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Promotores divergem em investigação sobre procurador de SP e consultoria de falências bilionárias

MP chegou a dar parecer favorável para apuração de suposta relação com sócios de empresa, mas entendimento mudou após a troca de responsável do caso

15 ago 2022 - 15h11
(atualizado às 15h37)
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Dois promotores do Ministério Público de São Paulo apresentaram pareceres divergentes a respeito de uma possível abertura de investigação sobre a suposta relação do procurador de Justiça Eronides Santos com os sócios da consultoria Offshore Assets Research (OAR), que atuava em processos sob sua responsabilidade na Vara de Falências de São Paulo. A empresa, que antes era apenas uma companhia de administração de bens pessoais pertencente a um político, foi aprovada por Santos para atuar em processos emblemáticos de insolvências.

Em um dos processos nos quais a consultoria atuou, uma parte acusou, nos autos, o procurador de ter relação pessoal com os sócios da empresa. O MP chegou a dar parecer favorável a uma investigação e pediu duas vezes à Justiça para que o caso fosse enviado ao Tribunal de Justiça e à Procuradoria-Geral de Justiça, órgãos responsáveis por inquéritos criminais sobre procuradores, que atuam na segunda instância. Agora, com a troca de promotor do caso, o MP recuou.

O dono da OAR, Rodrigo Kaysserlian, é sócio do escritório de advocacia que defendeu o procurador em uma demanda judicial. Também é presidente e fundador do Instituto Brasileiro de Rastreamento de Ativos (Ibra), para o qual Santos foi nomeado conselheiro. Tanto a OAR quanto o Ibra são sediados em um mesmo prédio no centro de São Paulo.

Com parecer favorável de Eronides, a OAR passou a prestar consultoria de recuperação de ativos no exterior nas massas falidas do Banco Santos e das Fazendas Reunidas Boi Gordo - cujas dívidas somadas chegaram a R$ 8,5 bilhões.

Fazendas Reunidas Boi Gordo pediu falência, deixando dívidas bilionárias Foto: Divulgação

Fundada em fevereiro de 1979, em Itanhaém, com o nome de Sunny Empreendimentos, a empresa tinha como sócio um ex-prefeito da cidade, e servia para a administração de seus bens pessoais. Em 2000, a empresa mudou de nome para Forssell Gerencial e Consultoria e passou para as mãos de um parente do ex-prefeito.

Em novembro de 2009, a Forsell Gerencial mudou o nome para OAR. No dia 4 daquele mês, véspera das mudanças na empresa, a OAR foi apresentada pelo síndico da Boi Gordo para prestar uma consultoria de rastreamento de ativos desviados no exterior. No dia seguinte, a indicação foi aprovada por Eronides. Dez dias depois, Kaysserlian entrou para a sociedade.

A OAR recebe com base no que consegue bloquear em ativos no exterior de donos de empresas falidas para pagar os credores. Em 2017, admitiu como sócia a OAR Consultants, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. Até 2021, a OAR enviou à offshore R$ 26,1 milhões, segundo documentos obtidos pelo Estadão.

Um pedido de investigação sobre a relação da OAR com Eronides foi feito por Julio Lourenço Golin, que adquiriu a Boi Gordo antes da falência. No processo, a OAR acusa Golin de desviar bilhões dos credores com operações no exterior. A Justiça chegou a decretar um bloqueio de R$ 3 bilhões do Grupo Golin.

No fim de abril, por meio de sua defesa, Golin voltou a pedir a anulação da sentença que o condenou a pagar a indenização bilionária a credores. Na peça, mencionou as relações entre Eronides e a OAR.

Em parecer enviado à Justiça, o promotor de falências Tiago de Toledo Rodrigues afirmou que os fatos apresentados por Golin "se revestem de potencial elevada gravidade". E, afirmou ser "imprescindível comunicar os órgãos competentes para viabilizar eventuais providências cabíveis - pena até mesmo de prevaricação". Por duas vezes, o promotor insistiu para levar o caso adiante.

Nas últimas semanas, o caso mudou de titular no MP. O novo promotor, Joel Bortolon Junior, deu um parecer contrário à investigação, e sustentou que a defesa de Golin tem reiterado estes mesmos argumentos nos últimos anos, e que eles não prosperaram na Justiça.

Eronides foi promovido a procurador de Justiça em 2020, e hoje atua na esfera criminal, e deixou de atuar em falências, sua especialidade por mais de uma década. O procurador afirmou que, à época em que a OAR foi avalizada no processo da Boi Gordo, "constatou-se que a empresa existia formalmente e seus profissionais possuíam experiência em rastreamento de ativos no exterior". "Lamento a utilização de chicanas para, mais uma vez, tentar impedir o ressarcimento de mais de 30 mil pessoas lesadas no caso [Boi Gordo]", diz ele.

Eronides também admite ter sido defendido pelo escritório de Kaysserlian em um processo contra uma operadora de TV a cabo, além de sua atuação no Ibra. "Essa situação não causa impedimento para minha atuação em qualquer processo", diz. O procurador argumenta que as alegações da defesa de Golin já haviam sido apresentadas em 2019, e que o TJ chegou a julgar improcedente um pedido de suspeição.

Kaysserlian afirma que entrou na OAR em 2008. "Apenas a alteração do contrato social da OAR Brasil ocorreu em 2009. Nenhuma relação com o contrato firmado nos autos da falência da Boi Gordo", disse. Ele também nega conhecer Eronides antes de 2009. Sobre as transações no exterior, afirmou que "atividades no Brasil são executadas pela OAR Brasil" , e que "em outras jurisdições internacionais pela OAR Consultants".

Estadão
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