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'Mulher não sabe só falar sobre diversidade', diz Bedy Yang

Sócia do fundo do Vale do Silício 500 Startups, brasileira acredita que qualidade do ecossistema do País melhorou, mas investimentos também estão mais caros; na visão dela, espaço para mulheres aumentou, mas é preciso dar voz a elas

25 mar 2020 - 05h11
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Há quase uma década, a brasileira Bedy Yang tem um trabalho difícil: fazer o Vale do Silício olhar para além do seu próprio umbigo. Sócia do fundo de investimento americano 500 Startups desde 2011, ela é responsável por fechar aportes da organização em mercados fora do radar, como África do Sul, Rússia e Brasil. O trabalho, porém, tem dado resultado: sob orientação de Bedy, a firma já fez 44 aportes no Brasil, incluindo nomes como ContaAzul, Olist, Pipefy, Quero Educação e Viva Real - esta última se fundiu ao Grupo Zap em 2017, comprado neste mês pela OLX Brasil por R$ 2,9 bilhões.

Para Bedy, o negócio é mais um sinal do amadurecimento das startups brasileiras, que estão entrando num novo ciclo de investimento. "A qualidade dos empreendedores melhorou muito (desde que começamos). Mas agora, como há muito capital, os valores das empresas subiram e ficou mais caro investir", diz ela ao Estado. Antes de comandar a 500 Startups, Bedy também fundou a organização Brazil Innovators, que faz a ponte entre empreendedores do País e o Vale do Silício, onde mora desde 2015. "Mas aviões e aeroportos são minha segunda casa", brinca.

Na entrevista a seguir, a executiva fala sobre o trabalho da 500 Startups, o posicionamento do Brasil no cenário global de inovação e o momento do ecossistema local. Além disso, ela também afirma que o coronavírus desafiará startups que prestam serviços a empresas, mas pode dar boas oportunidades no setor de saúde e educação. E fala sobre como é ser mulher em um mundo ainda bastante masculino, mas que busca mudar isso. "As empresas perceberam que diversidade dá resultado, então há uma vantagem competitiva. Mas acabamos sendo 'tachadas': quando vou a eventos, não quero só falar sobre mulheres, tenho competência para vários outros assuntos", diz.

A 500Startups acabou de fazer uma saída de investimento de peso, com a venda do VivaReal/Grupo Zap para a OLX. Isso permite um novo ciclo de aportes em startups do País. Como a sra. vê o momento do ecossistema?

A qualidade dos empreendedores melhorou muito nos últimos anos e isso é uma excelente oportunidade para os investidores. Converso com vários e eles dizem que não faltam startups interessantes para investir. Mas há uma questão: como há muito capital, os valores das empresas estão subindo. Ficou mais caro investir.

Nos últimos dois anos, o ecossistema cresceu bastante e gerou 11 unicórnios (startups avaliadas acima de US$ 1 bilhão). Agora, porém, já há casos de derrapadas, como a Grow. Mais problemas vem por aí?

A jornada do empreendedor é bem tortuosa. As startups sempre terão altos e baixos. O mercado brasileiro mudou bastante: há três anos, as empresas tinham que se financiar principalmente via clientes. Agora, entrou muito capital de risco aqui, o que impulsionou o surgimento de unicórnios. Houve sim uma euforia. Mas eu não acho que vão ter muitas histórias de furo, não acho que o mercado vá entrar em uma bolha. O que ocorreu, porém, pode ser um alerta para os empreendedores: eles precisam ajustar expectativas e alinhar o caixa.

Quais podem ser os impactos do coronavírus para as startups?

Creio que o impacto maior vai ser em startups que vendem para empresas (B2B, no jargão do setor), porque grandes empresas que trabalham com startups vão precisar conservar o fluxo de caixa e a inovação pode deixar de ser uma prioridade. Já há várias startups revendo expectativas e vemos empreendedores focando em vendas online. Mas também há oportunidades: com o coronavírus, as pessoas estão aprendendo mais pela internet, o que é interessante para startups de educação. Empresas de saúde também devem crescer bastante.

É bastante possível que uma crise econômica venha por aí. O cenário faz com que haja mais cautela para investimentos?

Para nós, que entramos cedo na vida dos empreendedores, o cenário não muda. A 500Startups compete muito com investidores anjo, pelo primeiro cheque da startup. E momentos de crise são os melhores momentos de investimento: com menos dinheiro no mercado, o valor das empresas cai e há menos competidores. Além disso, com a crise, as pessoas são mais conscientes de como se usa o capital. Muitas empresas do nosso portfólio que cresceram muito vêm de momentos de crise.

O que a sra. leva em consideração na hora de investir numa startup?

Nós costumamos ser o primeiro cheque da vida das startups. Assim, não há como analisar números como fluxo de caixa. Olhamos principalmente a equipe e empreendedores que gostem da indústria que trabalham. Vemos se são apaixonados pelo problema que tentam resolver. Além disso, analisamos se a startup tem um produto relevante e se sabe fazer venda e distribuição.

Quais setores são interessantes no Brasil?

Às vezes é mais importante olhar para o modelo de negócio do que para o tipo de indústria em si. Nós olhamos muito para o negócio de assinaturas e temos interesse em modelos de marketplaces. Falando sobre mercado, vemos muita oportunidade em serviços financeiros e em soluções que giram ao redor da movimentação de dinheiro - como é o caso da ContaAzul, que otimiza trabalhos de contabilidade.

Quais setores a sra. gostaria de ver amadurecendo no Brasil nos próximos anos?

Adoraria ver mais agritechs. O Brasil é um grande provedor de comida no mundo, mas esse mercado ainda é bem pequeno no Brasil: tem algumas empresas interessantes, mas são sempre as mesmas startups. O Brasil precisa mostrar que tem liderança, com um volume grande de soluções.

A sra. esteve por trás dos 44 investimentos da 500 Startups no Brasil. Como é pautar o Brasil no Vale do Silício?

No Vale, há muita vontade de construir operações internacionais, mas o processo não é fácil. A língua é diferente e as pessoas não conhecem o Brasil. Mas, nos últimos anos, com a entrada do SoftBank no País, isso mudou bastante. Além disso, hoje tenho argumentos para inserir o Brasil nas rodas de conversa do Vale: PagSeguro e Stone, listadas na bolsa americana, se tornaram bastante conhecidas lá fora. Mas é um processo duro. As pessoas não acordam pensando no Brasil: é preciso lembrá-las a todo momento.

É raro ver uma executiva mulher em um fundo de investimentos. Como é sua experiência?

Nesse momento, tem sido bom. O lado positivo, atualmente, é que as empresas perceberam que diversidade dá resultado e estão buscando mais mulheres. Acaba sendo uma vantagem competitiva. Mas há muitos pontos negativos. Tudo é muito tachado. Muitas vezes, nos pautam só para falar sobre diversidade. Quando vou a eventos, não quero falar só sobre mulheres no mercado. Tenho competência para falar sobre vários assuntos. Essas coisas acabam sendo irritantes. Tenho super orgulho de ser brasileira e latina, minha equipe é 70% feminina e, quanto mais sucesso elas tiverem, mais se prova a competência delas.

Estadão
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