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Incra vai terceirizar vistoria de terras com municípios para fazer regularização fundiária

Cidades ficarão responsáveis por indicar técnicos, que deverão passar por treinamento online oferecido pelo instituto

3 dez 2020 - 16h06
(atualizado às 16h40)
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BRASÍLIA - O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) decidiu terceirizar o trabalho de vistoria local e de checagem de dados, para acelerar o processo de regularização de terras. O objetivo é firmar acordos com municípios de todo o País, que ficarão responsáveis por indicar técnicos que poderão executar o trabalho.

O funcionário de cada município passará por um treinamento online dado pelo Incra, para ser credenciado como representante do órgão vinculado ao Ministério da Agricultura (Mapa). Ele poderá ser servidor do município ou até mesmo contratado externamente pela prefeitura, que deverá arcar com os custos desse empregado. Uma vez habilitado, ele passa a atuar como funcionário terceirizado do Incra, fazendo vistorias locais a imóveis, checando informações e enviando dados à central do Incra, em Brasília. Confirmada a regularidade da terra, o imóvel vai receber a escritura.

As informações foram confirmadas ao Estadão pelo secretário especial de assuntos fundiários do mapa, Luiz Antonio Nabhan. "Todos nós sabemos das limitações de infraestrutura, de pessoal e de orçamento que o Incra vive. Por outro lado, o governo e as prefeituras têm todo o interesse em resolver as situações fundiárias. Então, com esse funcionário credenciado, a gente vai regionalizar a atuação", disse.

Nabhan conversou sobre a proposta com o presidente Jair Bolsonaro, que aprovou a ideia e pediu para dar andamento imediato. O Incra já realiza algumas parcerias com municípios para tocar seu trabalho, mas, segundo Nabhan, o processo atual é burocrático e lento, porque exige que seja aberto um processo para cada município que adere à iniciativa.

"Essa parceria, antes, era complicada. Tinha que fazer um processo para cada uma. Agora é um processo nacional, para todos. Vamos publicar um edital de chamamento para todos, para que os municípios interessados possam aderir", comentou o secretário.

O programa "Titula Brasil" teve a sua portaria publicada no Diário Oficial da União nesta quinta-feira, 3. A proposta prevê a criação do Núcleo Municipal de Regularização Fundiária (NMRF), que vai integrar os terceirizados contratados aos servidores do Incra, em Brasília e em suas regionais.

Nos próximos dias, deve ser publicado o chamamento público aos municípios interessados. Em até 60 dias, será divulgado o "Regulamento Operacional e o Manual de Planejamento e Fiscalização" do programa.

No alvo da medida estão regularizações que se enquadrem nos parâmetros definidos pela Lei da Terra Legal. Trata-se da Lei 11.952, que foi editada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009, que prevê a regularização de unidades de até 2.500 hectares, com necessidade de vistoria local no processo. A mesma lei permite que propriedades menores, de até quatro módulos fiscais (aproximadamente, 280 hectares), possam ser regularizadas por meio de sensoriamento remoto, com checagem à distância.

Na avaliação do secretário, a medida ajuda a resolver as limitações e dificuldades logísticas que o Incra enfrenta nos Estados da região Norte, por exemplo. "Com esse programa, um técnico do Incra de Manaus, por exemplo, não vai mais precisar fazer uma viagem de mais de 2 mil quilômetros para chegar no município de Boca do Acre, porque terá um funcionário credenciado do Incra por lá", disse.

Nabhan disse que o programa começa imediatamente e que espera uma "adesão em massa" dos municípios. "O importante é saber que não estamos criando nada estranho ou diferente do que já está previsto em lei. É o que podemos fazer neste momento e vamos fazer, com os instrumentos que já temos."

O secretário descartou ainda a ideia de que o Incra poderia ser transformado em uma agência, como chegou a ser apontado em estudos realizados pela equipe do vice-presidente Hamilton Mourão. "Não existe nada disso. O Incra é uma autarquia e continuará a ser, como já afirmou o presidente Bolsonaro."

No início do ano passado, o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura paralisou todas as operações do Incra, sob o argumento de que precisava reestruturar a autarquia. Amigo de Bolsonaro, levado ao governo para avançar com a regularização fundiária na Amazônia Legal, Nabhan foi derrotado neste ano em sua principal missão: aprovar a Medida Provisória 910, da regularização fundiária, que passou a ser conhecida como "MP da grilagem". A MP caducou. No mês passado, Bolsonaro voltou a criticar o assunto e prometeu enviar uma nova MP sobre o tema ao Congresso, no ano que vem.

Paralelamente à iniciativa com os funcionários terceirizados, o governo também tenta avançar no programa de terras menores, milhares de ocupações feitas décadas atrás na região amazônica, todas hoje em situação irregular, por meio de sistemas e vistoria a distância.

Ao todo, 97,4 mil propriedades com tamanho de até quatro módulos fiscais - o que equivale a, aproximadamente, 280 hectares - terão suas informações analisadas para receber escritura definitiva. Esses imóveis, se somados, atingem área total de 6,374 milhões de hectares. É como se toda a área dos Estados do Rio de Janeiro e Sergipe fossem regularizadas por meio de sistemas, sem vistoria presencial. Pelos dados do governo, esse volume equivale a 40% de toda a área passível de ser regularizada na região.

Para a Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi), a decisão deixa de lado a necessidade de se estruturar a autarquia, além de ter potencial de pressionar terras indígenas e quilombolas em processo de demarcação nos municípios.

"Com essa decisão, toda a grilagem de terras do Brasil vai ser regularizada em pouco tempo. Isso vai impedir novos projetos de assentamento da reforma agrária, novas regularização de territórios quilombolas, novas áreas indígenas e novas áreas de preservação ambiental. É uma decisão inconsequente e desastrosa para democratização de acesso à terra e para o meio ambiente", disse o diretor da Cnasi, Reginaldo Marcos Félix de Aguiar.

Ele lembra que o Incra, órgão que completou 50 anos em julho deste ano, teve, em seu orçamento de 2020, apenas 66,6% do valor que recebeu 20 anos atrás, em 2000. O repasse foi reduzido de R$ 1,09 bilhão em 2000 para R$ 725,6 milhões neste ano, isso sem considerar a correção inflacionária do período. Se esta for considerada, os recursos para 2020 chegariam a R$ 3,6 bilhões, cinco vezes o orçamento deste ano.

Para Aguiar, a terceirização também pode encontrar impedimentos legais. "Eu vejo que há problemas de legalidade na decisão, pois retira atribuições constitucionais do Incra e repassa as prefeituras, que certamente não tem pessoal, instrumentos, orçamentos e gestão qualificada pra fazer regularização fundiária. Com isso, vai ocorrer é regularização de grilagem, beneficiando os mais ricos do município", disse.

Estadão
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