Viva a diversidade
O labirinto é a porta aberta para as profundezas da Vila Buarque.
Trabalha-se muito nessas galerias e seus boxes miúdos.
Brechó unissex. Corte e costura. Sapateiro. Molduras. Suco natural e bolo de fubá. No Gegê, cabelo, barba e bigode a 60 reais. Se lavar, 65.
A sorte está cercada. Nos fundos do sebo de livros religiosos joga-se no Bicho. No sub solo, a aposta é nos cavalos. Às 10 da manhã, o grupo grisalho vê, revê e torce como se já não soubesse o resultado do páreo da noite passada.
"Foi por cabeça", lamentam.
Outros cavalos estão agora à minha frente. É a polícia montada, que não vejo em nenhum outro lugar da cidade. Em silêncio, motoristas e motoboys seguem o trote a 10km por hora.
Convido vocês a, mais uma vez, bater perna pela rua das Palmeiras e arredores.
A ida pela sombra, a volta pelo sol.
A Palmeiras não permite repetição, sua magia é a diversidade.
Como a riqueza de topetes, coques e penteados. Franjas, tranças, cores. No inverno quente, a multidão mestiça passeia com pés à mostra. Pintados, tatuados, confortáveis em sandálias de borracha ou protegidos pelo couro bem engraxado.
Dois pés descalços dormem embaixo de uma marquise. São de um homem jovem. O canhoto, está camuflado pelo rabo da melhor amiga. O direito, não há dúvida, é pé vistoso, de dedos grandes e peito largo, capaz de dominar e brincar com a pelota. Algo me diz que perdemos um craque.
O Chevette verde dobra a esquina. No mesmo ponto onde já vi uma Vemaguetti chocolate. Migalhas de cor e alegria na massa opaca e congestionada.
Agora é uma kombi azul com faróis de milha que recolhe plástico, vidro e recicla a paisagem.
Já alertei aqui: a rua com nome de árvore tem pouco verde. Pois o raro é também variado.
Cercado de fumaça e algazarra, o jacarandá estica como se vivesse no sossego da mata.
O Ipê perdeu folhas, anda pálido, entristeceu. Será que desistiu?
Pau mulato é espigado. Cresce resoluto, não bifurca o danado. O tronco fino cabe em nossas mãos. Os primeiros galhos tocam a janela do quarto andar.
Também precisam voar alto os sabiás e sanhaços se quiserem ninho na copa da Sibipiruna, a mais frondosa da quadra.
O papel grudado ao malhado Pau Ferro avisa, Elson procura rapaz que aceite dividir quarto com beliche. No mesmo tronco roliço outra notícia importante: a calopsita sumida já está em casa.
Na família dos Paus, que nos perdoem o Ferro e o Mulato, o mais ilustre é o Pau Brasil. Ainda baixo, está florido de ouro.
Entre sombras esparsas, matuto sem resposta ou explicação, por que as tantas lojas de vestuário evitam a palavra roupa? Se anunciam assim: "endereço da moda", "ponto certo da moda", "magazine da moda", "Moda e acessórios"
Minha avó Lili, que sabia de tudo e mais um pouco, dizia quando o clima esquentava em casa por calor ou outras razões.
- Vou ver as modas e já volto.
Lili também é nome de loja aqui na Vila Buarque. A Lili Modas.
Pode apostar, quando algo se repete nestas bandas é por um bom motivo.
*Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter