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Secretaria da Juventude contratou salão de beleza para prestar serviço de TI, acusa TCU

De acordo com investigação do órgão, integrantes da sigla firmaram contratados de fachada de quase R$ 10 milhões durante gestão Temer; empresa funcionava em pequena cidade de Pernambuco

6 set 2019 - 16h37
(atualizado em 9/9/2019 às 09h25)
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BRASÍLIA - Uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que membros da juventude nacional do MDB, que comandavam a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) durante a gestão do presidente Michel Temer, contrataram empresas de fachada para prestar serviços de Tecnologia da Informação. Os prejuízos aos cofres públicos podem ter chegado a quase R$ 10 milhões com os contratos fechados durante a gestão de Francisco de Assis Costa Filho, nomeado em janeiro de 2017 na secretaria - órgão vinculado à Secretaria de Governo.

Uma das empresas contratadas pelo grupo se chama Linkcon Internacional. Apesar do nome, a sede da companhia de informática funcionava em um salão de beleza na pequena cidade de Jupi, cidade de pouco mais de 13 mil habitantes no agreste de Pernambuco. Relatórios de mais de 150 páginas, aos quais o Estado teve acesso, mostram que pelo menos cinco membros da secretaria participaram do processo de contratação da Linkcon, por R$ 7 milhões. O contrato não passou por licitação.

Além de Assis, o TCU responsabiliza Thiago Menezes Siqueira, Helber Augusto Reis Borges e Leonardo da Silva Pereira Resende, todos funcionários da Secretaria Nacional da Juventude na gestão Temer e que, de alguma forma, participaram da elaboração e formalização do contrato.

Assis foi empossado no cargo de presidente da secretaria por Michel Temer e pelo então ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Antes, foi assessor da ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney. Depois que deixou o governo, voltou para o cargo de presidente nacional da Juventude do MDB. Procurado para comentar o caso antes da publicação do texto, ele não quis falar com a reportagem.

Francisco de Assis Costa Filho. 
Francisco de Assis Costa Filho.
Foto: Roque de Sá/Agência Senado / Estadão

Fiscalização

Toda a investigação que apura a responsabilidade pela contratação da empresa é tocada pela de Secretaria de Fiscalização de Tecnologia da Informação (Sefti), unidade do TCU especializada em irregularidades nesta área. Logo no início da investigação, os técnicos da corte de contas desconfiaram da capacidade da Linckon de prestar os serviços determinados em contratos e, por isso, cobraram uma diligência no local. Ao chegar na pequena Jupi, se depararam com um salão de beleza onde trabalhava apenas uma pessoa, sem qualquer sinal de computadores ou profissionais do ramo da informática.

Segundo o órgão, prejuízos com o superfaturamento, no caso da Linkcon, ultrapassam a casa de R$ 4,5 milhões. Em acórdão assinado pelos ministros José Mucio Monteiro, Ana Arraes e pelo procurador-Geral do TCU Lucas Rocha Furtado, foi determinado que Francisco de Assis e outros três funcionários deverão devolver pelo menos R$ 1,3 milhão aos cofres públicos. Além disso, a empresa Linkcon Internacional, que tem como endereço o salão de beleza, terá sua personalidade jurídica desfeita.

A contratação da empresa, aponta o relatório do TCU, aconteceu sem licitação e sem seguir o devido processo legal licitatório. Também diz que houve direcionamento na contração e a área jurídica da Presidência da República, na época, não autorizou o prosseguimento do processo, que, mesmo assim, foi até o fim.

Sobre o fato de a sede da Linkcon funcionar em um salão de beleza, o relatório do TCU diz que a estrutura operacional da empresa não condiz com os pagamentos que vem recebendo de instituições públicas. "As fachadas dos locais em que se situam a sede da empresa e suas três filiais, em princípio, indicam a exploração de atividades econômicas bastante diversas daquelas que são objeto do contrato em epígrafe."

Um segundo contrato, de R$ 5 milhões, referente à mesma área, também é alvo da fiscalização do tribunal. Segundo apurou a reportagem, os auditores já encontraram indícios de superfaturamento. Neste caso, ainda não há acórdão dos ministros.

O TCU alerta que outros ministérios e órgãos do Executivo fizeram contrato com a Linkcon, e diz que mais auditorias relacionadas à empresa estão em andamento. De acordo com as ordens bancárias do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), referentes ao exercício de 2017, a empresa recebeu R$ 14,5 milhões de entes federais.

"Além destes pagamentos, de origem federal, a empresa celebrou contratos administrativos com entes públicos estaduais e municipais, que somam mais de R$ 50 milhões. Com efeito, ante tais indícios, entendo que nesta oportunidade deve-se proceder à desconsideração de sua personalidade jurídica", diz o pedido acatado pelo plenário da Corte.

A reportagem tentou contato com os outros citados na reportagem, mas não obteve retorno até a publicação do texto. A Linkcon também foi procurada, por e-mail e telefone, mas não respondeu aos contatos.

A reportagem questionou a Presidência da República quais providências foram tomadas em relação ao contrato firmado com a Linkcon. Por meio de nota, o governo informou que o processo relativo à Secretaria Nacional da Juventude era, à época, conduzido pela Unidade Gestora (UG) que atualmente encontra-se na estrutura do Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos (MMFDH). A assessoria do ministério, por sua vez, reforçou que o contrato com a empresa Linkcon Eireli foi firmado na gestão passada, e encerrado em 05 de novembro de 2018. "Esta gestão está seguindo todas as orientações do TCU", diz.

Defesa. Após a publicação da reportagem, na sexta-feira, 6, a Juventude do MDB divulgou nota para "esclarecer" alguns pontos abordados no texto e aponta interesse político na divulgação das investigações do TCU. Entre os pontos, afirma que a contratação da empresa Linkcom "aconteceu em 2018, dentro da conformidade e de acordo com a Lei de Licitação", o que é contestado pelo próprio tribunal de contas.

"Já com relação ao endereço fornecido pela empresa, a SNJ questionou a veracidade das informações à LinkCom, que por sua vez, informou possuir mais de uma filial e que cada contrato é gerido por uma sede administrativa diferente. Frisa-se que os endereços informados pela prestadora de serviço são de inteira e exclusiva responsabilidade desta e não do órgão contratante", diz a nota.

Em outro trecho, a nota afirma que o próprio secretário, Assis Filho, solicitou a abertura de auditoria nos contratos da SNJ. "Destacamos ainda que o Tribunal de Contas da União exerce seu papel de controle externo e que o andamento de auditorias são praxes no Tribunal e seguem o fluxo normal do procedimento. Não há o que se falar em 'investigação', não é esse o papel do TCU, e sim procedimento administrativo usual, mais uma vez o texto jornalístico, de forma irresponsável, continua sendo tendencioso e sensacionalista", afirma.

Estadão
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