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'Não se pode confundir as pessoas com as instituições', diz empresário bolsonarista

Otávio Fakhoury, alvo de duas investigações no STF, vê "cerceamento à liberdade de expressão" no inquérito sobre propagação de fake news nas redes sociais

5 jul 2020 - 13h08
(atualizado em 7/7/2020 às 13h10)
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O financista Otávio Oscar Fakhoury, de 47 anos, que também atua no mercado imobiliário, é ligado à ala mais ideológica do bolsonarismo, influenciada pelo escritor Olavo de Carvalho. Investidor de primeira hora do site Crítica Nacional, que está entre os apoiadores mais fervorosos do presidente Jair Bolsonaro, Fakhoury participa de grupos de WhatsApp das brigadas bolsolavistas e muitas vezes dá o tom da reação do pessoal aos acontecimentos.

Nas últimas semanas, ele se tornou alvo de dois inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal federal (STF), sob suspeita de financiar a propagação de fake news e a organização de atos antidemocráticos. Em entrevista ao Estadão, Fakhoury afirma que "nunca" financiou manifestações que pediam intervenção militar, com o fechamento do Congresso e do STF, e que o inquérito das fake news representa um "cerceamento à liberdade de expressão". Ele fala também sobre suas doações na campanha eleitoral, diz por que apoiava o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e o que o levou a chamar o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, de "traidor".

O sr. é investigado em dois inquéritos que correm no STF para apurar o financiamento da disseminação de fake news e de atos antidemocráticos. Como se posiciona em relação a isso?

No inquérito das fake news, pelo que vi nos documentos a que tive acesso, o conjunto de provas é o meu Twitter. O meu Twitter é a manifestação da minha opinião pessoal. Então, a minha percepção é de que se trata de um cerceamento à liberdade de expressão. Sobre o outro inquérito, nunca financiei nenhum ato antidemocrático. Também nunca financiei disparo de mensagens de campanha, que é outra coisa que se levanta em relação a outros empresários. Agora, já ajudei atos 100% democráticos, como o de 26 de maio do ano passado, a favor da reforma da Previdência e do pacote anticrime, contribuindo para pagar o caminhão de som. Mas sempre foi tudo com nota fiscal, com CNPJ. Não cometi nenhum ilícito, nenhum crime.

Na campanha eleitoral de 2018, o sr. contribuiu com doações para a Bia Kicis, de Brasília, e o Luiz Philippe de Orléans e Bragança, de São Paulo, ambos eleitos como deputados federais. O sr. fez mais alguma doação?

Toda as minhas doações de campanha foram declaradas à Justiça Eleitoral. Além das contribuições para a Bia Kicis, de quase R$ 50 mil, e para o Luiz Philippe, de pouco menos de R$ 40 mil, houve uma contribuição para o PSL paulista, de R$ 45 mil e uns quebrados, que eles depois usaram para alugar caminhão de som e algumas outras coisas. Houve outras doações menores, para a candidatura do Rogerio Chequer e da Andrea Menezes, para governador e vice de São Paulo pelo partido Novo. A Andrea é muito minha amiga, foi minha colega de Merrill Lynch, quando eu trabalhava no mercado financeiro.

Para o ato de Brasília em 19 de abril, no Dia do Exército, em que houve aquelas manifestações pedindo intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF, o sr. fez alguma contribuição?

Não financiei esse ato de Brasília. Não saberia nem para quem mandar o dinheiro. Não conheço esse pessoal, a Sara Winter e a turma dela. A Polícia Federal sabe disso, porque meu celular já está com eles. Fizeram duas buscas e apreensões na minha casa, por causa de print de WhatsApp e de Twitter. Não tenho nada a esconder na minha vida. A PF já está com tudo lá e já sabe que não fiz nada de errado. Ao publicar a sentença dele no site do STF, autorizando a operação de busca e apreensão, o ministro Alexandre de Moraes não rabiscou nem o CPF nem o endereço residencial da gente.

Em conversas suas no WhatsApp que vazaram no ano passado e mesmo em manifestações nas redes sociais, o sr. adota um tom bem enfático, até meio agressivo, em relação a parlamentares, ministros do STF e autoridades do governo. Isso não acaba estimulando o ódio na sociedade?

Você não vai achar uma postagem minha usando uma palavra de baixo calão. Filho disso, filho daquilo. Nunca xinguei ninguém. Eu não apago meus tuítes. Está tudo lá, é só conferir. Eu sou uma pessoa que acredita nas instituições. Se você procurar nas minhas redes, não vai me achar nunca pedindo fechamento de nada. Quando me manifesto, são críticas a pessoas e não às instituições. Como diz o Adílson Dallari, um grande jurista, professor titular de direito público e administrativo da PUC, não se pode confundir as pessoas com as instituições. Crítica faz parte da democracia. Critico figuras até do governo. Outro dia estava até criticando um ministro do Bolsonaro que achei que estava fazendo um mau trabalho e até pedia para o presidente tirar esse ministro.

