'Encontrei meu filho esquartejado': população de Gaza sofre com explosões de bombas israelenses abandonadas
Como o cessar-fogo na Faixa de Gaza, ainda que frágil, parece estar sendo mantido, os deslocados tentam retornar para suas casas. Mas, em meio aos escombros, muitas munições não detonadas permanecem no local e representam um risco concreto para a população, que continua vivendo em condições extremamente precárias, à espera da ajuda humanitária, que ainda demora a chegar ao enclave.
Como o cessar-fogo na Faixa de Gaza, ainda que frágil, parece estar sendo mantido, os deslocados tentam retornar para suas casas. Mas, em meio aos escombros, muitas munições não detonadas permanecem no local e representam um risco concreto para a população, que continua vivendo em condições extremamente precárias, à espera da ajuda humanitária, que ainda demora a chegar ao enclave.
Rami Al-Meghari e Frédérique Misslin, correspondentes da RFI em Gaza e Jerusalém, com agências
Mohammed Nour e sua família voltaram para casa, na cidade de Gaza, no início de outubro, quando o cessar-fogo entrou em vigor. Eles haviam sido deslocados por um tempo para o sul do enclave palestino. Mas o filho de Mohammed, Zain, ficou ferido logo após o retorno, atingido por "um artefato explosivo deixado pelo Exército israelense", contou o pai em entrevista à RFI.
"Quando chegamos de Khan Younès, nossos filhos estavam com fome. Então, pedimos que procurassem alguns pedaços de madeira e outros materiais para fazer fogo e cozinhar", relata Mohammed Zain. "Eles começaram a juntar algumas coisas e havia, entre os escombros, um artefato explosivo não detonado deixado pelo Exército israelense. Ouvi uma deflagração, mas não me dei conta imediatamente de que as crianças lançadas pela explosão eram as nossas. Quando corri para socorrê-las, descobri que eram cinco: meu filho e meus sobrinhos. Imagine o que é encontrar seu filho esquartejado! Consegui socorrê-los e levá-los ao hospital", conta.
A cena foi filmada. Zidan, outro filho de Mohammed, escapou por pouco da explosão, mas o menino de 12 anos testemunhou o drama vivido por seu irmão Zain. "Eu estava com eles e consegui fugir. Vi meu irmão voar no meio das chapas de metal", contou o garoto.
Zain e seus primos continuam internados no hospital. O menino sofreu ferimentos nas pernas e passou por cirurgia. Seu estado de saúde ainda é grave.
O episódio ilustra as condições de vida atuais de muitos moradores de Gaza. Além da escassez de alimentos e da precariedade das estruturas sanitárias após meses de ataques, a população também convive com bombas lançadas pelas forças israelenses, mas que não explodiram e permanecem entre os escombros. Segundo o serviço de remoção de minas das Nações Unidas, esses artefatos podem explodir a qualquer momento.
Das dezenas de milhares de toneladas de explosivos lançadas sobre o território nos últimos dois anos, entre 5% e 10% não detonaram, representando um risco real para a população palestina, especialmente para as crianças.
Entrada de ajuda humanitária ainda é muito lenta, lamenta a ONU
Enquanto isso, mais de 37 mil toneladas de ajuda da ONU conseguiram entrar em Gaza desde o início do cessar-fogo, em 10 de outubro, informou um porta-voz da organização na sexta-feira (7), lamentando que, apesar de alguns avanços, ainda há obstáculos para a chegada dos carregamentos.
O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) indica que, "as necessidades urgentes da população continuam imensas, com obstáculos que não foram removidos com rapidez suficiente desde o cessar-fogo", declarou Farhan Haq, porta-voz adjunto do secretário-geral da ONU. "As entradas continuam limitadas a apenas dois pontos de passagem, sem acesso direto entre Israel e o norte de Gaza, ou entre o Egito e o sul de Gaza. E alguns produtos e funcionários de ONGs ainda não conseguem entrar", acrescentou.
Essas 37 mil toneladas ainda estão muito aquém das 190 mil toneladas de ajuda humanitária (alimentos, medicamentos...) que a ONU havia preparado fora de Gaza para executar um plano de 60 dias a partir do início do cessar-fogo, com o objetivo de socorrer a população do território devastado por dois anos da guerra iniciada na esteira do ataque do Hamas em 7 de outubro.