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TSE cogitou dar 'poder de polícia' a juízes contra fake news

Proposta não foi adiante porque a avaliação era que dava margem a excessos e censura

28 mai 2019 - 05h13
(atualizado às 08h36)
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) discutiu reservadamente dar "poder de polícia" para permitir que juízes eleitorais removessem fake news disseminadas na internet, mesmo sem serem provocados por alguém. A proposta de minuta da equipe do ministro Luiz Fux, no entanto, não foi levada adiante, por abrir margem para excessos e censura, segundo o Estado apurou com fontes que acompanharam o debate. A iniciativa de "controle da internet" consta nas atas do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, que foram tornadas públicas por decisão da atual presidente do TSE, ministra Rosa Weber.

Ministro Luiz Fux, do STF, presidiu o TSE de fevereiro até agosto do ano passado (04/10/2012)
REUTERS/Ueslei Marcelino
Ministro Luiz Fux, do STF, presidiu o TSE de fevereiro até agosto do ano passado (04/10/2012) REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

Conforme o Estado revelou, a gestão Fux (que presidiu o TSE de fevereiro até agosto do ano passado) havia decidido manter sigilo sobre as atas até 2023, o que contrariou especialistas na área e surpreendeu integrantes da Corte Eleitoral. Por entender que a questão é de interesse público, a ministra Rosa Weber derrubou o sigilo em decisão publicada nesta segunda-feira, 27.

Atualmente, os juízes eleitorais possuem "poder de polícia administrativa" para determinar, por iniciativa própria, a remoção de propaganda eleitoral irregular, como outdoors espalhados pelas ruas e faixas de candidatos dispostas sobre gramados, por exemplo.

A proposta discutida pelo conselho do TSE em junho do ano passado era garantir esse poder também para a análise do conteúdo falso disseminado na internet: ou seja, um juiz poderia examinar sozinho se o conteúdo divulgado na web era ou não fake news - e ele mesmo determinar a sua remoção, mesmo sem ser provocado por alguém. A minuta de Fux, no entanto, nunca foi votada pelo plenário do tribunal devido à forte resistência dentro do conselho. Procurado, o gabinete do ministro não havia se manifestado até a publicação deste texto.

"É uma questão um pouco complicada. Eu prefiro o modelo de quem se sentir ofendido procurar a Justiça Eleitoral e ela rapidamente decide. Fake news não é tão evidente quanto um cartaz colado sobre a grama, a própria caracterização dela é algo muito complicado", disse o ex-ministro do TSE Henrique Neves.

O professor do Mackenzie Diogo Rais, especialista em direito eleitoral digital, concorda. "O juiz não deveria julgar se (a notícia) é verdade ou mentira, e sim se há dano para o candidato, para o partido. O juiz não deveria virar árbitro da verdade, na ideia do controle moral de verdade. O direito não tutela a verdade ou a mentira, e sim dano e dolo", avalia.

Para Rais, a decisão de Rosa Weber de levantar o sigilo das atas enriquece o debate público e técnico sobre um tema que interessa o País. "Não se trata de julgar o papel do TSE no ano passado, mas de pensar as eleições de 2020 de forma mais realista. Com base nas atas, sabemos com grau maior de certeza até onde eles chegaram (nas discussões)", acrescenta.

Grupo tem participação da PF, Exército e Abin

As atas do TSE lançam luz sobre as discussões levantadas pelo conselho para traçar estratégias de combate à disseminação de desinformação desde dezembro de 2017, quando o grupo foi criado, até outubro de 2018, na véspera do segundo turno. A Polícia Federal, o Exército, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), especialistas, representantes das plataformas (WhatsApp, Google e Facebook) e integrantes do governo dos Estados Unidos participaram dos encontros, que ocorreram a portas fechadas na sede do tribunal.

No caso do WhatsApp, frustrando um pedido do Ministério Público Eleitoral, a companhia informou que não seria possível aproveitar o aplicativo para difundir "direitos de resposta" de candidatos prejudicados com a desinformação. Isso ocorreria, por exemplo, para um candidato alvo de notícias falsas conseguir usar o aplicativo para atingir as pessoas que tiveram acesso às fake news.

Pesquisa analisou por um ano 120 grupos de WhatsApp
Pesquisa analisou por um ano 120 grupos de WhatsApp
Foto: REPRODUÇÃO / Estadão Conteúdo

Segundo as atas, a empresa alegou que atuar dentro do próprio WhatsApp com essa finalidade "agiria contra as políticas de privacidade da ferramenta", além de apontar "limitações técnicas" e "questão inerente à criptografia das mensagens".

Os papéis revelam um tribunal surpreendido com a onda de fake news contra a própria Justiça Eleitoral com a campanha a pleno vapor, preocupado com a disseminação de notícias falsas (especialmente via WhatsApp) e interessado na experiência de autoridades norte-americanas nas últimas eleições - representantes do FBI e do Departamento de Justiça participaram de uma das reuniões, mas não tiveram seus nomes divulgados nas atas.

Conforme aponta o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques, a atuação do conselho oscilou ao longo do tempo entre a concessão de maior liberdade ou a "maior regulação das normas de controle das informações".

"A decisão acabou sendo de se ter uma baixa regulação do TSE, pois as próprias plataformas se autorregularam no controle da divulgação das informações falsas", diz a ata da sétima reunião, ocorrida em 10 de outubro de 2018, após o primeiro turno.

Durante a campanha do ano passado, a própria Justiça Eleitoral se tornou alvo de fake news que lançavam suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas. Na oitava reunião do conselho, em 16 de outubro, o secretário de tecnologia da informação do TSE Giuseppe Janino afirmou que o tribunal "já aguardava uma onda de fake news entre candidatos e partidos, porém a avalanche de ataques foi para a Justiça eleitoral, muito bem produzidos e velozmente divulgados" - e acrescentou que o tribunal "não estava aparelhado para dar as respostas no tempo hábil necessário".

Na quinta reunião, ocorrida em 5 de março, o então presidente do TSE Luiz Fux quis saber dos norte americanos como se dá o controle das fake news sem a violação da liberdade de expressão. O representante do Departamento de Justiça dos EUA informou que o órgão "não realiza este controle da qualidade da informação, pois isso seria impossível". "Buscam, no fundo, educar o público e descobrir a fonte da informação divulgada, bem como sua motivação, e como estas informações violam as leis americanas", diz a ata.

Um adido do governo dos EUA, por sua vez, esclareceu que "eles não têm dúvidas da interferência que ocorreu nas últimas eleições americanas".

Em portaria publicada na última segunda-feira, Rosa Weber desconstituiu o conselho de fake news e criou um grupo de trabalho que analisará os conteúdo das atas e as ideias debatidas no seminário internacional "Fake news e Eleições" ocorrido há duas semanas em Brasília.

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