Mas não precisa xingar para ofender alguém. Muitas vezes, o sr. também estimula as pessoas a criarem uma onda contra A, B ou C. É possível ver isso naquelas mensagens de WhatsApp que vazaram.

Não, eu não estimulo nada. Dou minha opinião. Nunca desejei mal a ninguém, no sentido de dizer "ah, essa pessoa tem que morrer". Isso a gente vê por aí, as pessoas desejarem a morte de alguém. Isso não é do meu feitio. As críticas que eu faço às vezes são duras, mas não desejo mal a ninguém. Às vezes, você pode dizer que o cara é isso, que ele é aquilo. Se a pessoa se sentir ofendida ela pode me interpelar, pedir explicações. O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, se ofendeu porque o Roberto Jefferson disse que ele teria sido advogado daquela facção criminal. Ele entrou com uma ação na Justiça pedindo explicações e uma ação de indenização por danos morais. Isso é um procedimento normal quando alguém se sente ofendido com uma postagem ou um comentário. Na verdade, o que são os crimes de fake news? São calúnia, injúria e difamação, já previstos na legislação. Só precisa ter uma queixa-crime. No inquérito das fake news, ninguém nem sabe direito que crimes estão sendo investigados ali.

O sr. é sócio e um dos principais financiadores do Crítica Nacional, que é um site que apoia o presidente Bolsonaro. Como é essa participação?

Sócio não sou. Todo mundo coloca que eu sou sócio e estou sempre fazendo essa retificação. Não me considero nem financiador. Sou colaborador. Hoje, existem várias formas de um portal obter colaboração online. No começo, quando não era muito comum, eu ajudei mais. Agora, o Crítica tem os canais de colaboração abertos, no YouTube, no Superchat, no Apoia-se. Hoje, eu praticamente nem estou colaborando mais com eles.

Agora, no começo o sr. teve uma participação ativa no financiamento do Crítica Nacional. Quanto o sr. investiu no site?

No começo, lá atrás, em 2016, eu ajudei, porque eles estavam precisando comprar computador, equipamento, essas coisas. Fiz uma média anual, pegando o começo, que era mais, e os anos seguintes. Deu cerca de R$ 30 mil por ano. Hoje, nada. Também não tenho nenhum tipo de ingerência sobre o que eles escrevem e publicam lá.

Muita gente atribui ao Crítica Nacional a propagação de fake news. Essa ligação com eles não coloca o sr. no mesmo barco?

Eu já discuti isso antes. Esse termo fake news é um truque semântico. O cara usa isso para rotular uma matéria de uma linha editorial que ele não gostou. Ou então o cara chama de fake news uma calúnia, uma injúria, e aí tem de processar o autor. O que eles fazem são editoriais com enfoque crítico. Agora, eu desconheço que tenham recebido uma única queixa-crime de calúnia e injúria até hoje. Como é que eles podem propagar fake news se ninguém nunca os processou? Nunca também alguém pegou um tuíte meu e me processou. Como eu disse, essa coisa de fake news é um truque semântico para aplicar uma censura em cima de alguém de cuja opinião você não gostou. Uma opinião não é passível de processo, a não ser que contenha uma injúria, uma calúnia ou uma difamação e o autor, caso seja condenado, tem de fazer a reparação.

Muitas vezes o sr. compartilha publicações que trazem informações falsas. Isso não o coloca como co-responsável pela propagação de fake news?

Se eu não sou o autor da matéria, não posso ser responsabilizado pelo que está lá. Não sou gerador de notícia. Não sou jornalista. Sou uma pessoa com opinião no Twitter. Se um dia alguém me convencer de que uma notícia que eu repliquei não condiz com a verdade, eu apago. Mas não tenho condições de sentar e falar "deixa eu ter certeza antes de publicar". Quando chega uma notícia de uma fonte que tem alguma credibilidade, a gente vai lá e retuíta.

Acredito que cada um deve ser responsável por aquilo que divulga. Também tem a questão da boa fé e da má fé. Muita gente divulga fake news de má fé mesmo. Como é que fica isso?

Quando a gente divulga algo que nos passam, sempre pressupõe que foi de boa fé. Não tem má fé da minha parte em enganar as pessoas.

Recentemente, o sr. chamou o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, de "traidor", por ter criticado os ataques com rojões ao prédio do STF. O sr. apoia esse tipo de manifestação?

Eu não faria um ato desses. Não concordo com esse tipo de coisa. Agora, não gostei de vê-lo atacar isso e "passar pano" para quem está violando os direitos do cidadão. Acho que foi uma traição. O (deputado) Eduardo (Bolsonaro) não gostou do que eu falei. As pessoas da família Bolsonaro não gostaram. Isso mostra não sou pago por ninguém para dar minha opinião.

