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Mundo

Doze milhões de pessoas vivem na condição de 'sem pátria'

25 ago 2011 - 01h53
(atualizado às 02h19)
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Albert Einstein, Alexander Solzhenitsyn e Che Guevara tiveram um destino parecido ao longo de suas vidas, o de apátridas, a mesma condição que seguem sofrendo hoje no mundo 12 milhões de pessoas sem direito a passaporte. A questão dos "sem pátria" teve seu apogeu no período entreguerras e após a Segunda Guerra Mundial, mas deixou de ter um impacto na opinião pública internacional na segunda metade do século XX, apesar do alto número de pessoas que vivem neste limbo jurídico.

Por esta razão, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) lançou nesta quarta-feira uma campanha que busca voltar a conscientizar sobre esta situação por ocasião do 50º aniversário da aprovação da Convenção para a Redução dos Casos de Apatrídia (1961).

Tecnicamente, os apátridas não são cidadãos de nenhum país, o que acarreta dramas humanos, já que as pessoas nesta situação carecem na maioria dos casos de direitos básicos, como moradia, educação, saúde e acesso ao trabalho. São indivíduos que geralmente não podem comprar uma propriedade, abrir uma conta de banco, se casar e nem sequer registrar o nascimento de seus filhos, que comumente acabam tendo que viver longos períodos de confinamento, já que não podem revelar sua procedência.

O filme O Terminal (Steven Spielberg, 2004) narra a história de um cidadão do Leste Europeu, protagonizado por Tom Hanks, que fica preso no aeroporto de Nova York, pois seu país sofreu um golpe de Estado que o deixou sem nacionalidade. Este longa-metragem chegou a chamar a atenção para este problema, mas o Acnur acredita que ainda há muito o que fazer. "É um grupo de pessoas que precisa desesperadamente de ajuda, pois vive em uma situação legal indefinida, um pesadelo", manifestou o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, o português António Guterres.

Segundo ele, os apátridas são as pessoas "mais marginalizadas do mundo", pois "são excluídas há gerações, criando um grande estresse nas sociedades que vivem e sendo alvos de violência, em alguns casos".

O Acnur calcula que há 12 milhões de pessoas sem nacionalidade, embora reconheça que estabelecer um número exato é muito difícil pela falta de informações confiáveis e pelas distintas definições do que significa legalmente a condição de apatrídia. Este organismo ligado à ONU constatou que o problema é especialmente sério nas regiões do Sudeste Asiático, Ásia Central, Europa Oriental e Oriente Médio, mas adverte que a situação dos apátridas "não tem a ver com fronteiras ou estilos de vida".

Há muitas maneiras de se tornar apátrida. Pode ocorrer por renúncia de nacionalidade, sem aquisição de uma nova, ou porque a pessoa em questão nunca a teve. Esta última situação, por exemplo, aconteceria com uma criança nascida em um Estado que determina sua nacionalidade pelo "jus sanguinis" (nacionalidade herdada da família) e cujos pais são cidadãos de um Estado que estabelece o "jus solis" (nacionalidade herdada do país de nascimento) para conceder a nacionalidade.

Foi algo que afetou durante algum tempo 200 mil crianças brasileiras nascidas no exterior, já que a Constituição exigia que os menores filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro residissem no Brasil para poder obter a nacionalidade. O problema, que no caso do Brasil foi solucionado após a aprovação de uma emenda constitucional em 2007, se criava no caso das crianças que nasciam em países que não reconheciam o direito à nacionalidade unicamente pelo nascimento em seu território.

Contudo, as causas mais frequentes nas últimas décadas, segundo o responsável da Unidade de Apátridas do Acnur, Mark Manly, são a formação de novos Estados - como o caso recente do Sudão do Sul -, a transferência de territórios e a mudança de fronteiras. Manly lembrou a hecatombe da década de 1990, quando a queda do bloco soviético transformou em apátridas centenas de milhares de cidadãos das extintas URSS, Iugoslávia e Tchecoslováquia. "A maioria dos casos nessa região foi resolvida", assinalou o especialista do Acnur, que lembrou, no entanto, que atualmente milhares de ciganos europeus continuam vivendo sem ter um passaporte.

Como costuma ser habitual, as mulheres são discriminadas pelo mero fato de sê-lo e, em muitos países, perdem a nacionalidade quando se casam com estrangeiros, o que pode afetar também seus filhos. O Acnur ressaltou que, em 30 países, as leis relacionadas à nacionalidade seguem discriminando as mulheres, embora tenha aprovado as mudanças legais no Egito (2004), Indonésia (2006), Bangladesh (2009), Quênia (2010) e Tunísia (2010) para garantir que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens.

Mas o grande problema é a falta de vontade dos Estados, já que, dos 193 países-membros da ONU, apenas 66 assinaram a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas (1954), que estabelece direitos básicos para este grupo, e só 38 assinaram a Convenção para a Redução dos Casos de Apatrídia, que completa agora meio século. "É vergonhoso que milhões de pessoas vivam sem nacionalidade, um direito humano básico", disse Guterres, que lamentou que um problema dessa envergadura ainda passe despercebido.

EFE   
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