetivamente reduzir a diferença entre as equipes bilionárias e os times apenas milionários, a Fórmula 1 continuará patinando na falta de competitividade, perdendo o interesse dos fãs e, no final das contas, sendo menos lucrativa a cada ano.

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