Qual é a sua relação com o presidente Jair Bolsonaro?

Eu não tenho relação pessoal com o Bolsonaro. Estive na presença dele duas ou três vezes, todas em eventos públicos. Nunca estive em privado com ele. Traduzi uma palestra para ele em Nova York durante a pré-campanha. Ficamos 1h30 juntos numa palestra, com mais pessoas. Depois, houve outro evento em Brasília e só. Agora, enquanto presidente, não o vi, não. Estive com ele antes de ser presidente.

E com os filhos dele, como é a relação?

Eu não tenho contato com a família Bolsonaro. O único filho dele que tem relação comigo, de conversa ou de amizade, é o Eduardo. Nunca conversei com o Carlos Bolsonaro, nem pela via digital nem ao vivo. Do Flávio Bolsonaro já apertei a mão uma vez só. Nunca conversei com ele também. Meu contato com o Eduardo foi porque o deputado Luiz Philipe de Orleans e Bragança, que é meu amigo, me pediu ajuda quando eles receberam o diretório do PSL em São Paulo. Ele disse que precisava de um tesoureiro, alguém que estivesse acima de qualquer suspeita, porque tinha esperança de que o partido pudesse acertar as contas no TSE e receber recursos do fundo partidário, o que nunca aconteceu. Durante os poucos meses em que fiquei lá, o partido não recebia dinheiro público. O dinheiro para pagar as contas vinha de doações pequenas. Então, nem se quiserem inventar uma fake news a meu respeito vão conseguir, porque não tinha dinheiro público lá na época.

O sr. tem também uma relação próxima com o Filipe Martins, assessor internacional do presidente, não?

Não é próxima, porque o Filipe Martins é um cara difícil de falar. Durante a campanha, ele me apresentou algumas pessoas de movimentos de direita, mas depois que ele assumiu a assessoria do presidente é muito difícil eu falar com ele. Estive duas ou três vezes com ele neste período, no CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), num outro evento em São Paulo e num curso dele na Fundação Alexandre de Gusmão, em Brasília. Se você mandar uma mensagem para ele hoje, vai lhe responder daqui a um mês.

Também há pouco tempo, o sr. disse que, se o Bolsonaro demitisse o ministro Abraham Weintraub, da Educação, iria reavaliar seu apoio a ele. Isso aconteceu?

Eu reavaliei e continuo confiante no governo Bolsonaro. Tinha pensado uma coisa e depois vim a saber das ameaças que estavam sendo feitas ao Weintraub e à família dele, à esposa e à filha. Ele também queria sair do governo. Não é que foi embora chutado.

Por que a permanência dele era tão importante?

Não é que era importante. Ele estava cumprindo o que prometeu para o presidente, apesar das críticas que todo mundo fazia a ele. Então, pensei comigo: se o presidente tirar um cara que entregou tudo o que prometeu, será injusto. Depois, entendi que havia mais assuntos no meio.

O sr. apoiava o ex-ministro Weintraub? Em sua avaliação, ele estava fazendo uma boa gestão?

Sim. Ele fazia o que o presidente tinha pedido para ele fazer. Então não tinha porque eu não apoiar. A minha opinião sobre educação é que você tem de tirar os excessos. Na verdade, o excesso na educação hoje vem só da esquerda. Não tem ninguém com ideologia de direita na educação. É só entrar numa universidade. Se alguém levantar e falar que é de direita, vai ser linchado. Então, ele estava lutando contra os excessos, que são só de um lado, limitando a atuação das fundações, que trazem dinheiro internacional, e trabalhando contra certos focos de corrupção. Eu estava de acordo com essa gestão.

Para a gente terminar, em que pé está o seu caso hoje?

Eu já me entrei com uma petição me colocando à disposição para prestar os esclarecimentos necessários. Não tinha feito isso antes porque estava esperando o acesso aos autos. O acesso ao primeiro inquérito foi parcial. Já entendi que eles não vão dar acesso a tudo, o que é lamentável, porque pela Súmula 14 o acesso deveria ser total. Meu advogado entrou com uma queixa na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Ele está manifestando repúdio ao fato de não ter acesso total aos autos. No outro inquérito, recebi acesso oficial no final de junho. Logo em seguida protocolei um pedido me colocando à disposição. Estudei o que está no inquérito e me ofereci para ser ouvido na certeza de que não cometi nenhum crime. Também já pedi para eles restituírem meus bens, que eles podem copiar e devolver. Os HDs que eles levaram têm fotos da minha família, arquivo pessoal de fotos. Já deu tempo para eles copiarem tudo e me devolverem. Um cara de sistemas faz uma cópia física de um HD em duas horas.

Estadão
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