F1: o plano da McLaren para manter seu carro sempre atualizado
McLaren traça plano para que seu carro receba atualizações frequentes durante toda a temporada. E já levará melhorias para primeira corrida
A mudança profunda no regulamento técnico da Fórmula 1 para 2022, da qual já tratamos no Parabólica em diversos artigos (e seguiremos tratando), ditará o ritmo de boa parte do desenrolar da temporada. Com projetos inteiramente novos, há um mundo de possibilidades para as equipes explorarem em termos de melhorias nos carros. É de se esperar que a curva de evolução de desempenho seja bastante acelerada, e quem conseguir tirar melhor proveito disso pode ter uma importante vantagem.
Mas há um fator que tende a dificultar justamente essa evolução: o teto de gastos. O limite orçamentário de 140 milhões de dólares por equipe pode parecer alto, mas, colocado em perspectiva, não é bem assim. Até poucos anos atrás, as equipes grandes trabalhavam com orçamentos que podiam ser até três vezes maiores que esse valor.
O teto já estava em vigor em 2021 (145 milhões de dólares), mas os carros utilizados naquela temporada eram uma evolução dos anos anteriores, concebidos quando ainda não havia o limite. Isso faz dos modelos de 2022 os primeiros desenvolvidos com restrição de gastos. Com recursos limitados para a concepção do projeto, podemos imaginar que os carros terão bastante margem para melhorias no futuro. E o teto ainda implica em menor fôlego para P&D de melhorias e produção de novas peças ao longo do ano.
Com todos esses fatores em mente, a McLaren traçou um plano para manter o MCL36, seu carro de 2022, sempre evoluindo. O time pretende fabricar o mínimo de peças de reposição possível para cada corrida. Se for detectada a necessidade de ajustes, o lote seguinte já será produzido com alguma evolução e implantado com rapidez. Se estiver funcionando bem, fabrica-se um novo lote nas mesmas especificações. A lógica é simples: se o carro vai precisar estar sempre atualizado, com peças novas, e o orçamento é curto, para quê manter um estoque de peças sobressalentes que podem nunca ser usadas?
Quem explica é Piers Thynne, Diretor de Operações do time, em declaração ao próprio site da McLaren: “Estamos produzindo menos peças. Isso é uma mudança de cultura, mas vai nos permitir maior flexibilidade nas melhorias. É algo difícil de fazer, mas teremos menos peças para o 36 que para o 35M [carro de 2021], para ter espaço no orçamento para entregar mais performance. Cada centavo conta, e temos que garantir que estamos gastando de maneira inteligente.”
Thynne quer implantar o modelo já na primeira corrida do ano, no Barein, em 20 de março. A ideia é levar um pacote de melhorias para essa etapa, feito com base nos dados coletados nos testes de pré-temporada que serão realizados na mesma pista uma semana antes: “Sabemos que o desempenho na primeira corrida é crucial, e vamos levar um upgrade já para esse evento, mas esperamos muito mais a seguir”, contou. “Uma das razões pelas quais estamos sendo enxutos no estoque é que sabemos que queremos evoluir o carro. Não há vantagem alguma em levar seis assoalhos e seis asas dianteiras à primeira corrida.”
O Diretor explica que o time tomará os devidos cuidados para não exagerar na dose e se ver em uma situação de falta de peças. Para ele, é tudo uma questão de racionalizar: “Não vamos nunca nos ver em uma situação de ter peças faltando para os carros funcionarem, vamos sempre nos precaver disso. Mas onde no passado podíamos ter cinco ou seis peças, teremos cinco. Onde tínhamos quatro ou cinco, teremos quatro.”
O modelo proposto depende de uma grande coordenação entre a diferentes áreas da equipe. Por exemplo, para se enviar menos peças a um GP, é preciso que se saiba exatamente o que será usado. E aí, a decisão fica nas mãos dos engenheiros de corrida: “Quando há diversas opções de ajuste de uma peça, vamos considerar como serão feitas essas escolhas, contando com os engenheiros de corrida para ter certeza que vamos fornecer aquilo que eles vão querer usar, e não aquilo que eles podem querer usar”, explica Thynne.
A ideia deve impactar no dia a dia da fábrica da equipe, em Woking, Inglaterra. Em 2021, em razão dos protocolos da covid, os grupos de trabalho dos turnos do dia e da noite não se encontravam, separados por bolhas. Com o avanço da vacinação, a equipe pretende mudar o esquema de trabalho para que haja maior interação entre os turnos, de modo que o trabalho seja mais uniforme e possa fluir 24 horas por dia. “O fluxo de produção em ciclos de 24 horas é um imperativo para o que fazemos. Fazer o turno diurno entrar no turno da noite, permitindo uma discussão de quaisquer problemas e uma troca melhor é importante.”, afirma Thynne.
Isso porque as demandas observadas em pista e simuladores devem ser enviadas quase de imediato à equipe de P&D, que irá projetar, simular e produzir novas peças o mais rápido possível, visando já a corrida seguinte. Tempo é um recurso fundamental. A McLaren estima que o novo regime aumente a demanda de trabalho de fábrica em 20%.
Mas Thynne confia que o pessoal da McLaren dará conta do recado: “O programa é difícil e, quando você coloca uma restrição orçamentária sobre um desafio significativo de engenharia e produção, é quando você realmente precisa contar com um ótimo trabalho em equipe, ótima colaboração e foco total no alcance das metas. É na qualidade de nossas pessoas que nós confiamos quando a coisa fica complicada, e temos sorte que nosso pessoal é incomparável.
O Diretor conta os desafios de se projetar um carro do zero, algo que não acontecia há algum tempo. Segundo ele, o desafio é grande, e, por vezes, “indigesto”: “O produto é de complexidade semelhante, mas tudo é novo: há muito, muito pouco que pudesse ser aproveitado. Na maioria dos anos, estaríamos usando, ou pelo menos modificando, peças do carro anterior, mas esse não é o caso do MCL36. É tudo novo e, obviamente, isso coloca uma pressão significativa sobre nossos recursos e também sobrecarrega nossa cadeia de suprimentos. Estamos sentindo um pouco de indigestão em alguns de nossos principais projetos."
Por fim, Thynne diz que espera que o projeto do carro de 2022 seja um marco na cultura da McLaren: “Construir o MCL36 de acordo com os novos regulamentos é um fardo significativo, mas talvez seja mais uma mudança cultural, de fazer algumas coisas de uma maneira diferente”.
O McLaren MCL36 será revelado ao público no dia 11 de fevereiro. O carro – e os dos concorrentes - irá à pista pela primeira vez oficialmente nos testes de Barcelona, que serão realizados entre os dias 23 e 25 de fevereiro.